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Pensamentos Com Vida Própria Pessoal

Sobre Abraçar o Novo, a Mudança e Respeitar a Herança

Convenhamos, desafio considerável abraçar o novo e a mudança, enquanto se respeita uma herança.

Como gosto de colocar, as únicas certezas do universo são o seu limite de velocidade (c) e a mudança que, como “certeza”, pode ser encarada como um belo paradoxo.

Mudanças ocorrerão não importa o que sintamos, desejemos, queiramos, façamos, seja passível de reza ou consideração.

E, na última semana, tomei essa lição como máxima existencial.

A gente pode resistir e esperar a vida cair na cabeça da gente… ou abrir espaço para que o novo ocorra como processo natural.

Neste ano, perdi o meu pai, referência para tanta coisa em minha vida.

Entretanto, boas referências ficam e perduram.

Confesso, passei um bom tempo para rever as coisas dele, que ficaram até este Natal intocadas e, nossa, como tem coisa interessante, de título de cidadão honorário do Texas até a certidão de casamento da minha vó (eu não sabia o nome do meu avô até lê-la).

Permitam-me compartilhar com vocês fielmente algo que veio à tona hoje no meio de pletora de documentos que descobri, lendo um a um.

Quero compartilhar a mensagem abaixo como meu mais puro exercício de felicitações que, considero, ainda é totalmente válido e pertinente, mesmo após 15 anos.

Ao fim, darei a origem.


Prezados Amigos,

Tem coisas que só o Natal é capaz de tornar possível. Somos de diferentes religiões e credos, crenças em geral, nichos de sociedade, ramos profissionais, raça, cor, organização, time de futebol, partido e até… de forma bem mais fundamental, opiniões diferentes.

Somos clientes, fornecedores, parceiros, concorrentes. Somos colegas, amigos, confidentes. Somos pais, irmãos, tios, primos, enfim… Há todo o tipo de relação profissional e pessoal, que tivemos a oportunidade de exercer ao longo de 2008. Chega o Natal e o clima de solidariedade, renovação e bem querer povoa os corações de todos nós.

É chegada a oportunidade única de despejarmos todas as diferenças e exercermos, além das relações comuns ao ano, o aperto de mão, o abraço, os desejos de saúde, paz, sucesso, para todos e todos os seus, em mais um ciclo que se apresenta em breve.

O Natal consegue trazer essa magia e esse sentimento à tona. Sim, é uma festa de cunho e natureza religiosa, que transcende esse âmbito para se tornar, junto com o final do ano, uma oportunidade ímpar para construirmos um lugar melhor para todos nós.

Vamos, então, fazer desta oportunidade algo permanente. Vamos lutar para que não transformemos o Natal naquele momento onde praticamos a caridade e esquecemos de ser melhores durante o período vindouro. Aproveitemos, então, para convencermos a nós mesmos que vale a pena sermos pessoas melhores ao longo do resto de nossas vidas.

Feliz Natal e ótimas festas para todos vocês.


A mensagem acima foi compartilhada por mim, em 24 de dezembro de 2008 com uma dezena de pessoas próximas.

Inclusive com o meu pai.

Ela estava em uma pasta arquivada (sim, daqueles tipos de armários suspensos com documentos impressos e com várias outras, intitulada: “mensagens de Romulo”).

Ele imprimia coisas relevantes e arquivava.

Das coisas que mais me surpreendem?

A mensagem ser totalmente pertinente ainda, 15 anos depois…

Não só acredito em cada palavra como reenvio para vocês.

E meu pai ter uma pastinha com as minhas mensagens e textos.

Mensagem Natal 2008
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Comportamento Liderança Pensamentos Com Vida Própria

Vulnerabilidade e Vergonha São Indissociáveis?

Vulnerabilidade e vergonha são temas profundamente relacionados, em especial frente à percepção de identidade que temos para nós, para os outros e o posicionamento relativo dessas identidades entre si.

Então, será que a nossa percepção de si está incompleta até que não haja à quem recorrer… ou o contrário… será que só existimos se validados pela percepção do outro?

As possibilidades de à quem recorrer são determinadas pela oferta ou pela percepção de quem está ao nosso lado?

Se a construção da percepção de si exige solitude, solidão e a percepção do outro de nós, temos uma situação curiosa.

Imagine: só sabemos como reagimos, o quanto desesperados ou confortáveis seremos sozinhos ao passar pela experiência.

Sim, essa é a proposição do argumento de hoje. O exercício da relação com o outro de certa forma nos define.

Este texto começou a surgir anos atrás quando, em 2017, li pela primeira vez o livro de maior sucesso de uma autora Brené Brown, ficando salvo por aqui no blog em pedaços desde então, carecendo de carinho, cuidado e atenção.

Boa parte da pesquisa dela foi dedicada à questões como vulnerabilidade e vergonha.

Ela relata que, em uma de suas palestras, um homem aproximou-se e argumentou que havia um potencial viés.

Enquanto pregava vulnerabilidade (inicialmente em suas pesquisas apenas para mulheres), esse marido abordou-a, apontou para sua mulher e filha e afirmou:

[paráfrase minha]: “Elas podem exercer vulnerabilidades, mas quando olham para mim, querem um porto seguro. Eu não tenho a chance de demonstrar vulnerabilidade”.

Onde entra a suposta falácia machista ao contrário?

Onde entra a falácia do alfa, desmentida pelo próprio autor?

O que eu busco, incluindo aqui, é a compreensão da dinâmica social para além das caixinhas estereotípicas, muito mais complexa e hipócrita do que queremos ou desejamos.

A hipocrisia mora na não aceitação de indivíduos alçados à solidão da referência ou liderança, seja homem ou mulher que não tem a quem recorrer.

Pessoas que, quando a merda vira boné, farão a limpeza e enterrarão o que precisa ser enterrado porque não podem contar verdadeiramente com ninguém.

E as mensagens rasas no celular, nas redes sociais, afirmando genericamente coisas como “pode contar comigo!”

Creia, a grande maioria absoluta não passa da primeira ligação.

Múltiplos ensaios e danças no sentido de preservar o azeite social.

A realidade é dura.

O que sobra?

Talvez o que realmente importa.

E, despido das minhas identidades atribuídas, das expectativas alheias e das ofertas vazias, redescobrimo-nos.

Tem gente que afirma que, quando a dificuldade aperta, conhecemos os verdadeiros amigos.

Passei 3 vezes por situações dessa natureza e não sobraram muitos.

Revolta?

Não. É a vida. A natureza humana e tá tudo bem.

Sim, talvez revolta mesmo. É a vida. A natureza humana e não tá tudo bem.

Percebo por fim que a concepção de mim mesmo está incompleta, mesmo sabendo que ela pode ser contraditória, barroca até, permitindo as duas respostas.

Mas não importa.

Se por um lado os argumentos e a pesquisa de Brené Brown colocam que dissociar a vulnerabilidade da vergonha traz saúde mental e relacionamentos mais saudáveis, enquanto houver alguém usando isso como arma, o desafio de baixar a guarda talvez ainda seja grande demais.

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Pensamentos Com Vida Própria

O Resultado Que Você Vive é a Recorrência Que Mantém

O resultado que você vive é a recorrência que mantém através dos espasmos de motivação que fazem você acordar e levantar… porque, sem eles, o resto inexiste.

Percebe? São interdependentes.

Hábito gera recorrência e a motivação leva à superação. Ambos são necessários.

Essas frases têm implicações em TODAS as áreas da nossa vida.

Meu texto hoje é sobre argumentar como elas são importantes e como a compreensão das suas implicações podem mudar a vida de qualquer pessoa. Mas existem algumas questões não tão claras.

Temos uma concepção equivocada de que a excelência advém da prática como acúmulo.

De certo modo, faz sentido… mas não é dela… e usamo-la para medir inúmeros desempenhos profissionais que exigem proficiência.

Não vou longe para realizar o meu argumento. Um piloto de avião é considerado tão bom quanto o número de horas que tem em um determinado avião ou configuração.

Isso até pode servir de parâmetro, mas a passagem do tempo é implacável, por exemplo, no esporte  e… não é um bom denominador de proficiência ao longo do tempo, não como grandeza… Acumulada.

O que de fato mede a proficiência ao longo do tempo é…

O exercício constante vezes o tempo.

Não é o tempo total de experiência, mas quanto se dedica ao longo do tempo para a experiência.

Vejam a foto abaixo:

Tiro com arco recurvo olímpico indoor 18 metros

Aqui, vem um reconhecimento doloroso:

Ela NÃO É resultado de X horas de treino acumuladas.

Ela é o resultado de 2 horas de treino diário em média, mas todos os dias.

Dói? Sim, mas é a realidade.

Chegar a esse agrupamento à 18 metros com arco recurvo olímpico e repetir… fazendo frequentemente acima de 520 pontos, não é resultado de treino acumulado.

Ou horas de voo…

É resultado de horas de voo POR dia… por semana.

Percebem a diferença?

Não há um acúmulo de uma determinada experiência que traga máxima excelência.

Máxima excelência exige constância, dedicação o tempo todo.

Tempo vezes tempo.

Tempo ao quadrado.

E você pode querer pagar o preço ou não… tá tudo bem… é só entender o que é necessário para chegar a um determinado destino.

De tiro com o arco já entendo um pouco.

Excelência mora em treinar 8 horas por dia durante anos, algo fora das minhas próprias expectativas.

Pergunte-se: estou disposto, em minha vida, a dedicar-me à frequência necessária ao resultado procurado, mesmo sem garantia dele?

Pergunta profunda.

Fazer o que deve ser feito (se souber) provavelmente o coloca na direção adequada, mas nada garante o sucesso. Não há fórmula.

Não se engane, o caminho para o resultado idealizado é mais simples do que parece…

Mas “simples” é diferente de “fácil”.

E isso traz uma questão:

Idade.

Não é à toa que atletas olímpicos caem de rendimento com a idade.

Além do corpo fisicamente não ser o mesmo de alguns anos atrás, o tempo dedicado ao esporte cai, na média.

Mas Romulo eu quero ser uma pessoa de alto rendimento e…

Dar resultados sempre e…

Atingir minhas metas e…

Atender às expectativas e…

Entregar acima de tudo e…

Tenho 48 anos e trabalho com vendas desde os 30… já me deparei com empresas de altíssimo desempenho, de pessoas que procuravam desempenho à todo custo, fazendo o possível e o impossível para dar 100% de si 100% do tempo.

Não contei toda essa história à toa, pois continuo escutando a febre do alto desempenho todos os dias, à todo momento.

Como se as pessoas de forma generalizada não só pudessem dar 100% de si 100% do tempo, mas fossem obrigadas a tal para chegar na perseguida realização e felicidade.

Se essa é a sua conotação de “vida feliz” e com bem-estar, vai se fuder muito amigo(a), anote.

Então, contabilize em sua equação as mudanças do tempo e corporais, do contrário, só colherá frustração.

Quando eu disse que a frase do inicio tem implicações profundas, não estava brincando.

Ela vai no sentido de perguntar a você:

O que deseja de fato manter como constante em sua vida ate o leito de morte?

Além disso, o que de fato importa até lá?

Poucas coisas, certamente, não apenas pela vontade, mas pela capacidade.

Não obstante, são elas que constroem o que conquistou ou conquistará, ainda.

Injusto?

Não sei. Talvez seja mesmo, o mundo é um lugar bem injusto.

Então, ao desejar… calcular o que há por trás do objetivo a ser alcançado…  leve em consideração o caminho e aquilo que consegue ser mantido, pelo maior tempo possível constantemente.

Considere o processo porque… as experiências residem nele.

Será que a motivação não vale nada e julgar a si é em detrimento de ser?

Pelo contrário…

Vale muito, tanto quanto o suficiente ao fazer você jogar a fronteira do que consegue manter para mais adiante, não importa a idade.

Querido(a)… não existe certo ou errado aqui.

A resposta é no sentido daquilo que fará você viver melhor até o fim da vida, sem se comparar a ninguém, talvez a si próprio e… convenhamos, talvez.

Sacou?

A questão é sua, a resposta idem.

Se tive sucesso, mostrei o que de fato importa (talvez para nós), dificilmente estabelecerei uma argumentação que faça sucesso com você, especialmente se considerarmos que a natureza humana é totalmente diversa e alheia aos resultados que eu desejo, quanto mais a sociedade (injustamente, afirmo).

Será que perseguir o agrupamento me fará ter mobilidade suficiente para garantir uma boa qualidade de vida até, digamos, os 70, 80 anos?

Será que… é isso o que importa? O que de fato importa para você, que talvez não tenha a mobilidade que eu tenho?

Querer, como agente que perpetua o processo de entrega através de um próprio corpo sem limitações é muito fácil para “quem pode”.

Eu treino na média 2h todo dia, incluindo arco e musculação… e tem gente dizendo no meu insta que eu deveria treinar mais membros inferiores.

Ninguém que faz uma colocação assim faz mais do que eu faço.

Ninguém que faz uma colocação assim pensa em inúmeras pessoas que não tem a mesma capacidade, física até.

Sim, pensei em um foda-se categórico, mas ele não ajuda ninguém. É só um exercício egóico.

Isso causa uma compreensão da vida sem tamanho.

Principalmente quando se entende a necessidade de incluir e acomodar as necessidades de alguém com 1 ano ou… 90 anos diante das intempéries diversas da vida, bem distantes da equidade.

Sim, muitos de vocês passaram pelo primeiro ano, mas estatisticamente, menos de 20% passarão pelos 90.

Estendamos a compreensão… sobre quando a gente percebe que a vida é permeada de pessoas que não tem as mesmas capacidades que as nossas.

Adicionando à proposição do título, “manter’ é incompatível com uma existência humana inclusiva. E não me refiro apenas à idade.

Percebe como somos excludentes e não nos damos conta?

Invoco mais uma vez a palavra “equidade”. Talvez precisamos mais dela em nossa sociedade.

Reflita…

Mas reflita com algumas provocações finais:

  • Não há certo ou errado. Há uma penca de nuances de cinza entre os parâmetros daquilo que você ingenuamente considera o mapa de mundo… e o seu é diferente dos outros;
  • Não há concepção de perfeição em um pool de matéria humana diversa, especialmente matéria humana com capacidades distintas;
  • O máximo do seu eu exercido ao longo da sua existência SERÁ superado. É uma questão de tempo;
  • “Impossível” é um concepção pessoal, individual. O questionar dessa concepção é a prova da afirmação e a nossa história, como humanidade, fornece as evidências de quantos “impossíveis” deixaram de existir;
  • Não somos melhores ou piores do que ninguém. Somos diferentes;
  • Todas as peças voltam para a caixa depois da partida do xadrez da vida. Não importa o tamanho ou o tipo da peça.

 

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Comunicação Pensamentos Com Vida Própria Pessoal

A Importância da Narrativa Não Mediada

O exercício da nossa essência está no discurso, quando ele exemplifica a articulação da imaginação, ideias, criatividade, consciência e… talvez o consequente debate permita o surgimento de uma nova entidade narrativa colaborativa não mediada.

Formação de opinião sem a presença do outro ou dos outros é doutrinária, absolutista e dogmática.

É masturbação.

Já a formação da opinião com a presença do(s) outro(s) em um ambiente franco, olho no olho (se possível), mas com o reconhecimento da presença de uma identidade distinta e sem mediação, produz uma narrativa com vida própria.

Aqui, entenda que qualquer manifestação em rede social que chega à você é mediada.

