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Ressaca

Já bateu a ressaca? Ela eventualmente chegará.

Moral, financeira ou bastante real na figura do exagero alcoólico ou através de outras drogas lícitas ou ilícitas.

O “sextou” de toda a semana, que vira o Réveillon.

Apesar da virada do ano ser o simbolismo da renovação, tecnicamente o dia 01 de janeiro é idêntico ao dia 31 de dezembro.

Em termos de natureza, pode ser. Mas para nós, seres humanos desejantes por mudança externa, fruto de um castelo de cartas de expectativas, não é… e pouco fazemos para mudar a nós mesmos.

No momento, temos uma situação peculiar: o dia 1 de janeiro cai em um sábado… teremos o domingo de intervalo e a segunda do batente, da realidade à porta. Aliás, escancarando a porta.

Temos uma delimitação bastante clara entre o que foi e o que será em nossas mentes. Por enquanto, apenas em nossas mentes.

As redes sociais inundadas de fotos de bem-estar, fartura e felicidade, pessoas afirmando que só aceitarão goodvibes e energias positivas para o ano que começa.

O universo não precisa agradar a você.

Aliás, cada um de nós é menor do que um grão de areia, um breve suspiro no grande esquema das coisas.

Esperar que tamanha grandiosidade afague o nosso ego individualista é o maior exercício egóico que consigo imaginar.

Mas a ressaca passa também. Tudo passa.

E na segunda, tudo volta a ser como era antes e não volta apenas porque a existência é injusta.

Volta também porque atribuímos ao externo a nossa felicidade, sucesso e realização.

Atribuímos até ao externo nossa concepção de propósito. Terceirizamos os quatro, além das emoções e responsabilidades!

Queremos que o mundo mude para nós, mas poucos querem mudar para o mundo.

Então, após a ressaca passar, imagine o que pode fazer para o todo. Para o próximo.

Imagine o que pode sair de dentro de você para que você mesmo chegue aonde quer chegar.

Você pode ler até aqui e achar este texto pessimista ou negativo… pelo contrário.

Ele é a realização plena de que cada um de nós tem mais autonomia e responsabilidade do que desejamos.

Como disse Freud certa vez:

“A maioria das pessoas não quer realmente a liberdade, porque liberdade envolve responsabilidade e a maioria das pessoas tem medo da responsabilidade.”
Sigmund Freud

Então, ao encher a boca para dizer que só quer energias positivas em 2022, pense no que pode fazer a respeito. Aliás, aceite que a vida é um caminho de contrastes, de altos e baixos… que vão e vem em ciclos.

Para muitos, o primeiro minuto do ano seguinte é o início do carnaval, um ciclo que dura cerca de 2 meses e apenas após o qual o ano se inicia.

Cada dia, cada hora e cada minuto é um tempo a menos. Não espere março para viver a vida, porque ela já está sendo vivida a cada segundo, queira ou não.

E não, não é uma visão puramente utilitarista que proponho. É a realização de onde surgem em nós os elementos e recursos para que mudemos a vida no sentido daquilo que planejamos.

Sugiro que leve o tempo que quiser… mas quando o seu ano começar, não espere que haja uma reverência ao seu desejo de bem-estar, sucesso e felicidade, um conjunto de expectativas a partir dos outros.

Busque e seja a referência com ações, na medida do possível. Vamos olhar para dentro e perceber o que habita em nós.

Agora, ao invés de imaginar o ano apenas como um bebê nascendo ou 365 oportunidades, perceba o que nasce dentro de você.

O que 2022 tem pra mim? Não sei. Sei que estou olhando para dentro em busca do que eu tenho para ele.

Estes 365 dias são telas nem sempre em branco, mas eu tenho um pincel e tinta nas minhas mãos e dá pra pintar muita coisa.

Desejo a você muito mais do que felicidade, sucesso e realização.

Desejo a capacidade de adaptar-se não importa o que aconteça.

Desejo o reconhecimento da linha que separa o que controla do que não controla, da autonomia que possui ou pode buscar e a apropriação da responsabilidade advinda deste exercício de percepção.

Ao invés de pedir ao Universo que seja bonzinho com a gente, pedindo tudo do bom e do melhor e esperar que nossos desejos de bem-estar sejam atendidos, que tal agirmos ativamente neste sentido?

Pegue o seu pincel e comece agora.

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O Cartesianismo como Estereótipo

Durante algum tempo em minha carreira, havia um lugar onde eu era frequentemente chamado de “cartesiano” de forma pejorativa e, sem dedicar um tempo a entender a questão aprofundadamente, simplesmente reagi negativamente ao estereótipo do cartesianismo.

