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O Cartesianismo como Estereótipo

Durante algum tempo em minha carreira, havia um lugar onde eu era frequentemente chamado de “cartesiano” de forma pejorativa e, sem dedicar um tempo a entender a questão aprofundadamente, simplesmente reagi negativamente ao estereótipo do cartesianismo.

Na época, o termo era usado em um contexto para descrever uma suposta inflexibilidade de pensamento ou estratégia, comportamento que me incomodou bastante, pois o prático “assédio moral” culminou em frequentes questionamentos de valores e identidade.

Como disse o próprio Alhazen, considerado o primeiro cientista, somos seres humanos falíveis e, por causa disso, o foco no argumento deve preceder a crença na autoridade e como outras tantas coisas que disse Tales de Mileto. ainda antes.

“Nossa, devo ter problemas mesmo”, pensava e pensei por muito tempo… por pura baixa autoestima.

Até descobrir que meus valores estavam adequados e que aquilo não passava de assédio moral, um argumento para validar um dos lados de pontos de vista discordantes.

Há muito aqui a explorar.

O que temos de individualidade ao ponto de interpretar se algo vai contra a nossa própria escala de valores? Como definir uma linha que separa a nossa moral da moral alheia e de uma potencial ética duvidosa?

Como julgar uma moral adequada diante de uma ética questionável? Aliás, como analisar opiniões divergentes sem descambar para o embate de identidades ou, melhor, como detectar quando esse movimento é provocado por divergências de valores?

Se voce já leu “O Erro de Descartes” de António Damásio, deve estar se perguntando o que danado estou fazendo eu, defendendo ideias cartesianas.

Pois bem.

Descartes defendia a separação da mente e do corpo, algo que ficou simbolizado ao longo dos anos como a separação da racionalidade e da emoção em favor do primeiro.

Portanto, uma mente cartesiana é, dentre inúmeras coisas, suposta e equivocadamente uma mente racional, mas inflexível, que obedece a um plano de coordenadas pré-definidas e previsíveis, imutáveis e sem emoções.

Isso acontece não porque hoje em dia duvida-se da separação da racionalidade e das emoções, mas porque Descartes foi o cara que criou toda uma metodologia de questionamento e, basicamente, o que conhecemos como ciência (pelo menos no Ocidente – afinal, Alhazen chegou quase 900 anos antes).

Sim, você entendeu certo: questionar é a base da mudança e era o que Descartes fazia de melhor, por mais ultrapassados que consideremos alguns conceitos deixados por ele.

Aliás, questionar como base da ciência é algo que causa muito mal-estar diante da manutenção das identidades autoritárias e egos, algo totalmente oposto à busca pelo conhecimento fundamentada no questionamento. Autoridade não é evidência e se alguém a coloca como base do argumento ou crença, vai contra mais de 2500 anos de história e aprendizados.

Se por um lado há inúmeras crenças filosóficas e até estudos que demonstram como a racionalidade é indissociável das emoções, bem como o corpo da mente ou tantas características do pensamento cartesiano, isso não significa necessariamente inflexibilidade.

Equívocos certamente foram cometidos por Descartes… mas muitos cometem equívocos ao associar o conceito cartesiano com a defesa do status quo.

Particularmente, saio feliz desse rápido insight. Se tem uma coisa que aprendi ao longo dos anos é que descobrir os nossos valores e respeitá-los é fundamental para a saúde mental, assim como aceitar diferenças e estar aberto ao novo e às mudanças.

Uma aparente antítese, mas que revela uma especial complementariedade.

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A Escala de Valores e Potenciais Comportamentos

Você já pensou sobre sua própria escala de valores?

Nos últimos quatro meses, tenho conversado bastante pelas redes sociais e com pessoas próximas sobre como perceber se estamos no caminho certo.

Essa consideração por si só é suficiente para gerar inúmeros questionamentos, a começar pelo conceito de certo ou errado, que já explorei anteriormente.

Muito já falei aqui sobre a nossa percepção individual de mundo, como isso influencia o nosso julgamento e como, de uma forma geral, as regras do mundo em que vivemos são uma média social moral que acaba em ética.

Não sei qual a sua percepção dos dois… afinal, trata-se de um tema profundo e complexo que as pessoas simplesmente ignoram.

Por mais semelhante ou não que o nosso conceito de moral e ética seja, como avaliar se estamos caminhando em uma direção adequada? (tomo especial cuidado em não usar adjetivos como “certo” aqui).

Proponho uma abordagem diferente, um exercício fácil, com o potencial de revelar se estamos caminhando em uma direção adequada ou se estamos lutando contra nossos próprios valores.

Vamos lá.

Imagine uma reta, numerada de menos cem a esquerda a mais cem, na extremidade direita oposta.

No meio, está o zero.

Do lado direito, imagine tudo aquilo que é moral, ético e que você considera “certo”.