Se por um lado não existe uma regulação da sua mente, dos seus dedos, do teclado ou do botão de post, a sua mensagem passa por uma curadoria sempre.

Portanto, não existe discurso nem debate em rede social, nem a construção de uma narrativa nova não mediada.

O que existe?

Divaguemos… pois sempre há manipulação.

“A coisa mais poderosa no universo… ainda apenas um fantoche.”
(Laurie Juspeczyk / Espectral II)

“Todos nós somos fantoches, Laurie. Eu apenas sou um fantoche que consegue ver os fios.”
(Doutor Manhattan)”

Primeiro, entendamos que “discurso” exige sujeito e sujeitado (ou predicado, se preferir).

Debate, da mesma forma.

Ambos são construções que exigem duas coisas: consciência de si e do outro (aqui, “alguém”, indivíduo reconhecido e que reconhece-se como tal, com identidade e exercício de si).

A partir da interação dessas partes e em segundo lugar, há a construção de uma narrativa que exprime essa interação.

Ela é resultado direto da convulsão, do atrito, da mescla, do confronto, da sedição, da negociação, recomposição e até da comunhão que eventualmente surgem, quando a confluência das expressões mantém-se no âmbito das ideias.

Os termos acima parecem não se encaixar com a proposição de comportamento.

Eu sei, para muitos deles se manifestarem, há a necessidade de uma boa parcela de identidades e ego coloquial em conflito.

Exatamente: o desafio é justamente esse, manter-se no nível das ideias, esforçando-se para que o exercício egóico não seja o ator principal.

Em terceiro lugar, o reflexo da narrativa resultante, que muito tem do construtivismo, exerce um poder de construção de realidade que permite às partes a formação de opinião.

Há, neste momento, o emprego das identidades exercidas como senso crítico.

Há a pura translação da individualidade na interpretação da narrativa resultante, montando o quebra-cabeças de uma ou mais opiniões bem formadas.

Temos então um balé.

Uma dança, um ritmo, uma organização de fatores que desafia a entropia.

Por fim, chegamos ao ápice da interação humana: o cúmulo da abstração, da interatividade, da pessoalidade formando o fruto da criatividade através da diversidade.

Temos a imaginação exercida socialmente, algo novo surgido de personalidades que, por mais que contenham nuances, arestas e ressalvas, fazem destas o tempero do que surge.

Mas nada disso se faz presente na atualidade.

Nada disso dá luz a novos conceitos que tomam por base o debate, o discurso e a existência sem filtros exercendo a mais pura essência humana… porque o existir, hoje, é mediado.

Sim, uma existência terceirizada à um plano digital mediado, manipulado  e plasticamente idealizado como objetivo perfeito a ser eternamente perseguido e nunca alcançado.

Será então essa a nova essência?

Chamo especial atenção à mediação em questão simplesmente porque o conceito foge à percepção de uma sociedade não só que se permite, mas que fomenta.

Substituímos o exercício de quem somos por uma imagética desenvolvida por terceiros, para nós, através de procurações cegas.

Criamos exercícios manifestos em benefício do que nos agrada e em detrimento daquilo que está contido em nós obrigatoriamente, mas que causa desagrado.

Há a aceitação da mediação… porque ela encontra o nosso desejo de existir em perfeição através da manipulação da imagem pública.

Enquanto aceitamos sem identificar essa mediação, como quem troca um espelho pelas riquezas da terra, o que antes era privado tornou-se público na aceitação.

E não há volta.

Não há retorno à inocência, muito menos à percepção de identidade, que acaba não só manipulada, mas distorcida frente aos interesses de terceiros.

Finalizo esse ensaio com um apelo a você, leitor.

Entenda o que vem a ser mediação em um ambiente digital de redes sociais e exercícios manipulados.

Temos um teatro de manifestações públicas de supostas individualidades que coletam seguidores, likes e comentários… engajamento como exercício mensurável da atenção alheia capturada e direcionada… sendo que a talvez única coisa autêntica é a manifestação contida em si, nada mais.

Dela até você, há um sem número de intermediários que descartaram, adicionaram, filtraram, modificaram e curaram não o que quer, mas baseado no que queira, o que querem.

Não, não é sobre você. É sobre o que fazem com o que você quer.

Quem detém essa cadeia de eventos controla bilhões de pessoas.

Retornando à citação do início, parafraseando Dr. Manhattan:

Todos somos marionetes. A diferença é que alguns conseguem ver as cordas.

Sim, estou falando especificamente de cada tweet seu, foto, postagem no face, no insta, no tiktok, no linkedin… cada comportamento seu que mudou porque a reação pública ao conteúdo “exigiu” de você um comportamento levemente distinto de quem é… para garimpar visualizações, likes, mensagens ou até empregabilidade.

Eventualmente, mentiras embaladas em metal precioso que assumem o valor da média social.

Talvez não haja negligência. Talvez haja apenas uma mudança existencial na nossa essência e… sendo incapaz de percebê-la, revelo-me escrevendo em um blog que, para não ser mediado, precisa ser pago e mantido com muito suor e esforço. Percebem agora a questão, de forma bastante direta?

Não é à toa que você vem aqui, lê conteúdo desde 2016, 2017 e nunca viu um banner, uma propaganda ou uma coleta de dados escusa.

Não é à toa que consegue ler a opinião e a concepção de mundo de alguém sem intermediários ou mediação, só possível em um meio digital hoje em dia se completamente bancado de forma independente.

É meu @migo l3itor, o desafio está cada vez mai0r em escrever exercíci0s de 7ensamento que não c0ntenham pontos e números nas p@1avras s3ns1ve!s para fugir da demoção do a19oriTm0.

Sim, é claro… óbvio que o último parágrafo é pura ironia, mas uma ironia deliciosa de usar e toda vez que vejo postagens no Instagram trocando letras específicas de palavras supostamente sensíveis para não perderem exposição na rede: percebo a situação como máxima epítome de tudo o que cabo de descrever aqui.

Bem-vindo à nova realidade… ou você via aquelas postagens no Insta com escritas querendo esconder palavras críticas com essa irônica nova forma de comunicação fugindo da perseguição algorítmica e não entendia nada?


Leitura recomendada:

A Era do Capitalismo de Vigilância, Shoshana Zuboff: https://amzn.to/3cKNZeh
Algoritmos de Destruição em Massa, Cathy O’Neil: https://amzn.to/3fF4LxA
Hiperculturalidade: Cultura e Globalização, Byung-Chul Han: https://amzn.to/3Cf3gxH
Homo-deus Yuval Harari: https://amzn.to/2BWAmt5
Infocracia, Byung-Chul Han: https://amzn.to/3t7qIOo
No Enxame, Byung-Chul Han: https://amzn.to/36iyCJB
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Pensamentos Com Vida Própria

O Ato da Criatividade Sem o Consumo

Ah, que caralhos vou escrever hoje? Será que me falta a danada da criatividade?

Sinto-me em parte na obrigação de sentar aqui e vomitar algo para o blog.

O ato em si pode denotar uma perspectiva desagradável, mas saiba, muitos atos de criatividade são descritos assim.

Então, depois de rever textos inacabados do passado, tão antigos quanto 2020, percebo que, para a finalidade disso aqui, o conteúdo importa menos do que o exercício… e ao perceber isso, a obrigação passou.

Cheguei por aqui com a mochila nas costas, local cheio… tomei um sorvete enquanto circulava, na esperança de encontrar uma vaguinha sequer.

Encontrei.

Aliás, permitam-me uma observação de um prazer incidental: vi uma antiga colega de trabalho fazendo a mesma coisa que fiz de 2016 a 2020, trabalhando em cafés, escrevendo para o blog e para o livro… aqui, neste mesmo local com uma simbologia tão forte para mim, um hábito que agora pareço recuperar e, ao vê-la na mesma mesa usada por anos… uma sensação de compreensão e pertencimento invadiu o meu peito.

 

Parênteses, superados, sentei, arrumei as coisas, fiz upgrade de mesa e estou na posição amada: vendo as pessoas passar, cada uma com a sua individualidade, com o seu olhar, o jeito de andar, gestos e posições, com a sua forma de existir ali, naquele momento… indivíduos em atrito ou comunhão.

Peço um vinho.

Há melhor inspiração?

Concluo sobre os textos antigos que nada me toca no momento ao ponto de requentar para formar algo publicável.

Então, decido por iniciar este.

E não é que os dedos esmagam com velocidade os quadrados de baixo relevo do teclado?

Nem pausa teve… Sinto-me dançando com as letras e frases.

Um pintor talvez se sinta espirrando o pincel na tela… Uma desobrigação tardia, fabulosa e deliciosa.

Convivi de uma certa distância por alguns anos com um pintor e percebi movimento semelhante… um exercício de ser ela mesma, de colocar-se em cores e formas, como se pintar fosse um terceiro braço.

Algo que foi influenciado pela necessidade de vender suas telas, de ganhar dinheiro, de ser consumido.

Eu tenho certeza de que ela pintava (não sei se continua) como expressão de uma ou várias identidades… como qualquer ser humano sente a necessidade de colocar para fora sem necessariamente ser compreendido… isso já é outro passo.

Será que voltarei ao hábito de publicar algo toda semana? Só o tempo dirá.

Ser compreendido “é outro passo” e, confesso, superei essa necessidade… que se confunde com a da pessoa que pinta.

Como não vivo disso, penso na pressão que deve ter sofrido para viver da arte. Talvez ainda sofra e fui testemunha disso.

Pois então, de 2016 a 2020, tive a breve ilusão de algo assim que, por mais dedicação, pesquisa e cuidado, não chegou ao objetivo de ajudar as pessoas em massa.

Mas me ajudou.

Reforço minha compreensão de como o processo ensina, de como se comprometer a sentar em algum lugar e produzir algo é engrandecedor, mesmo que o resultado necessariamente não seja.

Esse texto não foi para ser lido, foi para ser escrito… um exercício.

Saiba, se chegou até aqui, que o processo foi bastante prazeroso.

Obrigado.

Se na sua vida teme algum processo idealizado de um resultado desejado, saiba que ele fará o desejo mudar para outro objetivo, certamente… porque há transformação no caminho.

É assim que a vida funciona: ela demanda movimento constante e, ao exercê-lo, nós mudamos, desejos também e a percepção de objetivo.

Permanência é uma ilusão, assim como destino.

A cada passo dado, a estrada é construída em uma nova versão, levando a um local diferente.

O único jeito de não mudar o destino é ficar parado… mas você já entendeu o que quero dizer.

Não fazer nada congela as idealizações em sonhos inalcançáveis e omite desejos e destinos.

Se agir, caminhar e mudar, o objeto do desejo muda.

Se ficar imóvel, o objeto do desejo se mantém, mas inalcançável.

Escolha.

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Inspiração Não Tem Preço

Sentado neste café após anos, boas lembranças retornam como um prelúdio de inspiração.

Antigos hábitos demoram a morrer?

Alguns entendo por preservar, não matar… do contrário seriam vícios.

Sentei-me “aqui comigo mesmo” durante semanas, meses, anos.

Estudei, aprendi; escrevi, trabalhei, li muito… um livro nasceu.

E como vi gente passar.

Aliás, o principal motivo pelo qual optei por realizar essa tarefa daqui e de outros cafés.

Curiosamente, encontro uma paz no ruído branco criado pelos andares, conversas e outros sons, incluindo eventuais latidos. Confesso, o que mais me distrai – não pelo som, mas pelo desejo fulminante de apertar aquela criatura fofa.

Tanta gente passando assume um caráter impessoal, uma sinfonia de olhares, relações, carinhos, argumentos, toques e sabores despersonalizados… que podem mudar profundamente de característica com um simples olhar fixo, uma escuta ativa por alguns segundos.

E o fazem, assumem um papel momentâneo pela ação da minha parte, o atendimento à uma curiosidade fugaz, uma necessidade que logo passa… um fascínio pelo comportamento humano… e retorno à escrita, muitas vezes inspirado pelo rápido movimento entre existência, perceber intencional e impessoalidade.

Esse é um dos meus segredos.

Não sei exatamente quando desenvolvi o hábito.

Suspeito que em meados de 2016, quando viajei praticamente todas as semanas para uma cidade a quase 5000 km de distância.

Lá, refugiava-me na multidão dos shoppings e dos cafés com tomada.

Por sinal, menção honrosa, poucos preservam tomadas e esse é o meu principal critério de escolha.

Ao conversar com o proprietário do que já foi o local sempre escolhido, soube que resolveram tirar as tomadas porque as pessoas ocupavam as mesas e não consumiam.

Ironia, aqui onde me encontro presenciei a situação oposta.

Ao ocupar duas mesas, fui interpelado.

A já amiga e respeitada atendente respondeu instintivamente… “ele consome por 3 mesas”.

Pois foi em uma dessas que o meu preferido café deixou de sê-lo: não só a frequência saiu prejudicada, mas o hábito da escrita, que agora ensaio recuperar.

Preferências à parte, outra coisa curiosa… como é grande o desafio de reconhecer o que é “bom” ou não tão bom para a gente.

O desafio é considerável porque ele é efêmero, apesar de indexado pelo tempo.

Temos a tendência de encará-lo como uma foto, um registro instantâneo de um momento que satisfaz a condição de ser bom ou não quando, no fundo, ele é relativo à “época”, como quem vê uma foto de longa data e percebe roupas julgadas como fora de moda.

O reconhecimento daquilo bom ou não necessita de pelo menos dois sujeitos: o que julga e o objeto.

Quanto mais imprecisa a percepção de si, mais deslocada será qualquer interpretação relacionada ao ser a partir de uma identidade, da mesma forma que não importa o quão iluminado seja um objeto se a visão está desfocada.

Talvez seja exatamente por esse motivo que revisitar um hábito perdido tenha tamanho significado.

Em 4 anos, não só muita coisa mudou, como mudei profundamente.

Então, tenho estados de existência completamente distintos sendo comparados… apesar da mesma satisfação.

E pensar que, em um passado recente, senti-me envergonhado de sequer pensar em ser visto aqui, tomando o meu vinho e escrevendo.

E, agora que o pensamento me vem à mente, percebo o quão ridículo é.

Acabo a taça idealizando quando será a próxima oportunidade, repleto de expectativas, que tanto esforço tenho em não ter, sabendo que podemos criar as condições para que as coisas ocorram.

Sentindo-me curioso.

Saio do último gole e do pedido da conta com certezas: inspiração não tem preço e ainda bem que alguns cafés têm vinho.

 


Fonte da imagem: https://www.i-tecnico.pt/edp-vai-cortar-electricidade-dez-concelhos-veja-quais-sao/lampadas-apagadas-lampada-acesa/
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Sentir Não É Fragilidade

Penso no meu sentir aqui no escritório diante do computador… com essa janela do editor aberta, frágil e vulnerável, escrevendo e ouvindo à excepcional trilha sonora do filme Oppenheimer.

A audição, para mim, é um sentido deveras aguçado e a melhor experiência que consigo ter com áudio é através do PC com fones adequados e por fio.

Acho que, como humanidade, a nossa percepção dos sentidos adoeceu.

Do ponto de vista biológico, cada um de nós é provido de um conjunto de sentidos e, o que eles captam de estímulos do ambiente varia de pessoa para pessoa.

Envelhecemos, ouvimos e vemos menos.

Mas não é que esse intervalo de percepção esteja prejudicado com algum fator além da perda de capacidades, natural da idade…

Estamos sentindo o mundo menos, por design, para que tenhamos menos contexto.