Na época, o termo era usado em um contexto para descrever uma suposta inflexibilidade de pensamento ou estratégia, comportamento que me incomodou bastante, pois o prático “assédio moral” culminou em frequentes questionamentos de valores e identidade.

Como disse o próprio Alhazen, considerado o primeiro cientista, somos seres humanos falíveis e, por causa disso, o foco no argumento deve preceder a crença na autoridade e como outras tantas coisas que disse Tales de Mileto. ainda antes.

“Nossa, devo ter problemas mesmo”, pensava e pensei por muito tempo… por pura baixa autoestima.

Até descobrir que meus valores estavam adequados e que aquilo não passava de assédio moral, um argumento para validar um dos lados de pontos de vista discordantes.

Há muito aqui a explorar.

O que temos de individualidade ao ponto de interpretar se algo vai contra a nossa própria escala de valores? Como definir uma linha que separa a nossa moral da moral alheia e de uma potencial ética duvidosa?

Como julgar uma moral adequada diante de uma ética questionável? Aliás, como analisar opiniões divergentes sem descambar para o embate de identidades ou, melhor, como detectar quando esse movimento é provocado por divergências de valores?

Se voce já leu “O Erro de Descartes” de António Damásio, deve estar se perguntando o que danado estou fazendo eu, defendendo ideias cartesianas.

Pois bem.

Descartes defendia a separação da mente e do corpo, algo que ficou simbolizado ao longo dos anos como a separação da racionalidade e da emoção em favor do primeiro.

Portanto, uma mente cartesiana é, dentre inúmeras coisas, suposta e equivocadamente uma mente racional, mas inflexível, que obedece a um plano de coordenadas pré-definidas e previsíveis, imutáveis e sem emoções.

Isso acontece não porque hoje em dia duvida-se da separação da racionalidade e das emoções, mas porque Descartes foi o cara que criou toda uma metodologia de questionamento e, basicamente, o que conhecemos como ciência (pelo menos no Ocidente – afinal, Alhazen chegou quase 900 anos antes).

Sim, você entendeu certo: questionar é a base da mudança e era o que Descartes fazia de melhor, por mais ultrapassados que consideremos alguns conceitos deixados por ele.

Aliás, questionar como base da ciência é algo que causa muito mal-estar diante da manutenção das identidades autoritárias e egos, algo totalmente oposto à busca pelo conhecimento fundamentada no questionamento. Autoridade não é evidência e se alguém a coloca como base do argumento ou crença, vai contra mais de 2500 anos de história e aprendizados.

Se por um lado há inúmeras crenças filosóficas e até estudos que demonstram como a racionalidade é indissociável das emoções, bem como o corpo da mente ou tantas características do pensamento cartesiano, isso não significa necessariamente inflexibilidade.

Equívocos certamente foram cometidos por Descartes… mas muitos cometem equívocos ao associar o conceito cartesiano com a defesa do status quo.

Particularmente, saio feliz desse rápido insight. Se tem uma coisa que aprendi ao longo dos anos é que descobrir os nossos valores e respeitá-los é fundamental para a saúde mental, assim como aceitar diferenças e estar aberto ao novo e às mudanças.

Uma aparente antítese, mas que revela uma especial complementariedade.

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A Escala de Valores e Potenciais Comportamentos

Você já pensou sobre sua própria escala de valores?

Nos últimos quatro meses, tenho conversado bastante pelas redes sociais e com pessoas próximas sobre como perceber se estamos no caminho certo.

Essa consideração por si só é suficiente para gerar inúmeros questionamentos, a começar pelo conceito de certo ou errado, que já explorei anteriormente.

Muito já falei aqui sobre a nossa percepção individual de mundo, como isso influencia o nosso julgamento e como, de uma forma geral, as regras do mundo em que vivemos são uma média social moral que acaba em ética.

Não sei qual a sua percepção dos dois… afinal, trata-se de um tema profundo e complexo que as pessoas simplesmente ignoram.

Por mais semelhante ou não que o nosso conceito de moral e ética seja, como avaliar se estamos caminhando em uma direção adequada? (tomo especial cuidado em não usar adjetivos como “certo” aqui).

Proponho uma abordagem diferente, um exercício fácil, com o potencial de revelar se estamos caminhando em uma direção adequada ou se estamos lutando contra nossos próprios valores.

Vamos lá.

Imagine uma reta, numerada de menos cem a esquerda a mais cem, na extremidade direita oposta.

No meio, está o zero.

Do lado direito, imagine tudo aquilo que é moral, ético e que você considera “certo”.

Coloque na ponta extrema direita as coisas mais óbvias, fortes e vá distribuindo os elementos, chegando ao centro, colocando aquilo que não é tão aparente assim para você.