Coloque na ponta extrema direita as coisas mais óbvias, fortes e vá distribuindo os elementos, chegando ao centro, colocando aquilo que não é tão aparente assim para você.

Do lado esquerdo faça a mesma coisa, mas com tudo aquilo que é antiético, imoral, negativo, inaceitável, ilegal e totalmente contra os seus valores.

Na extremidade esquerda, você deve imaginar tudo o que é óbvio e mais contundente, distribuindo até o meio as coisas com noção cada vez mais branda ou duvidosa.

Use a sua própria concepção de moral, ética, certo ou errado, verdade ou mentira, bom ou ruim, positivo ou negativo. A escala é sua e individual.

Fique à vontade para colocar na reta aquilo que pode ou não ser influenciado por suas crenças, fé, religiosidade ou qualquer outro padrão que possa ou não influenciar o seu conceito de certo, errado, verdade ou mentira.

Dica:

Moral não se impõe ou cobra-se;
Exerce-se.
Mesmo sem ninguém ver.
E se for pra “ver” ou mostrar,
não é moral.
É outra coisa.

Mas ela é só sua, dita o seu comportamento e, frequentemente, o que acha, sente e pensa.

Agora, você tem uma escala imaginária que, correndo da esquerda para a direita, vai do crime mais hediondo, da coisa mais horrível e inaceitável que você pode imaginar até o maior ato de bondade e doação que também é capaz de idealizar.

Há alguma dúvida de que a grande maioria se esforça para viver do meio para a direita?

Eu particularmente não tenho dúvida alguma disso.

Concentre-se nestas quatro questões:

  1. Quantas pessoas conhece (e isso inclui você) que intencionalmente vivem, pensam, agem e trabalham o mais próximo do meio, perto do zero dessa escala, às vezes conscientemente pisando um pouco no lado esquerdo (de leve), só para tirar vantagem dos outros e ter sucesso?
  2. Quantas pessoas intencionalmente pensam, agem e trabalham para chegarem ao sucesso através do uso das margens de interpretação daquilo que reside próximo ao zero, no centro da reta?
  3. Você vive para intencionalmente explorar a área cinza que existe entre moral, ética, leis e o inadequado, errado, inconveniente e talvez o proibido?
  4. Você acha que isso tem um preço?

Eu acho que tem.

Pensar sobre essas quatro perguntas traz a resposta para o primeiro parágrafo desse texto.

E o mais legal?

Você não precisa encontrar necessariamente as repostas em si para entender se a direção da sua jornada é adequada ou não (apesar de ser um bom exercício).

Basta compreender se você está caminhando da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda ou se a sua ideia de sucesso, felicidade e realização tem a ver com explorar as margens de interpretação do meio da reta, próximo do zero.

Isso mesmo: talvez não tenha ficado claro ainda, mas cada ser humano tem uma reta dessas e não há duas retas iguais.

Existem várias expressões culturais que contribuem (ou não) para o alinhamento das retas individuais em conjuntos relativamente semelhantes.

São as doutrinas, as religiões, os grupos sociais, a família, o trabalho e tantos outros conceitos de sistemas que distribuem valores e regras de comportamento, alimentando-se mutualmente.

O ser humano é um ser social e esse comportamento nada mais é do que o exercício desse atributo.

Ao sentir, pensar e exercer, a sua moral entra em sintonia ou conflito com a dos outros e a média que surge daí pode ser chamada de ética e essa “ética” recebe inúmeros nomes.

Agora que criou uma escala que vai do seu absoluto negativo ao seu absoluto positivo, percebe como ela delimita a sua existência?

O ponto é:

Você consegue perceber para que lado da reta os seus pés estão apontados?

Bônus

Chegamos a uma época do ano em que as resoluções e o planejamento para o futuro tomam conta da gente.

Será que podemos usar nossa escala de valores para ajudar na tarefa? É claro que sim!

Para isso, analise e consolide em duas colunas de uma lista, o que aconteceu no ano que passou e classifique mês a mês aquilo que considera despertar emoções e resultados “positivos” ou “negativos”.

Após criar a sua própria escala de valores e compará-la com a lista, conseguirá não só determinar se a sua caminhada foi compatível como terá em mãos uma ferramenta para planejar melhor o futuro, investindo no que interpreta como bom e remediando o que não for tão interessante assim.

Lembre-se: a escala é só sua e não depende das escalas ou escolhas dos outros. É por esse motivo que os critérios de “bom”, “ruim”, “positivo”, “negativo”, “moral”, “ética” e tantos outros que servem de base para a criação da escala devem seguir a sua própria experiência, interpretação de si e do mundo que o cerca.

Este texto faz parte do livro “O Guia Tardio” e foi publicado em vídeo no canal do Youtube. Para assistir, clique aqui.

#OGuiaTardio