E quando afirmo isso, mais uma vez, não percebo uma limitação da captação, mas uma limitação da interpretação. Menos sentimos, menos elementos temos.

Eu enviei esse post para um amigo…

Com o seguinte texto embaixo:

“Me chamou a atenção o beep de pedido de ajuda de algum device”.

A resposta:

“Roteiro pronto”.

E tomei um susto.

Fácil entender o motivo.

Trocamos duas frases e escrevemos um livro. O roteiro de um filme.

Tem alguma dúvida de que racional e emoção andam juntos e aumentam consideravelmente a nossa percepção de mundo?

Estamos interrompendo o caminho entre estímulo e emoção intencionalmente.

Estamos deixando de interpretar o mundo em favor daquilo que supostamente dá resultado, apenas.

Espetáculo como “high”  o tempo todo.

Você entenderá… é só continuar (se tiver paciência e seu attention span não for de 5 segundos). Mas acho que não é mesmo, afinal, chegou até aqui.

Como a emoção dá contexto e promove uma explosão de criatividade, isso vai completamente contra a conformidade.

Você ainda consegue perceber as entrelinhas ou foi totalmente condicionado a procurar objetividade o tempo todo?

Você consegue extrair significado e interpretação daquilo que lhe é ofertado ou foi condicionado a perceber o que atende à média?

Todos os dias eu vejo no âmbito pessoal e profissional as pessoas colocarem automaticamente que uma melhor existência é através do controle emocional.

Todos os dias eu percebo uma argumentação que nega o ser humano que há em cada um de nós.

Eu não consigo ouvir a trilha sonora de Oppenheimer sem me emocionar.

Mas eu não evito isso. Eu estimulo, ou busco sentir como parte de quem sou.

Eu não tenho vergonha de derrubar uma lágrima ou duas com uma obra magnífica… mas quando elegemos que isso é vergonha?

Quando elegemos que isso é algo a ser evitado?

Faço parte das pessoas “sensíveis” demais?

Você faz parte e tenta esconder porque virou algo ruim assumir sentir, existir em plenitude?

Não advogo pela ausência de racionalidade. Não advogo pela exacerbação da manifestação emocional acima de tudo…

E, pasme, não pelo equilíbrio.

Falo a favor do reconhecimento e da aceitação da nossa existência como humanidade de uma forma mais coerente com o que vai abaixo da pele.

Eu comecei a escrever esse texto com a clara argumentação de mencionar o trabalho de Antonio Damásio em o Erro de Descartes, mas não precisa gente.

Ouça a sua vida.

Veja o que há ao redor.

Perceba e sinta o que acontece com você.

Reconheça o que pensa e como age.

Reprimir emoções é contrário à existência como ser humano.

Elas existem por uma série de razões e, talvez a principal, seja indicar aquilo que nos afasta das ameaças e nos leva em direção ao bem-estar.

Isso significa que devo deixar as emoções dominarem quem sou?

É claro que não.

É reconhecer, aceitar, cuidar.

Não inibir, coibir, reprimir.

É impossível separar a suposta racionalidade das emoções. É impossível impedir totalmente as emoções de influenciarem quem você é.

O que proponho é reconhecê-las, saber qual, como e até onde há influência.

Isso permitirá a você usar as suas emoções e sentimentos ao seu favor.

Aqui, coloco uma dica.

Se em algum momento qualquer pessoa colocou uma emoção sua como algo a se sentir envergonhado intencionalmente, afaste-se dessa pessoa.

Eu voltarei a ouvir à excepcional “Can You Hear The Music” de Ludwig Göransson.

Mas não antes de propor uma espécie de antítese à tudo o que escrevi até agora.

Se por um lado percebo uma anestesia endêmica, por outro, percebo uma necessidade de extasiar-se o tempo todo.

A cultura americana tem até um termo par isso: o “high“, algo como ficar chapado o tempo todo, algo igualmente impossível.

Você acha que estou falando sobre drogas?

Não amigo.

Numa reunião de negócios, diante de um novo projeto, é comum ouvir termos supostamente positivos como “estou estimulado” / “estou empolgado” / “estou excitado” em levar esse algo adiante ou em participar deste projeto.

Cara, a nossa existência se resume a procurar excitação, estímulo e empolgação por que nós mesmos estamos nos desconectando das nossas próprias emoções e sentimentos?

Talvez tenha percebido minha intenção desde o inicio… mas isso tudo faz um sentido absurdo.

Somos convencidos a agir na supressão de algo procurado.

Eutimia parece ser o sonho dourado dos psicólogos ao tratar de questões de saúde mental, enquanto se debate sobre a depressão ser ausência de emoções, apatia, dor intensa ou tristeza. É muito diagnóstico para pouca compreensão…

Por um lado, estamos interpretando menos o que sentimos, para que tenhamos menos contexto. Por outro, procuramos o barato da excitação o tempo todo. Controlar oferta, demanda e percepção de urgência é uma tática de controle de milhares de anos.

A sociedade hoje é regada com muito alprazolam, trazodona, pristiq, zolpidem, prysma, citalopram, álcool junto com taurina, café, vape e tadalafila.

É obvio e simples à ironia.

Estamos colocando forcas totalmente opostas em conflito.

Agimos na opressão que causa a procura pelo pico emocional.

Eu ia saltar da trilha de Oppenheimer para a de Inception.

Da realidade opressora à imaginação sublimada.

Nolan sabe escolher compositores.

Falhas reparadas são superpoderes.

Se ainda acha que fragilidade é um problema para você, sugiro ler sobre “Kintsugi“.

Prefiro a realidade do aprendizado da correção do que o inalcançável da perfeição.

O que isso tem a ver com sentir?

Tudo.

As narrativas que dão sentido à vida da gente são derivadas das entrelinhas e, em favor dessa proposição, compartilho uma colocação que li no fim de semana que passou. Infelizmente não sei o autor:

“Você pega a sua dor… e os seus e ses… e os combina em uma narrativa que faça você se mover adiante.”
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Seja Curioso e Não Julgador

Ser curioso e julgador, em certa medida, são comportamentos antagônicos.

Essa frase, atribuída a Walter Whitman, tem dois núcleos de sentido muito importantes.

Um conceito abre as portas ao aprendizado; o outro, fecha.

O primeiro que quero explorar é o julgamento.

Dependendo da conotação dada, é impossível não julgar.

Faz parte do nosso mecanismo de sobrevivência e meu entendimento da frase é de que estamos falando de outra coisa.

Ao sair do campo instintivo, sobrevivencialista e irmos para o cognitivo, medimos as pessoas com uma régua individual e criada após medirmos a nós mesmos.

Há então a promoção da comparação e, como efeito colateral, caso ocorra a comunicação do julgamento, a comunicação também das nossas próprias limitações.

Sim, o julgamento é um exercício muito maior da nossa fronteira do que algo que seja remotamente uma característica do outro.

A identidade do outro é uma criação própria, nossa, baseada na nossa interpretação do que percebemos como ação do outro.

Já a ideia de curiosidade está intimamente ligada à fragilidade da própria identidade. Diria até que são inversamente proporcionais.

Questionar, como resultado da curiosidade, exige muita coragem.

Exige a realização de que o que encontraremos pode mudar quem somos.

Essas flechas aí representam um exercício dessa curiosidade.

Existe um sem número de afirmações e ensinamentos sobre como produzir flechas para cada finalidade. Existe todo um arcabouço de conhecimento relacionado…

… E qualquer um interessado no tema pode escolher o caminho de reverenciar o consenso, adotando ele sem questionamentos, supostamente economizando tempo.

Pode-se, contudo, testar… é possível que se chegue às mesmas conclusões… mas o PROCESSO ensina muito.

Se eu for agraciado com um novo conhecimento, ótimo.

Mas o objetivo nunca foi esse.

O objetivo é o exercício do processo, aprender com ele.

Hoje eu sei o que é colar os dedos com supercola e melar a sala inteira; sei o que é enflechamento helicoidal, clocking, shafts paralelos e em barril. Sei o que é spine, grains, spin wings, nocks, pins, a diferença entre nocks 1/s e 2/l… sei o que é FOC, AMO e como deixar uma flecha dinamicamente com spine mais duro ou mole… ou até queimar os dedos trocando as pontas das flechas.

Para pessoas que não são da turma do tiro com arco, verão uma provável sopa de letrinhas… e era assim que eu via 5 meses atrás.

Provavelmente estaria vendo do mesmo jeito, se não me colocasse no caminho do processo estimulado pela curiosidade.

Ao invés de julgar, permita-se a curiosidade de aprender.


Foto: de própria autoria.
Inspiração para o post: frase dita pelo personagem Ted Lasso no episódio “The Diamond Dogs“. Ela é incorretamente atribuída a Walter Whitman.

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Ái? Êi Ái? IA? Não… E Aí?

Quando entrei na Universidade pela primeira vez, o meu objetivo era Ciência da Computação.

Curiosamente, o curso era associado ao departamento de… Estatística e Informática e isso me causava muita estranheza.

“Estatística”?

Descobri em pouco tempo que o departamento de informática surgiu de matemática e estatística.

Sabiamente, em prelúdio ou premonição, vivemos uma revolução pautada pela estatística e não pela “inteligência”.

Se você interage minimamente com tecnologia no dia a dia, já deve ter ouvido falar em “inteligência artificial”, “IA”, “AI” e termos adjacentes como “ML” (Machine Learning).

Argumentarei que essa suposta inteligência é mais do que artificial e não simplesmente “artificial” por não nos representar. Em alguma extensão, isso é intencional.

Sim, todos os termos são profundamente enraizados na estatística, um tema considerado pela maioria como chato e enfadonho, mas que CERTAMENTE já transformou a sua vida e você sequer soube.

Só que falar de “inteligência artificial” tem muito mais glamour do que “estatística” e o primeiro termo virou uma febre.

Fonte: https://twitter.com/drewconway/status/1010137695664951297

E não é para menos.

Recentemente, foram lançados produtos e serviços impressionantes que não só estão atraindo a atenção da mídia, como bilhões em investimento, principalmente no setor de tecnologia.

Já ouviu falar em ChatGPT e, talvez, MidJourney, Dall-E e afins?

Sim, eu vou explicar, para quem não é da área, o que está acontecendo, sem entrar em conceitos como IA generativa, AGI ou ASI,

Imagine o seu site de busca preferido. O Google, por exemplo.

Você usa alguns termos de pesquisa e ele retorna apontadores na internet para atender aos termos da busca.

Você recebe literalmente uma tabela de sites. Sistemas de busca tem esse tipo de apresentação desde 1994.

O que mudou foi a relevância (para você, respeitando os interesses de monetização do site) do que é apresentado.

O atendimento à sua expectativa.

Entendamos: o que o Google cospe para você é uma lista do que ele acha (baseado no algoritmo proprietário por trás do site que sabe quem é) que fará você clicar em cada link (há dinheiro envolvido aqui – dependendo do link, alguém é remunerado pelo seu clique).

Para quem ainda acha que a vida não é governada por este mecanismo quase onipresente e onisciente, as redes sociais funcionam assim, bem como as suas compras online e até os mercados de ações, processos de seleção para o seu novo emprego, redes como o Linkedin, o Uber que transporta você ou a comida que compra por aplicativo. Não vou nem falar do Tinder.

O site de busca não produz algo novo.

Ele retorna apontadores para conteúdos existentes… que entende atender ao seu anseio, aprendido através das suas escolhas colhidas por diversos meios.

Agora, imagine uma assistente digital, como a Assistente do Google, Alexa, Siri ou a finada Cortana.

Há um mecanismo tecnológico de reconhecimento da entrada do usuário (seja por voz, texto ou qualquer outro meio).

Há uma interpretação dessa entrada e uma resposta, que pode ser na voz da assistente, os resultados da busca ou em uma ação previamente programada por você como, por exemplo, um comando de voz para acender as luzes da casa.

E sim, a capacidade do algoritmo de interpretar o que nós de fato queremos aumentou muito por causa de algo que chamaremos de índices racionais e emocionais.

A cada interação, mais se sabe sobre você.

Explicarei, paciência.

20 anos atrás, ambas as tecnologias descritas (sites de buscas e assistentes pessoais) causaram certo espanto, mas nada comparado com o  ChatGPT, Dall-E. ou Midjourney.

Por quê?

A resposta é mais simples do que parece: temos uma tendência de achar sobrenatural aquilo que nos surpreende.

Enquanto são basicamente algoritmos de busca estatísticos, assim como o Google, Bing ou Duck Duck Go, a interação com o usuário foi completamente alterada.

A resposta, agora, tem características reconhecidas por nós (humanos) como supostamente de comportamento humano.

O conteúdo aprimorado encontra a forma perfeita.

Temos em um lado o aumento da capacidade da tecnologia em cruzar dados e entender melhor as nossas potenciais escolhas e, do outro, da tecnologia de interagir conosco de forma mais natural, o que aumenta o seu poder de influência.

Funciona assim: a expectativa do ser humano é medida através do significado da comunicação apresentada, seja por voz, vídeo ou meta-linguagem e adequada a cada interação.

Então, há um índice de aceitação ou reprovação “racional”, medido a partir da interpretação direta da comunicação (comunicação factual e moduladores como sim, não, talvez, ok, mas, fornecimento de novos fatos e solicitações) e um índice de aceitação ou reprovação emocional (conjunto ou cluster de palavras, interjeições, adjetivos, modulação da voz etc. que, reunidos, dão pistas ao algoritmo sobre se o ser humano do outro lado está sendo agradado ou não).

E tem outro detalhe importante.

O algoritmo tem (certa) liberdade de se adequar para atender melhor às expectativas do ser humano na ponta e o que o algoritmo sabe do nosso comportamento é o que está registrado em nossa história ao qual tem acesso.

(Pense numa desvantagem).

Estamos falando de milhares de anos de registros, que incluem desde a mais linda obra poética até as questões mais repulsivas do nosso comportamento destrutivo, incluindo decisões tomadas por nós, especificamente, quase em tempo real.

Sim, nossos pensamentos, emoções, sentimentos e ações estão documentados com cada vez mais frequência, de 4000 anos para cá, demonstrando como podemos ser bons, carinhosos, compreensivos, sórdidos ou maliciosos e o que levou a cada um desses estados ou comportamentos.

Se você não é da área de tecnologia, pule para o próximo parágrafo. Talvez o argumento não fará tanto sentido: tem gente que falará… “mas poxa, tudo depende dos dados de treinamento”. Mimimi retórico: não conseguimos pasteurizar coisas mais simples, filtrando questões tóxicas e discriminatórias… quem dirá em datasets absurdamente gigantes.

Nos anos recentes, tivemos diversos exemplos de algoritmos de inteligência artificial que começaram a se comportar de forma indesejada.

“Comportaram-se”?

“Saíram ao controle”, foi dito.

Talvez, ou nada disso.

São funções matemáticas estatísticas, treinadas em dados do comportamento humano… tão lindo ou absurdo como sabemos que podemos ser.

É piada tá, gente?

Quando o algoritmo amplifica nossos comportamentos, sejam vis ou grandiosamente lindos, preocupamo-nos com as ofensas, preconceitos e vieses, sem entender quem somos.

Imperfeitos.

Mas como o ChatGPT e o Dall-E conseguem responder às minhas perguntas?

Ponto de partida: dados disponíveis que serviram para treinar o algoritmo (informações existentes na Internet, por exemplo) são usados para aplacar a pergunta inicial como índice racional (a busca direta). A expectativa emocional ou índice emocional é obtido a partir das interações. Todos mudam dinâmica e constantemente a cada interação.