Do lado esquerdo faça a mesma coisa, mas com tudo aquilo que é antiético, imoral, negativo, inaceitável, ilegal e totalmente contra os seus valores.

Na extremidade esquerda, você deve imaginar tudo o que é óbvio e mais contundente, distribuindo até o meio as coisas com noção cada vez mais branda ou duvidosa.

Use a sua própria concepção de moral, ética, certo ou errado, verdade ou mentira, bom ou ruim, positivo ou negativo. A escala é sua e individual.

Fique à vontade para colocar na reta aquilo que pode ou não ser influenciado por suas crenças, fé, religiosidade ou qualquer outro padrão que possa ou não influenciar o seu conceito de certo, errado, verdade ou mentira.

Dica:

Moral não se impõe ou cobra-se;
Exerce-se.
Mesmo sem ninguém ver.
E se for pra “ver” ou mostrar,
não é moral.
É outra coisa.

Mas ela é só sua, dita o seu comportamento e, frequentemente, o que acha, sente e pensa.

Agora, você tem uma escala imaginária que, correndo da esquerda para a direita, vai do crime mais hediondo, da coisa mais horrível e inaceitável que você pode imaginar até o maior ato de bondade e doação que também é capaz de idealizar.

Há alguma dúvida de que a grande maioria se esforça para viver do meio para a direita?

Eu particularmente não tenho dúvida alguma disso.

Concentre-se nestas quatro questões:

  1. Quantas pessoas conhece (e isso inclui você) que intencionalmente vivem, pensam, agem e trabalham o mais próximo do meio, perto do zero dessa escala, às vezes conscientemente pisando um pouco no lado esquerdo (de leve), só para tirar vantagem dos outros e ter sucesso?
  2. Quantas pessoas intencionalmente pensam, agem e trabalham para chegarem ao sucesso através do uso das margens de interpretação daquilo que reside próximo ao zero, no centro da reta?
  3. Você vive para intencionalmente explorar a área cinza que existe entre moral, ética, leis e o inadequado, errado, inconveniente e talvez o proibido?
  4. Você acha que isso tem um preço?

Eu acho que tem.

Pensar sobre essas quatro perguntas traz a resposta para o primeiro parágrafo desse texto.

E o mais legal?

Você não precisa encontrar necessariamente as repostas em si para entender se a direção da sua jornada é adequada ou não (apesar de ser um bom exercício).

Basta compreender se você está caminhando da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda ou se a sua ideia de sucesso, felicidade e realização tem a ver com explorar as margens de interpretação do meio da reta, próximo do zero.

Isso mesmo: talvez não tenha ficado claro ainda, mas cada ser humano tem uma reta dessas e não há duas retas iguais.

Existem várias expressões culturais que contribuem (ou não) para o alinhamento das retas individuais em conjuntos relativamente semelhantes.

São as doutrinas, as religiões, os grupos sociais, a família, o trabalho e tantos outros conceitos de sistemas que distribuem valores e regras de comportamento, alimentando-se mutualmente.

O ser humano é um ser social e esse comportamento nada mais é do que o exercício desse atributo.

Ao sentir, pensar e exercer, a sua moral entra em sintonia ou conflito com a dos outros e a média que surge daí pode ser chamada de ética e essa “ética” recebe inúmeros nomes.

Agora que criou uma escala que vai do seu absoluto negativo ao seu absoluto positivo, percebe como ela delimita a sua existência?

O ponto é:

Você consegue perceber para que lado da reta os seus pés estão apontados?

Bônus

Chegamos a uma época do ano em que as resoluções e o planejamento para o futuro tomam conta da gente.

Será que podemos usar nossa escala de valores para ajudar na tarefa? É claro que sim!

Para isso, analise e consolide em duas colunas de uma lista, o que aconteceu no ano que passou e classifique mês a mês aquilo que considera despertar emoções e resultados “positivos” ou “negativos”.

Após criar a sua própria escala de valores e compará-la com a lista, conseguirá não só determinar se a sua caminhada foi compatível como terá em mãos uma ferramenta para planejar melhor o futuro, investindo no que interpreta como bom e remediando o que não for tão interessante assim.

Lembre-se: a escala é só sua e não depende das escalas ou escolhas dos outros. É por esse motivo que os critérios de “bom”, “ruim”, “positivo”, “negativo”, “moral”, “ética” e tantos outros que servem de base para a criação da escala devem seguir a sua própria experiência, interpretação de si e do mundo que o cerca.

Este texto faz parte do livro “O Guia Tardio” e foi publicado em vídeo no canal do Youtube. Para assistir, clique aqui.

#OGuiaTardio