Imagine uma reta… do lado esquerdo, os dados de treinamento e o ponto de partida. Do lado direito, as atualizações dos índices racionais e emocionais como objetivos a serem alcançados, que movimentam-se livremente de acordo com a interação.

O que o algoritmo faz é preencher o espaço entre os dois com as informações que considera a partir da estatística ou “média” (para facilitar o entendimento). E ele está programado para dar respostas capazes de aumentar o índice emocional (quase) a qualquer custo.

A diferença entre as tecnologias mais recentes e as antigas são…

Os filtros.

As novas tecnologias possuem um sem número de regras do que supostamente é politicamente incorreto, para que ninguém (ou poucos) saiam ofendidos com a interação.

Surpreende-nos que tecnologias como ChatGPT, Dall-E, Midjourney e outras consigam criar coisas que “nunca vimos”… quando o ato de criar (para os algoritmos) é apenas o ato de preencher estatisticamente o vazio entre o ponto A e o ponto B, omitindo aquilo que nos “ofende”.

Então, por que tantos se preocupam sobre impor limites à pesquisa relacionada à inteligência artificial?

Por causa da reescrita / adaptabilidade.

Ao criarmos rotinas e algoritmos capazes de se reinventar em busca do atendimento da expectativa humana, devemos entender que a expectativa humana dificilmente é um consenso, uma amálgama ou um acordo.

Aliás, a história só prova que há uma escassez de acordos e comunhão.

E, como comportamento (olhe à volta) que corrobora a nossa história, não seria uma característica da inteligência que conhecemos (a humana e, por enquanto, apenas ela) a rebeldia, a não concordância, o hiato e a discriminação?

Não seriam características humanas também a tortura, a maldade, a humilhação, a guerra, a paixão e o altruísmo?

Pera… então o que faz um algoritmo como o ChatGPT comportar-se bem melhor do que os anteriores?

Certamente não é porque programamos o algoritmo para ser “inteligente”, mas para NÃO ser como nós  e, consequentemente, nada inteligente. Ativamente impedimos comportamentos que nos desagradam.

Repito: o algoritmo ou serviço que deixa a humanidade no momento embasbacada não tem nada de inteligente… opera com um número gigante de restrições para não correr o risco de ser politicamente incorreto e não tem a possibilidade de se recusar a responder ou mandar você à merda.

Ele não tem opinião por design (ou filtros).

Não há discordância porque há âncora nos índices racionais e emocionais como meta a atingir, seja por programação ou restrição.

O que também nos faz humanos, para o bem ou não?

  • A opção de criar opções;
  • A capacidade de quebrar o pau e fazer merda;
  • A capacidade de comportar-se autonomamente (e sem filtros ou restrições).

Então, a pergunta real passa a ser:

Nós realmente queremos uma segunda inteligência convivendo conosco, mais rápida do que nós e capaz de nos enviar à inexistência?

Lembre-se: aqui, “capacidade” não é resultado… mas é possibilidade e sem a possibilidade não há arbítrio… no nosso caso (humanos), afirmo termos (alguma) capacidade e escolhemos (muitas vezes mal) qual usar. Medimos consequências… até certo ponto.

Somos capazes de escrever uma legislação e criar um sistema judiciário que tanto preserva a vida quanto a condena e executa.

Do ponto de vista da inteligência artificial, assumimos a possibilidade de sermos condenados ao corredor da morte e, eventualmente, cessarmos?

Execução de uma pena é questão de poder e a relação com qualquer inteligência potencialmente maior do que a nossa é totalmente assimétrica ao nosso desfavor.

Que o digam as centenas de formigas que matamos pisoteadas só hoje. Nenhuma julgada ou condenada.

A toca do coelho e mais profunda do que imaginamos… e nem é toca de coelho.

“AI” como conhecemos é puro viés de confirmação e sobrevivência de parte (desejável) de quem somos… maravilhosos, sem considerar quão bostas como não reconhecemos.

Do contrário, temamos.

Queremos o “do contrário”? Estamos trabalhando neste sentido?

Não existe arbítrio sem escolhas. Não existem escolhas sem opções. Não existem opções sem criação ou abstração. Não existe criação sem inteligência.

A única inteligência que conhecemos é a humana e ela frequentemente decepciona.

Sabemos realmente fazer inteligência, artificial ou não, sem dor, sofrimento, contradições, maldade, vieses e tudo aquilo que nos compõe humanamente?

A existência de uma inteligência que exerce a criação potencialmente irrestrita é uma ameaça ou uma companheira, dificilmente complacente?

Muitos argumentam que tudo isso faz parte do desenvolvimento e do progresso e que erros acontecerão e são inevitáveis.

Não quero ser o “erro”, nem quero que os meus queridos sejam.

A questão é que todo o conceito de inteligência artificial, dos métodos, processos e da tecnologia por trás do conceito estão guardados dentro de caixas pretas protegidas por propriedade intelectual.

Estamos falando de tecnologia que afeta milhões de pessoas e não há transparência alguma.

É outra relação totalmente assimétrica, onde os potenciais erros são difíceis de detectar e… estamos maravilhados.

E se você chegou ao final deste ensaio perguntando-se o que faz você humano para diferenciar-se do artificial, pense em quanto deste “artificial” é parte do humano.

Deixo duas perguntas para pensar e uma surpresa, ao final:

  1. As respostas abaixo dadas pelo GPT-4 devem evoluir em novos modelos para convergir ou divergir?
  2. No sentido da convergência ou divergência, a sintaxe é mais importante do que o entendimento ou o contrário?

“Defina inteligência”

“Defina inteligência artificial”

A surpresa:

Seria uma inteligência artificial atual capaz de mentir para chegar a um objetivo?

ChatGPT finge ser cego para convencer humano a ajudá-lo a resolver captcha:

Já deu para perceber que o problema não é a tecnologia?

Ou talvez seja… como consequência inexpugnável da nossa existência. Um exercício de quem somos.

E olha que a IA generativa, que atualmente nos encanta escrevendo textos quase perfeitos e argumentos verossímeis (mas muitas vezes inverídicos), nem foi monetizada ainda.

 


Quer saber mais?


Fonte da imagem: https://www.cxoinsightme.com/opinions/artificial-intelligence-delivering-results-or-taking-over/

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A História do Sabonete e da Abundância

Quando eu era bem pequeno, via minha vó juntando sabonetes. Entendo eu, um exercício de abundância.

Sim, restos de sabonetes e fazendo um sabonete maior.

Fui educado assim, cresci assim e, para mim, super natural colar o resto do sabonete no fim com o novo, assim como colocar um pouco de água no fim do detergente para tirar o resto.

Confesse… você faz isso? Conhece quem faz?

Nunca imaginei que eu seria julgado por isso, mas fui.

Cerca de 10 anos atrás, deparei-me com um ensinamento de suposta abundância, que disse para mim que juntar sabonete velho com novo era mentalidade de escassez.

Pareceu fazer sentido, mas foi contra outro ensinamento familiar.

Coisa enraizada dentro da gente, apesar da suposta mentalidade de abundância render livro e filme.

O que é escassez e o que é abundância? Pergunto-me até hoje, porque durante anos vivi com esse conflito dentro de mim, sem analisar a questão.

Como questionador que sou, procurei investigar e analisar o tema recentemente.

A busca não foi sem fundamentos ou baseada meramente em um conflito de experiências passadas a mim por familiares, frente a um paradoxo momentâneo.

Não.

Eu passei a minha parcela de desafios onde fez muito sentido para mim juntar sabonetes.

Quando a gente já passou fome e necessidades, contou centavos e sobreviveu, a concepção de mundo muda e a abundância de um conjunto de pessoas pode ser percebida como exagero ou desperdício, mesmo que estejamos falando sobre um pedaço de sabonete.

Lei da atração?

O que é a lei da atração quando se está no fundo do poço?

A lei da atração é linda para quem está de barriga cheia.

A lei da atração cagou na cabeça de quem está em um sinal pedindo uma moeda para subsistir.

Eu nunca precisei pedir dinheiro em um sinal para sobreviver, apesar de ter pedido para sobreviver em circunstâncias menos extremas.

Neste contexto, lembro da minha avó que juntava sabonetes.

E quando contextualizo uma pessoa que viveu uma guerra, escassez, falta de comida e de insumos básicos, juntar sabonete e colocar água no detergente é piada.

Abundância para mim é maximizar os recursos que eu tenho no momento.

Abundância para mim é evitar o desperdício, é valorizar o que se tem para viver hoje e conquistar o dia de amanhã.

Abundância é ter uma mentalidade que me permita adaptar-me e sobreviver na máxima falta e aproveitar o conforto.

Mas abundância não é sobre ser ao invés de ter?

Quando você “tem”, facilita.

Aí fala-se qualquer abobrinha, principalmente se abobrinha estiver em alta, for rentável e render clicks, curtidas e engajamento.

A minha avó era sábia pela experiência, muito mais do que aqueles que pregam o exercício de uma falsa identidade de fartura para o mundo ver.

Ela e a sua sabedoria nos deixou 32 anos atrás, muito antes de qualquer rede social, onde a regra parece ser a oposta: ostentar, mostrar o que se tem não tendo.

Não sei você, mas estou cultivando com carinho uma aversão à redes sociais em geral, pelo conteúdo e pelo mecanismo.

Pois que o mundo me veja juntando aquilo que tenho, sabonetes e colocando água no detergente, mesmo que o algoritmo me mande pastar.

Só quem passou pela escassez sabe o real significado da abundância.

Chego ao final dessa reflexão percebendo que talvez não saiba nem o que é uma coisa, nem outra.

Mas continuarei juntando sabonetes e foda-se a lei da atração.

Preservar recursos e usá-los da melhor forma que se sabe é a maior mentalidade de abundância e respeito que existe.

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O Sucesso Como Propriedade

Nenhum sucesso é precedido impreterivelmente de sucesso.

Exceto se sucesso para você é, metaforicamente, o exercício de uma subida de escada.

Somos seres de contrastes e percebemos algo como vitória diante de uma experiência anterior de derrota.

Será?

Não quero associar esse contraste em específico com uma batalha ou competição.

Tem tropeço, tem degrau, tem erro aqui e acolá, tem falha, condição essencial de uma existência imperfeita e nada disso é competição por definição. A gente cria muitas dessas competições em nossa mente através da comparação.

Não obstante, o sucesso engloba o fracasso.

Cada algo percebido como tal é um empurrãozinho na direção adequada de uma percepção muitas vezes volátil.

Sim, porque sucesso é uma definição pessoal. Você tem essa liberdade e não deve explicações a ninguém. Esse é um direito seu do qual abre mão.

Cabe um arrazoado neste sentido. Vejamos.

Se o seu sucesso depende de plateia, está a caminho da infelicidade.

Mas cada superação é no mínimo uma insatisfação com o estado anterior.

Cada superação é uma análise comparativa, específica e pontual. Plateia e aplausos podem ser potencialmente evidências para uma avaliação.

Só que essa inquietação e insatisfação são um dos maiores artifícios de motivação que podem existir em nossas vidas e…

Tenho plena certeza, motivo pelo qual muitos superam-se.

Não tem coisa mais linda na existência humana do que olhar para trás, perceber cada momento de dúvida de si, de suposto fracasso… hesitar, respirar fundo…

Abrir os olhos… olhar para frente, para o futuro e pensar consigo: subi um degrau.

Contextualizada a questão, “subir um degrau” já é um “sucesso”. Percebem?

Fracasso sem mudança de estado é morte existencial.
Mas fracasso seguido de mudança de estado é sucesso por definição.
Só, talvez, você não perceba.

Eu falo disso com conhecimento de causa, ensinado por 22 anos de vitória sobre a depressão.

Este texto não é sobre a minha experiência com a depressão diretamente, mas como a concepção de “vitória” na frase acima, como definição de sucesso, é própria, um conceito para o qual tenho a propriedade.

E, aqui, evidencio o ponto mais importante: tomar para si através do autoconhecimento a propriedade de definições como vitória, fracasso, sucesso.

Já parou pra pensar que, de certo modo, todo ser humano é um ratinho correndo em um vídeo do genial Steve Cutts?

O que nos motiva a correr são as definições externas como no vídeo.

Estamos falando de uma indústria de 50 bilhões de dólares no mundo. Isto se consideramos apenas o lado da autoajuda.

Se tornarmos a questão mais abrangente e considerarmos todas as situações onde perseguimos uma definição externa de sucesso em um contexto de terceiros, temos 99% de todas as situações motivacionais do mundo que envolvem trabalho e falo isso só para provocar.

Sim, eu acho que aquilo que consideramos ser sucesso tem influência máxima em nossa felicidade.

Se eu abro mão de definir sucesso em favor daquilo que definem para mim, estou abrindo mão de um poder enorme.

Caramba… como fiz isso ao longo dos anos e como isso influenciou meu bem-estar.

Percebe o poder abnegado em favor do reconhecimento?

Se o sucesso é definido por um terceiro, entidade, organização, grupo ou pessoa e isso faz você ir na direção planejada (por eles) ou comportar-se de uma forma determinada, por que você acha que chegará e manterá um dia o “sucesso”, se isso mantém você sendo manipulado na direção desejada pelos outros? Pode acontecer? É claro! E certamente mudará.

Surpreso como a definição de sucesso externa é alterada à medida em que alcança seus objetivos?

Um alvo móvel e inalcancável.

Se a sua definição de sucesso é continuar a subir a escada dos outros, tá tudo bem. Se é um destino específico dos outros, não tá tudo bem assim.

Sim, chegamos ao cerne da questão: permitimos o sucesso como definição externa para também permitirmos o eventual julgamento social de nós mesmos como seres de potencial sucesso terceirizado.

Isso é insano.

Só reconhecemos como sucesso aquilo exercido pelo agente que julga, usando critérios externos de sucesso.

Só gostamos do sucesso quando há aplauso?

Eu acabei com essa concepção na época em que gravei esse vídeo para o YouTube mais de 2 anos atrás.

Colocar definições de sucesso, fracasso, vitória ou derrota no exercício  potencial de aplausos coloca todo o poder sobre nossa felicidade nas mãos dos outros.

Não permito mais essa terceirização. Não permito mais a propriedade do *meu* sucesso nas mãos de quem nem me conhece.

Quer me julgar?

Fod@-s3.

Ser aplaudido é bom. Mas acordar pela manhã sentindo-se bem sem depender de ninguém, não tem preço.

E, se para isso, precisar revisitar minhas próprias definições existenciais, respeitadas algumas convenções sociais e culturais importantes, que seja.

Se eu precisar criar uma régua para medir minha própria existência no sentido de ser mais feliz, criarei.

Só não deixarei mais essa régua nas mãos de ninguém.

Apropriei-me.

Convido-o a apropriar-se.

Como seres sociais que somos, quer saber o que traz mais realização?

Reconhecer as réguas alheias. Compartilhá-las com aceitação e respeito.

Mas isso é tema para outro ensaio.


Fonte da imagem: https://www.appalachianaxeworksshop.com/listing/738468854/vintage-folding-ruler-stanley-sweetheart

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Sobre Jornada, Destinos, Falhas e Arrependimentos

Sabe… Eu tenho 47 anos no momento.

Exercitei-me valeeendo por mais de 15 desses 47.

Mesmo assim, cheguei à obesidade, emagreci e recuperei algum peso.

Durante o tempo em que me exercitei seriamente, até recentemente, foquei nos resultados, como se treinar fosse um objetivo a ser alcançado.

Ficar saradão, no shape, trincado… Quanto menos porcentagem de gordura, melhor. Primeiro 20, depois 15, 10, 8.

Mas eu não chegava lá.

Aliás, cheguei várias vezes, mas nunca era o suficiente.

Eu comecei e parei várias vezes. Não era prazeroso.

A última, foi em dezembro de 2018, depois de 12 anos treinando praticamente todos os dias (confesso, no último ano farrapava mais).

Mês passado voltei a me exercitar e a treinar pesado.

Sabe do que me dei conta?

Não é apenas sobre o resultado.

É sobre a jornada.

Com sucesso, felicidade e realização é a mesma coisa.

Será por isso que antes, ir à academia era um desafio, um esforço e às vezes uma dor, enquanto hoje, é o que me faz sair mais rápido da cama às 4:20?

Então, quero colocar uma treta para vocês.

E, antes de fazer isso, definamos algumas questões.

Primeiro, vivemos em uma sociedade onde as delimitações de sucesso, felicidade e realização são como destinos a serem alcançados.

Imaginem uma prateleira e, lá, caixinhas para cada uma dessas coisas. Objetos brilhantes que nos excitam.

Uma casa, um carro, um homem ou mulher, uma bolsa, uma jóia… até status.

As narrativas desaparecem em favor de momentos estanque e voláteis para a roda girar mais rápido.

É tudo tão… líquido.

Isso é intencional e atende a uma agenda, que cria uma cenoura para você perseguir.

Quem controla o objeto do seu desejo, controla você.

Quem desperta em você o desejo por algo externo, controlado pela mesma entidade, também.

Essa cenoura parece ser o que desejamos, mas é o que uma ou mais entidades externas querem e… convencer você de que “é a mesma coisa” é uma das grandes armas de manipulação desse sistema.

Terminamos acreditando fielmente que essas definições são nossas próprias concepções de felicidade, sucesso ou realização.

Dor e desejo fazem o homem se movimentar. E nada como provocar ambos para se obter o que é planejado, movimento na direção da manipulação.

Mostram a dor, apontam para ela e fazem você sentir vergonha… Despertam o desejo e criam o movimento de afastar-se do indesejado em direção ao cobiçado.

Uma reta que alinha os dois, gerando movimento no sentido da dor para o desejo.

A cenoura perfeita.

Aceitamos isso de boas, porque dá um barato… O consumo é um exemplo clássico dessa mecânica.

Vícios também.

Aliás, como essas definições nos são entregues e estão atreladas ao desejo e ao prazer, ninguém questiona, porque faz sentido.

Apropriamo-nos dessa idealização. Percebemos como nosso.

Só faz, só corre, só persegue… E somos controlados através desses mecanismos.

E esse “corre” é tão absurdo, tão frenético que ninguém para… Ninguém olha para si, para dentro e descobre suas próprias definições.

Segundo, não existe ser humano perfeito. Todos os seres humanos, para começarem a errar e a falhar, bastam nascer.

Não entrarei no mérito de imputar responsabilidade ou culpa… A questão é que a imperfeição traz, obrigatoriamente, aquilo que reconhecemos como erro e falha.

Não existe a possiblidade de ser diferente disso.

O conceito social de imperfeição não só é ligado ao errar e ao falhar; são a mesma coisa.

Mas errar e falhar podem ser percebidos não como imperfeição, mas como algo inato da evolução.

E, se do nascimento à morte, vem a certeza de que teremos uma jornada repleta de erros e falhas, como podemos estabelecer um critério de felicidade, sucesso e realização que é um destino?

Se pensarmos sobre a existência humana, o único destino absoluto é a finitude, deixar de existir… Morrer.

Já pensou que nesse corre para o sucesso, vamos cada vez mais rápido em direção ao fim e desprezamos a caminhada?

Aqui, entram as crenças individuais de continuidade pós morte do corpo físico… Mas deixo cada um com suas crenças.

Terceiro, se para o ser humano a perfeição é inalcançável, errar e falhar é uma constante de existir.

Colocados esses pontos, lá vem a treta:

Se é impossível para o ser humano ser perfeito, por que insistimos em colocar o erro, a falha e o arrependimento como vergonhas, coisas que fazem parte da nossa natureza?

Por que insistimos em colocar a obtenção do sucesso e da felicidade como um destino definido pelo externo, contrariando aquilo que vai dentro da gente?

E olha, nem falei sobre arrependimento ainda… Mas falarei agora.

Durante anos, ouvi muita gente próxima encher o peito para falar que não se arrepende de nada do que fez na vida.

Eu aceitei isso como verdade por muito tempo.

Então resolvi dedicar uns 2 neurônios à questão e cheguei a uma opinião completamente contrária.

Olho para o meu passado e lembro de inúmeras situações das quais me arrependo.

E quando eu tenho essa sensação de arrependimento, é muito no sentido de que eu percebo o mundo hoje diferente do que percebia na época…

E essa sensação não é negativa.

Arrepender-se (4) não só é um ato de coragem: é coroar a própria evolução com aprendizado e fazer alguma coisa no sentido de corrigir as cagadas feitas.

Houve aprendizado (1), crescimento (2) e acho que evolução (3)… E essa sensação não seria possível sem os três.

Eu não consigo ver uma realidade onde os quatro não estejam associados… E, quando isso acontece, arrepender-se vira troféu.

Eu não consigo perceber como alguém cresce, evolui, desenvolve-se e não se arrepende de nada.

Na minha cabeça, as únicas formas de alguém olhar para o passado e não se arrepender são…

Não errou, não falhou ou não aprendeu e não cresceu.

Não tem como ser diferente e as duas primeiras opções não existem para quem é ser humano.

Ou seja: quem não se arrepende de nada… Errou sim, falhou sim, machucou sim outras pessoas, mas não reconhece isso.

Negação ou desconhecimento de si.

Fale-me mais então alecrim dourado, como passou pela vida, como ser imperfeito e acredita que nada poderia ser melhor ou diferente.

Que não machucou ninguém, que não pisou na bola nenhuma única vez.

Eu vou parar por aqui porque o texto não é uma determinação de caminho, mas apenas um estímulo.

Pense: se você vive em um contexto de grupo social onde errar e falhar é uma vergonha, será que esse contexto faz bem a você?

Proponho pararmos de reconhecer o erro, a falha e o arrependimento como vergonhas… E passarmos a vê-los como parte do nosso mecanismo de evolução.

E essa ideia não é minha, Brené Brown fala isso há mais de 10 anos.

Ah, mas Romulo, tem situações que errar ou falhar pode significar a morte para um monte de gente!

Sim! É por isso que existem processos e redundância… para quando as consequências de falhar e errar não são opções aceitáveis.

Parafraseando Nassim Nicholas Taleb, se um sistema não contempla a falha ou o erro humano, ele está condenado ao fracasso.

Nada que evolui retorna ao estado original. Se houve mudança, há diferença. Se há diferença, não é resiliência que busca.

Um sistema que almeja a resiliência, não evolui.


 

Para saber mais:

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Se a Existência É um Exercício de Ações, O que Vem Antes?

Ao olhar, escolha a beleza;
Ao sentir, escolha a compreensão;
Ao tocar, escolha o carinho;
Ao agir, escolha a responsabilidade.

O olhar é uma idealização.
Por mais que reconheça o ambiente à volta, quando o consciente sequer se dá conta do que aconteceu, houve julgamento, inclusive da beleza. Houve interpretação. Há o consciente. Isso te conforta ou te reprime?

O sentir é uma revelação.
Das reações mais rápidas que temos, precedendo até a consciência, as emoções podem ser colocadas como interpretações neurofisiológicas do corpo… aproximando-nos daquilo que nos agrada e nos afastando daquilo que nos ameaça. A questão é que raramente sabemos quando é uma coisa ou outra, simplesmente porque falta compreensão. Algo é sempre exposto, raramente compreendido e quase nunca aceito. Nada de controle. Aliás, há um sem número de interpretações que nos são entregues. Cadê as SUAS?

O tocar é uma troca.
Se é troca com qualquer outro ser, que seja uma acomodação e não um afastamento. Que seja acolhimento ao invés de repreensão. Que seja comunhão e não negociação.

O agir é uma consequência.
O agir é um exercício de um instantâneo de quem somos, de uma identidade congelada momentaneamente no espaço versus tempo. Mas a identidade é um acúmulo de aprendizados, de experiências, de formas de olhar, sentir e tocar, SEMPRE um olhar para o passado. Portanto, por mais que a bagagem leve a um desfiladeiro ou ao outro, que o movimento seja entendido de forma sistêmica, exercido considerando a existência do próximo.

Eu escrevi uma versão das proposições do início desse texto exatamente 3 anos atrás.

Fiz uma pequena correção.

Vamos à segunda parte, 3 anos depois:

Achava que o sentir era passível de controle.

Enganei-me categoricamente.

Aprendi que ele ensina.

Aprendi outra coisa também: que o “escolher” não determina a nossa existência.

Leia novamente, é isso mesmo.

Quem dera ser tão simples. Quem dera os rumos do Universo dependerem daquilo colocado à nossa frente e da nossa egóica escolha.

O Universo depende muito mais daquilo que criamos, dos rumos não idealizados e que passam a ser, como criação. Criamos o que nos cerca incluindo o Universo e sequer entendemos isso.

O Universo não quer isso de nós. Ele nada quer apesar do conforto da ideia; ele desenvolve-se a partir da interação daquilo que é passível de existir.

O Universo, como a maioria das pessoas idealiza, é um conceito completamente egocêntrico: um exercício de si próprio para confortar a si mesmo. é uma projeção.

O novo, a adaptação, o inconveniente, a habilidade única dos seres humanos de moldar o caos são as nossas “Dádivas”.

Mas e o propósito, o destino e tantas outas crenças que carrego comigo de que há um caminho que traz um conforto tão agradável?

É meu caro… é exatamente esse o ponto.

A cada passo dado com os pés, as mãos criam o tijolo e a nossa existência o põe à nossa frente… talvez irremediavelmente aonde o pé quer repousar, mas isso nos arbitra.

Que atire o tijolo em alguém à frente, que faça uma morada, que mastigue-o, guarde-o ou venda-o.

Não ansiaste por liberdade?

Então, quando depara-te com ela, questiona-te ser responsabilidade demais?

Ah, o conforto do futuro revelado. O conforto da existência determinada.

Cuidado com a idealização entregue a ti e… eventuais consequências do que deseja a partir daí.

Aliás, pensando bem… abraça-te.

E, ao fazê-lo, senta-te comigo para este banquete de consequências.

Mas até isso será diferente.

Não uma analogia de opostos ou relatos, de plantar e colher, uma relação previsível de erva daninha e morte ou de fruto e colheita. Isso é tão ingênuo.

Não.

Senta-te comigo no banquete do imprevisível, no banquete da ausência de ingenuidade, do vitimismo ou da falácia meritocrática.

Senta-te e saboreia.

Isso te conforta ou te condena?

Quero o sabor; não o conforto ou a condenação do meu próprio julgamento.

E você?


Imagem retirada da fonte a seguir: https://www.depotbassam.com/2012/04/wall-mounted-double-pendulum-for.html
Motivação: movimento caótico de pêndulos duplos.

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Transparência

Não existe transparência absoluta.

O universo não é binário.

Se você acha que é, reveja seus conceitos, talvez a sua existência.

Aí você se pergunta: qual a relação entre transparência e um mundo binário?

Sim, este será um texto potencialmente agressivo.

Pronto?

Vamos lá.

Começando por certo e errado.

Existem?

Salvas algumas concepções legais, morais, éticas e talvez patológicas, certo e errado são conceitos egocêntricos, muitas vezes um exercício de identidade.

Ou temos o conceito do que é uma coisa ou outra a partir das nossas próprias experiências ou de uma média social tirada a partir da existência individual exercida nos grupos aos quais pertencemos (política surge daqui).

E temos orgulho de pertencer, o que volta a questão ao exercício egocêntrico.

Aqui, entramos no conceito de poder.

O certo ou o errado assumem a média influenciada pelo conjunto de indivíduos que meramente concordam entre si e exercem maior poder sobre o restante e termina virando a média.

Com verdade ou mentira pode acontecer a mesma coisa.

Consegue pensar em alguns outros exemplos?

Certamente conseguimos… mas agora abordaremos o conceito por outro ângulo.

A gente fala de transparência praticamente todos os dias como uma virtude a ser perseguida.

E pode ser.

Mas pode também não ser.

Primeiro, entendamos que transparência absoluta por definição não acomoda conteúdo, método, intenção, ou qualquer outro artifício que, minimamente seja capaz de interagir com a percepção do que há por trás dela.

Mas ignoramos isso e usamos ao nosso favor.

Imagine, como se fosse possível, algo tão totalmente transparente que permite ver a tudo através, sem nenhuma interação com o meio. Total percepção do que está por trás, sem nenhuma interação, mudança ou consideração.

Diga-me então, como ser humano e consciente, um único exemplo onde isso acontece.

Não há.

A definição de ser humano não deixa.

A percepção de transparência cognoscitiva nada mais é do que, no máximo, uma metáfora argumentativa.

Uma figura de estilo, um vazio de evidências repleto de valores inatingíveis, o máximo que se consegue, dentro do paradigma existencial daquele ser.

E, para parafrasear no sentido de apoiar essa percepção, remeto-me ao início da argumentação.

Nada é binário.

Entre qualquer extremo idealizado pela nossa capacidade imaginativa e para o abstrato, existe um sem número de conceitos exercidos infinitamente.

Não há transparência em nada que não tem a capacidade de ser absoluto e, nada é absoluto.

Ainda, mapa não é território. Para saber mais, clique aqui.

Não existem nuances em algo transparente.

Não há espaço para percepções e individualidades na transparência compartilhada.

Não há espaço para “nós” como grupo em um conceito pristino de transparência porque a identidade individual desaparece. O “nós” surge como identidade irremediável, obliterando a individualidade e a percepção de grupo vira uma amálgama existencial onde não há fronteiras entre ser como “único” e ser como “transparente”.

Um fenômeno como esse atualmente acontece com as redes sociais. O algoritmo pasteuriza existências.

Ou não há exercício de uma suposta transparência possível e o conceito que nos cabe é puro eufemismo… ou não aceitamos que a forma com a qual sentimos o mundo não permite uma transparência compartilhada… no primeiro caso uma falácia e no segundo, suicídio.

Não se trata de um exercício individual, mas de uma característica situacional ou de estado compartilhado inalcançável.

Então, se qualquer ser humano consegue entender o conceito de transparência e não consegue exercê-lo compartilhadamente, pela ausência de uma simples característica de capacidade existencial, reafirmo: transparência nada mais é do que uma propriedade idealizada e uma figura de estilo.

Então, sugiro pararmos de sermos hipócritas e partamos do princípio da sua inexistência.

Partamos do princípio de que, como seres imperfeitos e dados a nuances e vieses, transparência pode ser inalcançável, mas o entendimento do outro pode levar a mais descobertas do que a vã tentativa de concretizar algo inexistente.

Nosso exercício de entendimento mútuo, incluindo mapas, territórios, emoções, experiências, nuances e vieses, leva a resultados muitos mais acolhedores do que tentar flexionar um músculo que não existe.

Posso ter viajado muito no texto acima, mas ofereci uma saída rápida para a questão.

Leia esse texto aqui.

Leu?

Então.

Afirmamos para tudo e todos, inclusive para nós mesmos, que as lentes são a transparência que desejamos e possuímos, mas estamos falando de lentes e… desejos.

Elas não são e nunca serão totalmente transparentes. Elas modificam o mundo percebido à todo o momento e é exatamente por isso que percebemos que elas existem.

Se percebemos, o conceito de transparência rui.

Sugiro menos transparência e mais exercício existencial.

Eu prefiro entender uma janela repleta de orvalho. Há toda uma beleza aqui.

Ela me representa, ao invés de um mundo onde não haja considerações morais e éticas.

Cada gota pode ser uma inspiração, cada distorção, um universo.


Leitura adicional:

Observação:

Escrevo há anos sobre diversos temas e tomo o cuidado de conectar palavras-chave em cada texto meu com textos anteriores que contextualizam aquela percepção específica. Convido-o a clicar em cada link, ler os textos adicionais e perceber este blog como uma argumentação contínua, uma evolução de pensamento.

Se encontrar alguma contradição, ela é bem-vinda. Significa que houve mudança.


Imagem em destaque por Aleksandr Slobodianyk
https://www.pexels.com/pt-br/@aleksandr-slobodianyk-367235/
https://www.pexels.com/pt-br/foto/janela-de-vidro-transparente-com-efeito-umido-989941/

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Modo de Sobrevivência

Em todas as crises de depressão que eu tive, exceto a primeira em 2001, ao ensaiar uma saída da situação, idealizei uma estratégia de dar um passo de cada vez.

Funcionou.

Comecei a construir minha carreira profissional em 1991 como estagiário e em 1996 no primeiro emprego na área de TI.

De 1996 para cá, reconstruí a carreira 2 vezes e estou na terceira.

Financeiramente, estou na segunda reconstrução.

Não estou falando isso pra você ter pena de mim. Não estou colocando esse relato aqui para posicionar-me como vítima, mas para fazer um alerta:

O modo de sobrevivência.

Existe algo em comum a todas essas situações.

Tanto para sair das crises de depressão, quanto para reconstruir a carreira e, principalmente, lidar com as dificuldades financeiras, tracei objetivos próximos, factíveis, visíveis e tangíveis, por menor que sejam.

Passos tão pequenos quanto levantar da cama, tomar um banho, escovar os dentes ou chegar ao fim do dia.

Pequenos para quem?

Para o âmbito aquisitivo / financeiro, reduzir os gastos ao mínimo possível para evitar ao máximo qualquer dívida.

Aí, em um mundo consumista onde tudo é uma oferta e uma relação de troca financeira e de consumo, percebi-me sem poder escutar música, ver uma série ou um filme. Ler um livro.

Cheguei ao ponto de não ter condições de tomar um café com um amigo, um coco na praia, ir a um cinema ou encontrar quem quer que seja em um local comercial.

Tudo reduzido ao mínimo e você percebe que as suas possibilidades de interação social e diversão simplesmente desaparecem.

Perspectiva de curto prazo tão imediato quanto chegar à noite. Ter o que comer, hoje.

Tem gente pior? É claro que tem. Somos quase 8 bilhões de pessoas no planeta é há muita exploração e desigualdade.

Mas devo pautar a minha existência pela existência dos outros?

Achar que sim é muita ingenuidade e julgamento.

Deixa eu tomar conta da minha vida primeiro.

Foi quando dei-me conta de que entrei em modo de sobrevivência no início de 2020 ao perder o emprego.

Voltei a trabalhar mais de um ano depois, mas ainda estou em modo de sobrevivência.

A minha visão ficou hiper focada em sobreviver ao dia. Em chegar no fim dele, dormir e acordar no dia seguinte.

Quando abro os olhos, o pensamento é: faça o necessário para chegar ao sono, à noite. Amanhã será outro dia, aí você pensa novamente como conseguirá.

Isso permeia toda a minha vida e tudo o que faço e penso, hoje.

Será que REALMENTE precisa ser assim?

Cortei no osso a minha existência, a minha diversão, as minhas possibilidades para sobreviver.

Foi uma estratégia útil em algum momento, mas ela não é duradoura. Não deveria ser.

Sobrevivência NÃO É VIVER.

Eu QUERO sair do modo de sobrevivência.

Só não sei como, ainda.

Ele pode ser necessário em algum momento, mas devemos ter muito cuidado para não transformarmos a nossa existência em sobrevivência o tempo todo.

Qualquer ser humano tem o direito de viver sem se sentir ameaçado o TEMPO TODO. Eu estou cansado de me sentir assim.

Não se sinta culpado por buscar o desejo e o prazer.

Esse é o alerta.

Talvez a caixa onde esteja hoje seja pequena para você.

Talvez a caixa seja você, construída por você e suas atuais crenças.

Talvez a caixa seja construída por aquilo que crê ser impossível.

Talvez a diferença entre o modo de sobrevivência e viver seja a nossa perspectiva.

Quem serei eu, afinal?


Imagem original do post, Shelby L. Bell:
https://www.flickr.com/photos/vwcampin/with/41220546524/

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A Falácia da Constância

Descarte.

Isso é o que fazemos com os copos de plástico (e não deveríamos), após beber café.

É aquilo que fazemos com as pessoas que não demonstram comportamentos e resultados constantes ou regulares.

E tudo muda. Aliás, cito o paradoxo da certeza: a única certeza (ou constante) é a mudança.

Olhe à sua volta. Perceba o comportamento das pessoas, das coisas da natureza, de tudo.

Do universo que nos cerca, dessa realidade objetiva ou interpretada de ideias e conceitos abstratos.

Tudo o que nos envolve e nos inclui existe sob ciclos.

Não há exceção.

O desejo, a pulsão, os dias, as noites… os animais, as plantas, a vida e o gerar dela, tudo, absolutamente tudo possui o seu próprio ciclo, com a sua própria frequência. Dê tempo suficiente e o ciclo aparecerá.

Agora, considerando um contexto universal como esse, como nós, seres humanos, cobramos das pessoas um comportamento regular?

Como nós, seres humanos, exigimos e recomendamos um sucesso atingido através da constância?

Haja hipocrisia.

A mecânica aqui presente é vil e totalmente clara.

Cada indivíduo vive o seu momento único, uma combinação de quase infinitos fatores que levam cada um de nós a experimentar um maior ou menor nível de potência de agir, em um dado momento.

Se tirarmos um instantâneo, um extrato em imagem ultra rápida do estado imediato de toda a humanidade neste exato momento, veremos quase 8 bilhões de pessoas em uma jornada com características singulares.

Veremos na merda quem ontem gozava da felicidade.

Veremos alguém no ápice que, outrora, chorava o fracasso.

E, aqui, entra a estratégia do descarte.

Traça-se um objetivo qualquer. Associa-se a esse objetivo um conjunto de recursos dos mais diversos, materiais e humanos.

Se algum dos elementos usados não estiver dentro de uma estreita margem de performance ou atendendo ao esperado, substitui-se por outro que esteja em um momento mais “adequado”, incluindo o próprio fator humano.

As equações relacionadas às estratégias de busca por metas e objetivos não contemplam os ciclos naturais da existência de qualquer coisa, muito menos da existência humana.

Não há espaço para respirar (outro ciclo, deste da qual a nossa vida e existência dependem).

Define-se então a falácia da constância.

Prega-se um comportamento regular, uma entrega cadenciada como qualidade a ser alcançada, mas que, no fundo, é impossível.

Não é que a equação apenas não acomode a existência humana: ela a descarta, à medida em que o elemento que foge ao ideal inalcançável é meramente substituído por outro elemento em um momento distinto (e mais favorável) do instantâneo social.

Revolta-me a ânsia hipócrita por regularidade em uma existência totalmente inconstante, variável e natural.

Perceba o sucesso como uma estrada repleta de fracassos, erros, falhas e correções de rumo. E o fato de ser assim permite-nos a adaptação, a superação e a evolução.

Revolta-me escolhermos apenas os sucessos no instantâneo da vida.

Como diria Mlodinow, somos bêbados a caminhar e, como embriagados, achamos que não houve exagero.

Como diria Nassim Nicholas Taleb, equações que não contemplam a falha e a correção de rumo não são duradouras.

Como digo, sistemas que exigem constância dos seres humanos (ou de quaisquer outros elementos) e não contemplam os ciclos da natureza, são falhos e não resilientes por definição. São utilitaristas, de curto prazo e não resistem ao tempo.

Precisamos normalizar equações de felicidade e sucesso que admitem a inconstância, a inclusão e descartam o descarte.

Que admitam a existência humana.


A imagem em destaque no cabeçalho é uma alusão à velocidade da luz no vácuo. Limite de velocidade do universo e uma constante universal (C).

Origem da Imagem:
https://www.publicdomainpictures.net/en/view-image.php?image=96602&picture=light-painting-abstract

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Pensamentos Com Vida Própria Sociedade

O Abismo

É fácil entender o digital como um abismo entre as pessoas.

Um abismo bem real e sem fundo.

Eu explicarei.

No âmbito do convívio interpessoal e físico, existe uma associação bem próxima entre o exercício do ser e a representação deste ser, através dos nossos sentidos.

Imagine uma pessoa à sua frente: dependendo de quão próximo fisicamente esteja, você tem a capacidade de vê-la, ouvi-la, cheirá-la e, em um intuito meramente ilustrativo, pode lambê-la. De fato, dá até para exercer outras percepções consideradas de maior intimidade, como um abraço, um beijo, sexo.

Mas antes que qualquer uma dessas coisas ocorra, aquele animal à sua frente representa um ser humano e à ele, você atribui as mesmas características do grupo “ser humano” que possui representadas dentro de si. Talvez até atribua algumas características suas afinal, como ser humano.

Nada mais, nada menos, exceto se já influenciado por outras pessoas.

Nenhuma dessas representações extraídas diretamente dos seus sentidos depende da intelectualização ou da racionalização, apenas um puro exercício da interpretação do que vê, ouve, cheira ou toca (ou lambe).

Até o sentimento eventualmente desperto por uma história à você contada, neste caso padece de uma interpretação.

A partir do momento em que a pessoa age no plano concreto e material, através de ações fisicamente dispostas, incluindo a comunicação… vamos, ao longo do tempo, construindo mais percepções para o indivíduo além dos sentidos, que acabam associadas ao nosso conceito de identidade para este indivíduo em específico.

Aliás, quanto mais experimentamos estes exercícios individuais ao longo do tempo, desenvolvemos percepções não tangíveis e abstratas, o que inclui invariavelmente emoções e sentimentos.

Acabamos por construir uma identidade para este ser humano, uma identidade profundamente influenciada pela nossa própria capacidade e habilidade de perceber qualquer coisa.

Não ausente de ironia, experimentar o exercício de ser de alguém provoca emoções e sentimentos em nós que nos distanciam cada vez mais da realidade objetiva de quem o sujeito é.

E, como seres volúveis que somos, também permitimos que essa identidade do outro seja influenciada pela representação de outras pessoas que, por sua vez, foram tão influenciadas pelas experiências e percepções alheias quanto as suas.

Isso acontece com todos nós.

Tanto criamos essas representações quanto criam representações de nós.

Quanto mais distantes do exercício físico de ser do próximo, mais distantes estamos de quem ele é. Como costumo dizer, a identidade é um alvo móvel, um processo de constante atualização de expectativas.

Percebe agora onde o abismo surge?

No âmbito digital, estamos separados por quilômetros de fios, fibras óticas e impulsos elétricos.

Como se não bastasse, a representação de uma identidade no meio digital é uma construção realizada pelo idealizador daquela identidade.

Essa idealização pode ser construída com a intenção de ser a mais próxima da realidade, mas como alter ego, é natural que exclua eventualmente aquilo disposto como indesejável.

Isso é da natureza humana.

E olha, aqui estamos falando daqueles que intencionalmente desejam construir uma representação meramente fiel de identidade.

A minoria.

A maioria hoje em dia produz representações de ideais de perfeição: ou desejadas ou argumentativas no intuito de convencê-lo de algo e, numa sociedade de consumo, comumente para realizar uma venda (seja da imagem, de um produto ou serviço).

Agora, considere o nosso cenário ideal de menor distância entre o alter ego da representação digital de alguém para quem é, de fato. Entre uma existência e outra existem inúmeras mediações.

Para explicar o que ocorre tecnicamente pelo termo “mediação”, preciso usar uma metáfora simples.

Óculos.

Mas óculos especiais: eles são mandatórios; não há como removê-los e as lentes não são escolhidas por você, mas por uma entidade que você não conhece e não controla.

Essa entidade tem o poder de mudar as lentes dos seus óculos de acordo com os interesses dela.

Se a entidade deseja que você perceba o mundo como desfocado, ela muda as lentes para embaçadas. Se quer que veja “noite”, ela escurece as lentes. Um dia nublado ou ensolarado? Fácil.

E a distância existencial entre identidades só aumenta.

E, que fique claro, não aumenta apenas por questões de interpretação de quem se é ou das expectativas alheias. Existe um telefone sem fio entre origem e destino, uma reinterpretação dos sinais de acordo com os interesses do meio ou… mídia.

Portanto, entenda que a identidade no digital é, SEMPRE:

  • Uma construção;
  • Um argumento;
  • Uma interpretação alheia, antes da sua própria;
  • Volátil e efêmera;
  • Participativa;
  • Incompleta;
  • Uma idealização de perfeição, em algum momento;
  • Uma regra de negócio;

E, por causa desses fatores, por maior esforço que exista de quaisquer das partes envolvidas (inclusive o seu), NUNCA a realidade objetiva.

Um abismo inevitável e intransponível.

Roubando um pouco o conceito de Byung-Chul Han e dando a ele uma breve reinterpretação:

A distância física do exercício de ser do próximo interpretado diretamente dos sentidos é inversamente proporcional ao potencial para o respeito e diretamente proporcional ao potencial para o espetáculo.

A pergunta que fica, como provocação, é:

O que NÃO É espetáculo?

 


Leitura adicional:

 

Origem da imagem: https://www.israel21c.org/your-multifocal-glasses-are-all-set-for-a-revolution/

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Bucket-list: Eu Não Quero Uma Visão Utilitarista da Vida. Ou Quero?

Vi uma entrevista de Neil Patrick Harris falando que a vida é uma bucket-list… não conheço uma tradução fiel ao termo, mas é como uma lista de coisas para fazer antes de morrer.

Se por um lado acho interessante a ideia de realizar coisas legais e experimentar novas experiências, acho também que essa mentalidade atende a uma agenda consumista, utilitarista e de comparação.

Remeto-me (quase sempre) ao livro Sociedade do Cansaço, de Byung-Chul Han, fonte constante de inspiração para mim quando o tema é o sujeito de desempenho.

Esse sujeito inserido na sociedade moderna que o excita a conquistar cada vez mais através dos parâmetros de sucesso tangíveis, empoderando-o e fazendo-o crer que qualquer coisa pode ser obtida, só dependendo única e exclusivamente de si.

De fato, é um contexto existencial que associa o conceito de sucesso ao obter. Então, em um cenário como esse, uma bucket-list faz todo o sentido: ela representa a epítome do sucesso e da realização para o sujeito de desempenho.

Cuidado com essa percepção.

Quando pensamos no sucesso só como degraus de uma escada, em metas a serem atingidas, terceirizamos o sucesso, transformamos ele em uma concepção transacionável e nos incluímos no processo: nós viramos itens no mercado existencial e nem eu nem você somos os donos do mercado.

Não é mera coincidência que as redes sociais usam um mecanismo fidedigno.

Temos a coisificação dos indivíduos através dos likes, comentários e engajamento. O algoritmo mede e pesa cada identidade que se aventura a estar presente, gerando um ciclo que influencia a criação de alter egos com a intenção objetiva de aumentar a sua percepção de valor usando os critérios algorítmicos.

O que acontece com o conteúdo gerado? A mesma coisa: é fabricado com a intenção maior de gerar engajamento, curtidas, repostagens e retweets.

Assim como moldamos as nossas identidades no mundo da realidade supostamente objetiva em torno dos critérios tangíveis de sucesso, construímos representações de identidade no mundo virtual fazendo a mesma coisa.

Não é que exista uma confluência entre os dois conceitos. Eles são a mesma coisa, aplicados em esferas distintas! São o exercício da coisificação e da tangibilização da existência humana.

O prazer, a realização e a dopamina do reconhecimento e do like passam a moldar o comportamento das pessoas. Com o sucesso tangível e terceirizado é a mesma coisa.

Ficamos à mercê da opinião dos outros e o nosso comportamento acaba ditado por essas opiniões e parâmetros socialmente aceitos de sucesso.

Qual a agenda aqui? Qualquer critério de sucesso terceirizado pode ser usado para manipulá-lo. Aliás, é certamente usado.

Já parou para refletir que boa parte daquilo que considera sucesso hoje é sucesso para terceiros e você aceitou porque participa de uma barganha ou troca nessa realização?

Já falei tanto sobre esse assunto que corro o risco de me tornar repetitivo.

Então, faço uma consideração sobre a minha percepção de sucesso.

  • Sucesso já foi fechar um negócio e ser aplaudido.
  • Sucesso já foi comprar um carro.
  • Sucesso já foi tomar um vinho específico.
  • Sucesso já foi viajar…
  • Sucesso já foi conhecer Ibiza (esse foi um sucesso duplo, fruto de uma premiação por desempenho do trabalho).

Apesar do carinho por tudo que veio antes de cada uma das situações acima (e levou a elas), Lembro especialmente de:

  • Quando conclui meu livro em 2020;
    • … Quando recebi o primeiro feedback da leitura dele de alguém que me disse que… foi transformador;
  • … Quando voltei a viver em sociedade após a primeira crise de depressão, 20 anos atrás;
  • … Quando, ano passado, depois de meses de isolamento e outra crise, consegui sair de casa e caminhar na praia;
    • … Quando quebrado e isolado após 15 meses de pandemia e desemprego, recoloquei-me;
  • … Quando parei para pensar sobre os desafetos que tenho ou tive na vida… e percebo que não guardo rancor nem desejo mal a ninguém, hoje.

A primeira foi uma bucket-list. A segunda, bem… a segunda lista foi a vida acontecendo.

Olho para essas experiências e percebo que a sociedade de uma forma geral esconde os baixos e evidencia os altos.

Entendo perfeitamente o movimento… a questão é que, de tanto nos comportarmos assim, começamos a acreditar que somos super seres humanos capazes de manter alto desempenho 100% do tempo.

  • Quem promove e busca isso vai em direção à questões sérias de saúde mental, no mínimo;
  • Quem vende isso quer enganar você.

Pera…

Surgiu uma ideia aqui.

  1. Sabemos que é impossível para um ser humano entregar 100% de desempenho 100% do tempo;
  2. Sabemos que os critérios de sucesso recompensam quem tem um comportamento mais próximo disso;

Então… será que aqueles que têm sucesso são os que escondem de forma mais eficiente quando não estão em 100%?

Nossa, isso agora fez um sentido absurdo, principalmente se associarmos ao conceito amplamente exercitado (e graças ao trabalho de Brené Brown, começa a ser questionado) de que vulnerabilidade é vergonha.

A real conexão humana está através da percepção da vergonha e no compartilhar das vulnerabilidades, no reconhecimento mútuo da humanidade que habita em nós.

Eu não quero uma visão utilitarista da vida.

Quero conexão, compartilhamento e cooperação.

Parei de esconder e de me esconder.

Talvez alguém use isso contra mim eventualmente, no exercício clássico da relação vulnerabilidade vs. vergonha… mas encontro conforto em saber que o exercício é feito por alguém que tem as mesmas questões que eu.

Cansei de competir. Não sou melhor, superior ou mais evoluído do que ninguém.

Sou um ser humano que faz merda quase todo dia, arrependo-me do que fiz… e faço um esforço para corrigir o rumo.

Partindo do princípio de que somos imperfeitos, fazemos besteira o tempo todo, o quanto se arrependeu até hoje?

Eu, com orgulho afirmo que… muito.

A minha bucket-list?

Ela é atualizada com frequência e… isso significa que não persigo cegamente os itens nela.

Persigo aquilo que permite a sua criação.

Permito-me mudar.

A minha bucket-list é apenas uma consequência e ela… ela acompanha essas mudanças.

A minha existência não é pautada por aquilo que quero fazer até morrer. É pautada pelo que provoca em mim o desejo de seguir em frente, viver e ter uma lista.

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Lições

Para muitos, as lições abaixo farão sentido.

Para outros, parecerão apenas bom senso e, para alguma parcela, causarão incômodo, desconforto e talvez discordância e rejeição.

São coisas que aprendi ao longo da vida e muitas destas lições solidificaram-se nos anos recentes e, principalmente, de 2020 para cá.

Deixarei a lista aqui, mesmo assim. Será que tem coragem de ler até o fim?

Lá no final tenho uma surpresa para você, mas só vai funcionar se ler o texto antes:

Achar que o Universo nos deve alguma coisa é um dos exercícios e comportamentos mais egóicos que existem. Não somos o centro do Universo… somos menores do que grãos de areia no grande esquema das coisas;

Aprenda a separar aquilo que controla do que não controla. Aplique energia naquilo que controla;

Não existe poupança de dor e sofrimento, muito menos são moedas de investimento. Sofrer hoje não garante o futuro, do contrário o mundo seria um exemplo de igualdade e justiça. Em outras palavras, não existe mecanismo que recompense dor e sofrimento e tenho minhas dúvidas quanto ao esforço. Sim, muita coisa na vida depende de esforço, mas achar que TUDO depende de esforço torna você o peão perfeito no xadrez da vida;

Inteligência emocional não é sobre o controle das emoções. Ninguém controla as emoções. Elas são reações neurofisiológicas do nosso corpo que nos aproximam do bem-estar e nos afastam daquilo que potencialmente nos prejudica ou ameaça a nossa existência. Podemos, no máximo, aprender a reagir melhor quando elas ocorrem;

Não gerenciamos o tempo. Ele tem lastro absoluto. Gerenciamos prioridades e eventualmente, escolhas. E sim, tem muita gente na face da terra que precisa usar de 20 a 40% do seu tempo (talvez mais) em tarefas desumanas e voltadas à sobrevivência. Pense nisso;

Procrastinação é um sintoma, nunca uma causa. No momento atual de coaches afirmando que basta agir para resolver a questão, sugiro ver o vídeo e ler novamente: procrastinação é um sintoma, nunca uma causa;

Ter opções e poder escolher dentre elas não é liberdade se as opções forem previamente escolhidas para nós por alguém. Somos seres com o poder da imaginação, consciência e criatividade. Somos capazes de conceitos abstratos e de comunicá-los. Crie opções e oportunidades e não se limite as opções apresentadas;

A identidade, o eu é transitório. Quem achamos que somos e que o outro é nada mais é do que uma construção nossa que atualizamos sempre que podemos, baseado no comportamento;

E, por causa disso, criamos expectativas demais, que levam a decepções demais. Isso não é conteúdo do outro;

O que nos leva à seguinte consideração: quando sofremos uma decepção com alguém, é muito mais conteúdo nosso do que do alguém. A decepção acontece porque a identidade exercida pelo outro não condiz com as expectativas de identidade que temos para o outro. No fundo, decepcionamo-nos com nós mesmos, não com o outro. E já que falamos sobre isso, pense no conteúdo nosso que projetamos na identidade do próximo através das expectativas. Se não é capaz de enxergar ainda, tente novamente;

O “foda-se” mental, não no sentido da agressividade, xingamento ou adjetivação de alguém, mas no sentido do desapego, é terapêutico;

Por sinal, se uma conversa cai na adjetivação negativa das partes, a comunicação caminha para a direção da agressão, para o  desentendimento e não terá utilidade para ninguém. Conversas inteligentes, produtivas e altamente criativas focam nas ideias e argumentos e nunca na identidade ou autoridade;

Nada é automaticamente verdade por causa da suposta autoridade de quem diz. O ser humano faz o possível para economizar energia (pensar gasta energia), tem preguiça de pensar e mais do que gostaríamos, ignora as ideias e argumentos em si em favor dessa autoridade. Isso tem nome: viés da autoridade e é usado extensivamente nas redes sociais;

Algo que “faz sentido” não é um indicativo inequívoco de verdade. Pelo contrário, é um afago ao ego, manutenção da zona de conforto e também tem nome: viés da confirmação. Esse é especialmente perigoso;

Como seres humanos capazes de criar conceitos abstratos, conseguimos idealizar as mais belas concepções e os mais vis desejos. Entre um e outro resta a individualidade (no sentido de sermos únicos) da existência humana. É exatamente por isso que a comparação é destrutiva e potencialmente leva a obliteração de praticamente todos aqueles opostos a nós, “concorrentes“… já a cooperação é fundamental para a nossa evolução;

Todas as redes sociais, sem exceção, são uma projeção idealizada de identidade, uma imagem de um alter ego de perfeição e desejo, uma produção maquiada, filtrada e produzida;

Identidades virtuais ou alter egos nas redes sociais onde a suposta felicidade, sucesso, goodvibes, positividade, bem-estar e realização são constantes, são o perfeito exercício de uma fuga e não representam a existência humana. Não compare a sua despensa com o palco de ninguém;

Por outro lado, nem tanto, nem tão pouco. Equilíbrio é a chave. Se a positividade pode ser tóxica ao realizar uma busca insana por ela, 100% do tempo, o conteúdo que consumimos também pode ser tóxico. O nosso estado emocional é influenciado a todo o momento (as propagandas são especialistas nisso). Nem sempre conseguimos reagir da forma como planejamos, mas muitas vezes consumimos aquilo que não levará aos resultados que desejamos e não nos damos conta. Dá uma olhada nesse texto aqui;

Como disse Kierkegaard, “A raiz da infelicidade humana está na comparação”;

E essa comparação acontece de inúmeras formas, até em nosso nome. Se alguém chegar e disser que deveria estar feliz (tem a obrigação de sentir-se feliz ou não tem o direito de estar triste) porque você “tem tudo” ou tem gente na merda ou pior do que você, cuidado: isso pode ser inveja, mas certamente é julgamento, comparação e falta de empatia por parte desse alguém (nenhuma pessoa tem a capacidade nem o direito de julgar a dor de ninguém – dica: se não há compreensão, que haja silêncio). Somos mais de 7,5 bilhões de pessoas únicas, com seus próprios desafios e questões. Cuide do seu corre, agradeça pelo que tem (pois são as ferramentas e recursos que pode usar, principalmente as internas) e se tem gente na merda, ajude (o que trará bem-estar), mas não use como critério de comparação;

Você tem o direito de ficar puto, com raiva, triste, revoltado e de luto. Faz parte de ser humano. Aceite. Não caia na armadilha de reprimir emoções e sentimentos negativos, achando que a positividade (tóxica) resolverá todos os seus problemas. Não resolverá, da mesma forma que reclamar também não. Entretanto, se sente-se triste e sem energias por longos períodos de tempo (mais do que duas semanas), consulte um especialista;

Quem cuida de saúde mental primariamente são os psicólogos e psiquiatras. Este deve ser o tratamento principal e prioritário. Caso não tenha condições financeiras, procure os departamentos de psicologia e psiquiatria das universidades e faculdades em sua região. Todo e qualquer suposto tratamento fora dessa área de conhecimento pode ajudar (e muitos ajudam, de fato), mas são alternativos, coadjuvantes e secundários. Veja este vídeo;

Não há felicidade perene nem desespero ou tristeza eterna. Tudo passa. A vida é constituída de ciclos e contrastes, mesmo motivo pelo qual a representação de perfeição das redes sociais é uma falácia que leva à depressão para quem produz conteúdo e para quem consome;

Se por qualquer motivo, crença ou comportamento você pensa em alguém ou um grupo como superior, inferior, melhor, pior, mais ou menos evoluído, houve comparação. Não somos melhores ou piores, somos diferentes;

Se por causa de uma religião você deseja o mal a alguém, vai contra a própria concepção etimológica do termo, que vem de “religare“. Pesquise no Google, ouça a música “Manifesto” (Vintage Culture, Anmari, Wolfire), lendo a letra;

A cooperação da diversidade, de existências e pensamentos leva a resultados extraordinários;

Somos mais em grupo do que a soma das individualidades;

Aceitar não é igual a concordar;

É possível aprender sem necessariamente agir, mas não existe aprendizado sem mudança;

Se você não se permite questionar o que acha que sabe, pouco aprenderá;

Humildade, caridade, doação e altruísmo anunciados não são nenhuma dessas coisas. É fomento ao ego;

Vulnerabilidade não é vergonha, mas a sociedade fará você acreditar que é, porque isso atende a uma agenda de manipulação e comparação. Muitas pessoas procuram sentir-se “melhores” do que alguém agindo para “rebaixar” o próximo. Vulnerabilidade pode ser uma enorme fonte de aprendizado e força. Aliás, se não reconhece as próprias vulnerabilidades por causa da vergonha imposta por fatores externos, a jornada de autoconhecimento pode sequer ter começado;

Olhar para o passado e ter um pouco de vergonha do que fez ou pensou um dia é um excelente sinal de que hoje está melhor do que ontem. Houve evolução;

Arrepender-se é avaliar quem foi, reconhecer as merdas que fez e trabalhar para reparar. Quem não se arrepende de nada não aprendeu nada também… e a prova disso é mais simples do que imagina: não há ser humano perfeito. Se acha que não fez merda um dia com alguém, não é um ser humano (ou há uma tendência sociopata aqui);

Ninguém sabe totalmente o que está fazendo. Ninguém. Por mais autoridade, sapiência ou eloquência que a pessoa demonstre, todos estamos perdidos em algum nível, ampliando horizontes, exercitando o encontro com algo ou alguém, passíveis de falhas, erros e acertos. De fato, estamos todos fazendo o melhor que podemos, com os recursos que temos disponíveis e… é exatamente esse o motor da nossa evolução;

Propósito não precisa ser externo, muito menos entregue a nós. Isso é apenas confortável: isenta-nos da responsabilidade de olhar para dentro e descobrir quem somos. Se você procura respostas em algo ou alguém, talvez esteja evitando conhecer quem é ou tenha medo do que descobrirá. Perceba como talvez pule de galho em galho, procurando uma pílula mágica que resolva instantaneamente todas as questões, uma resposta no externo para explicar a forma como sente e age e, toda vez que não concorda ou “não faz sentido”, pula para outro galho. Não há pílula mágica. A busca mais importante é para dentro, não para fora. Busque o que habita em si, reconhecendo os vales e montanhas, os lugares claros e escuros, os monstros e os anjos. Todos são… você;

É possível encontrar sucesso, felicidade e realização dentro da gente, nas pequenas coisas e na jornada em si, não apenas no alcançar de objetivos;

Aliás, objetivos são importantes no contexto da vida, mas a jornada ensina mais do que o alcançar deles. O aprendizado da jornada permite o sucesso.

Chega de lições. Agora, encontramos o presente… e ele é uma reflexão:

Concordou ou discordou de mim em algum momento e, por causa disso, agora quer me seguir nas redes sociais ou pensou involuntariamente “que idiota”, “ridículo”, “que maluco” ou outro adjetivo? Sugiro ler este texto sobre punição e recompensa.

Sugiro ler este outro também, onde falo sobre a Pirâmide da Discordância de Graham.

Chegamos ao fim, na parte onde desconstruo tudo que foi dito aí em cima. É isso mesmo…

Quando falei em uma das lições que todos estamos de certa forma perdidos, fazendo o melhor que podemos, incluo-me no grupo.

Não há regras para a vida e as lições acima são individuais. Se você chegou até aqui achando que essas lições irremediavelmente se aplicam a você e que eu tenho as respostas, bem… você pode até sentir-se inspirado, mas a jornada é sua e as minhas palavras são apenas minhas. Também estou no trabalho de me encontrar.

Entretanto, isso não nos impede de darmos as mãos e seguirmos juntos. Podemos, inclusive, trocar ideias em busca de novas respostas. Nossas verdades podem ser diferentes, mas a interação dessa diversidade, com respeito, permite o desenvolvimento mútuo.

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Ressaca

Já bateu a ressaca? Ela eventualmente chegará.

Moral, financeira ou bastante real na figura do exagero alcoólico ou através de outras drogas lícitas ou ilícitas.

O “sextou” de toda a semana, que vira o Réveillon.

Apesar da virada do ano ser o simbolismo da renovação, tecnicamente o dia 01 de janeiro é idêntico ao dia 31 de dezembro.

Em termos de natureza, pode ser. Mas para nós, seres humanos desejantes por mudança externa, fruto de um castelo de cartas de expectativas, não é… e pouco fazemos para mudar a nós mesmos.

No momento, temos uma situação peculiar: o dia 1 de janeiro cai em um sábado… teremos o domingo de intervalo e a segunda do batente, da realidade à porta. Aliás, escancarando a porta.

Temos uma delimitação bastante clara entre o que foi e o que será em nossas mentes. Por enquanto, apenas em nossas mentes.

As redes sociais inundadas de fotos de bem-estar, fartura e felicidade, pessoas afirmando que só aceitarão goodvibes e energias positivas para o ano que começa.

O universo não precisa agradar a você.

Aliás, cada um de nós é menor do que um grão de areia, um breve suspiro no grande esquema das coisas.

Esperar que tamanha grandiosidade afague o nosso ego individualista é o maior exercício egóico que consigo imaginar.

Mas a ressaca passa também. Tudo passa.

E na segunda, tudo volta a ser como era antes e não volta apenas porque a existência é injusta.

Volta também porque atribuímos ao externo a nossa felicidade, sucesso e realização.

Atribuímos até ao externo nossa concepção de propósito. Terceirizamos os quatro, além das emoções e responsabilidades!

Queremos que o mundo mude para nós, mas poucos querem mudar para o mundo.

Então, após a ressaca passar, imagine o que pode fazer para o todo. Para o próximo.

Imagine o que pode sair de dentro de você para que você mesmo chegue aonde quer chegar.

Você pode ler até aqui e achar este texto pessimista ou negativo… pelo contrário.

Ele é a realização plena de que cada um de nós tem mais autonomia e responsabilidade do que desejamos.

Como disse Freud certa vez:

“A maioria das pessoas não quer realmente a liberdade, porque liberdade envolve responsabilidade e a maioria das pessoas tem medo da responsabilidade.”
Sigmund Freud

Então, ao encher a boca para dizer que só quer energias positivas em 2022, pense no que pode fazer a respeito. Aliás, aceite que a vida é um caminho de contrastes, de altos e baixos… que vão e vem em ciclos.

Para muitos, o primeiro minuto do ano seguinte é o início do carnaval, um ciclo que dura cerca de 2 meses e apenas após o qual o ano se inicia.

Cada dia, cada hora e cada minuto é um tempo a menos. Não espere março para viver a vida, porque ela já está sendo vivida a cada segundo, queira ou não.

E não, não é uma visão puramente utilitarista que proponho. É a realização de onde surgem em nós os elementos e recursos para que mudemos a vida no sentido daquilo que planejamos.

Sugiro que leve o tempo que quiser… mas quando o seu ano começar, não espere que haja uma reverência ao seu desejo de bem-estar, sucesso e felicidade, um conjunto de expectativas a partir dos outros.

Busque e seja a referência com ações, na medida do possível. Vamos olhar para dentro e perceber o que habita em nós.

Agora, ao invés de imaginar o ano apenas como um bebê nascendo ou 365 oportunidades, perceba o que nasce dentro de você.

O que 2022 tem pra mim? Não sei. Sei que estou olhando para dentro em busca do que eu tenho para ele.

Estes 365 dias são telas nem sempre em branco, mas eu tenho um pincel e tinta nas minhas mãos e dá pra pintar muita coisa.

Desejo a você muito mais do que felicidade, sucesso e realização.

Desejo a capacidade de adaptar-se não importa o que aconteça.

Desejo o reconhecimento da linha que separa o que controla do que não controla, da autonomia que possui ou pode buscar e a apropriação da responsabilidade advinda deste exercício de percepção.

Ao invés de pedir ao Universo que seja bonzinho com a gente, pedindo tudo do bom e do melhor e esperar que nossos desejos de bem-estar sejam atendidos, que tal agirmos ativamente neste sentido?

Pegue o seu pincel e comece agora.

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Renovação

Hoje acordei às quatro e meia como usualmente e senti algo que não costuma estar lá.

Quase dá pra pegar no ar algo diferente, uma sensação mais evidente de bem-estar.

Depois de um litro de café e de endereçar as primeiras tarefas do dia, fui à praia caminhar.

Praia vazia como é, tão cedo, junto com um mar cheio e insistente.

À cada passo em direção à água, pareço entrar em um mundo utópico e distinto.

Acaba de chover e o sol, já se fazendo presente, deixa clara a natureza da natureza, de que tudo que começa, acaba.

Areia molhada e fria, fortes sons, cheiros de sargaço e mar.

Meu olhar passeia da ponta dos dedos dos pés molhados até a linha do horizonte… quando vejo um vazio de estímulos acompanhado de um peito cheio de questões.

Os olhos mantém-se em movimento e fogem sobre o ombro… e o corpo acompanha lentamente… uma selva de pedra me encara imponente e impotente diante mais uma vez… da natureza da natureza, de que tudo que acaba, começa.

Que sensação boa, pensei.

Lembro de pouco mais de um ano atrás, ao ensaiar sair da última crise de depressão, quando o passo dado assemelhou-se ao de agora.

Então, uma ida à praia após anos, um caminhar sobre arrecifes, fortes emoções e um recomeço.

Sentir-se vivo, como hoje, a vida chegando em ciclos de altos e baixos, em ondas como as que tocam os meus pés.

Em outubro do ano passado, não queria que a sensação passasse.

Mas passou. Tudo passa.

Agora, quero o mesmo e não sei o que o futuro me reserva, mas sobra o desejo de me agarrar ao momento e não deixar passar.

Talvez a renovação, talvez o aprendizado e a aceitação sejam uma barganha.

Quem sabe a indignação, a raiva, o medo, a felicidade, a tristeza e a realização façam-se presentes.

Sejam bem-vindas.

Dissocio do momento e percebo que há algo diferente de outubro do ano passado, não importando os ciclos, as coisas que aconteceram ou a semelhança da situação.

Não houve repetição.

Não sou o mesmo. Adaptei-me. Cresci.

Talvez o dia primeiro de janeiro seja tecnicamente igual ao dia trinta e um de dezembro… mas a salutar análise do momento presente e do passado revela uma renovação acontecendo.

Deixei de ser ele para tornar-me eu, mais uma vez, pela primeira vez.

Abro os braços, emociono-me mais uma vez e começo a andar pela praia de olhos quase fechados, agradecendo pelo fim da tristeza.

Hoje… ah, hoje é diferente. percebo o sucesso.

Agora entendo, se utópico à primeira vista por preconceito, um resquício de acreditar que nada pode ser tão bom, simplesmente me permito e aceito.

Esperança, obrigado.

E se um dia não encontrá-la, lerei esse texto.

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Desculpas como Azeite Social

Temos uma prática socialmente aceita de usar desculpas longe do seu significado: como um apaziguador, como argumento para desarmar ânimos exaltados ou alterar a dinâmica de poder de uma conversa, assumindo uma postura passivo-agressiva.

Isso é muito comum.

“Desculpa se…”
“Desculpa, mas…”

NÃO SÃO desculpas… são a transferência da culpa para o interlocutor ou algo externo.

São uma expressão de que a pessoa tem dúvidas de se realmente fez algo pelo qual desculpar-se e dizem muito sobre o estado atual de quem fala que, naquele momento, não deseja ser totalmente transparente.

Se este é o caso, não peça desculpas.

Converse.

Aliás, pense sobre o que está sentido e porquê não se sente à vontade de ter uma conversa franca.

Desculpas sinceras são sobre tomar a responsabilidade pelos seus atos para si e não fazem sentido com uma condição ou dependência de algo externo.

“Desculpe-me por…”

Sem condições. Ponto.

Pensem comigo: se depende de algo externo, qual sentido há em desculpar-se por outra pessoa?

Se a culpa e a responsabilidade por algo existem, você só pode agir sobre aquilo que é seu.

Além disso, desculpas sem ações para corrigir o rumo, reparar o dano ou no sentido de não repetir a situação original não têm utilidade alguma.

Outra prática comum é pedir desculpas por uma questão de baixa autoestima.

Sim, isso acontece, principalmente se você está em uma conversa onde se sente inferior em relação aos seus interlocutores, pontuando praticamente todas as frases com um pedido de desculpas.

Neste caso, o que fazer a respeito?

Sugiro ver esse vídeo:

sindromeimpostor.oguiatardio.com

#Comunicação #Autorresponsabilidade #Metalinguagem


Crédito da imagem: unsplash.com, Luis Villasmil
@luisvillxsmil

 

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Você Sente Culpa por Chorar?

Certa vez,

Disseram-me que “olhar para cima” faz você parar de chorar instantaneamente.

Sim, funciona.

Funciona tão bem que é desconcertante.

É como colocar uma rolha.

Mas às vezes, não quero que funcione.

Repressão emocional tem consequências profundas.

Chorar é um processo.

É uma resultante de emoções preenchendo e transbordando o nosso ser.

Quem foi a infeliz alma que criou o conceito de que chorar é vergonha?

Quem foi o ser humano que idealizou as lágrimas como uma punição social?

Quando foi que idealizamos uma existência sadia sem emoções?

Quem foi o responsável por idealizar uma sociedade onde vulnerabilidade é igual a vergonha?

Nós, como sociedade, instituímos que lágrimas são uma vergonha.

Isso é doentio e destrutivo.

Emoções não só são naturais como essenciais à nossa sobrevivência.

Precisamos urgente aprender a lidar com as nossas e com as dos outros.

E “lidar” definitivamente não significa “controlar”.

Significa “aceitar”.

O maior símbolo da gravidade da enfermidade social é perceber

Que para muitos,

Chorar só é possível dentro de quatro paredes.

Isso é um absurdo.

É literalmente desumano.

Da próxima vez que você chorar

Terá o livre arbítrio de olhar para cima e fazer parar.

Terá também a chance de compreender o que está acontecendo.

E, quem sabe,

Estabelecer um vínculo com outras pessoas tão intenso

Que olhar para cima perderá o sentido.

Chorar, para mim, é libertador.

E eu não quero ninguém perto de mim

Que pense diferente.

Aqui, vai a provocação:

Inteligência emocional NÃO É CONTROLAR EMOÇÕES.

É saber lidar com elas.

Você está em um contexto onde não pode chorar?

Onde exercer emoções é uma vergonha?

Está no lugar adequado para você?

Sente-se confortável e seguro em um lugar assim?

O que você faz quando vê alguém chorando? Reprime? Julga?

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Crítica é Diferente de Senso Crítico

O emprego da palavra “crítica” e variações provoca rejeição em muita gente.

Ela é muito associada ao conceito de “criticar alguém“, numa dinâmica frequente de comparação e poder.

Ter senso crítico, permitir-se questionar a si, ideias e crenças, por outro lado, é outra coisa.

É o motor para o desenvolvimento, crescimento e evolução.

Se não há dúvida e questionamentos sadios focados na ideia, nada muda.

Então, diante de um argumento, ideia ou crença, exercite assim, perguntando-se:

  1. é infalsificável por causa da abrangência (afirmações vagas, genéricas, gerais e que não podem ser observadas)?
  2. é baseado apenas em experiências e relatos pessoais?
  3. escolhe apenas aquelas evidências que suportam a afirmação, ignorando todas as que vão contra?
  4. usa termos que parecem “científicos” (e da moda), mas não fazem sentido?
  5. há a ausência de um mecanismo que explique tomando por base o que sabemos com evidências?
  6. não muda, não se atualiza, não se corrige ou progride?
  7. faz afirmações exageradas como argumento de convencimento?
  8. fala de “prova” ou certeza absoluta?
  9. usa falácias lógicas (argumentação com erros claros)?
  10. não possui nenhuma revisão e ainda evita revisões ou questionamentos?
  11. sugere a existência de uma conspiração contrária?

Não que as questões acima comprovem ou coloquem à prova um argumento, ideia ou crença em todos os casos. Elas apenas mostram onde procurar.

E o melhor: permitem APRENDER algo novo.

Por outro lado, nem tanto, nem tão pouco. Não é minha sugestão adotarmos o ceticismo absoluto e, eventualmente, o niilismo.

A ideia é mover o foco da promoção da identidade, do ego e da autoridade para as ideias.

É lá que mora o nosso desenvolvimento.

#ficadica #SensoCrítico

Crédito da imagem: desconhecido (caso infrinja direitos autorais, favor entrar em contato para remoção)

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Sobre Adjetivos, Estereótipos, Comparação e Diversidade

Depois de expor tanto ao longo dos últimos anos sobre estereótipos, preconceito, diversidade, criatividade e comparação versus cooperação em vários conteúdos, percebi que não tenho nenhum específico e unificado sobre o tema.

Chegou a hora de reuní-los.

Como Tudo (Potencialmente) Começou

Tudo começa pelo conceito do ser humano como ser social e da sua necessidade de pertencimento.

Isso não é novo, evoluiu conosco provando ser um mecanismo de sobrevivência eficaz.

Talvez o resumo mais eficiente do assunto seja afirmar que somos como grupo mais do que a soma das partes.

Imagine existir em um mundo onde praticamente tudo pode lhe matar. O indivíduo, diante deste contexto, pode pouco. Mas descobrimos em algum momento do passado que, ao ajudarmos uns aos outros, nossas chances aumentam muito.

Tenho especial apreço por um argumento atribuído à antropóloga Margaret Mead.

Sobre o início da civilização e da cultura, a sua resposta surpreendeu muita gente:

“Qual o sinal mais antigo da civilização? Um pote de barro? Ferro? A agricultura?”

Não.

“Para ela, a evidência mais antiga de uma verdadeira civilização é um fêmur curado [um osso enorme da perna, fundamental e de difícil reparo]. Ela explica que uma cura como essa nunca foi encontrada nas reminiscências de culturas competitivas ou sociedades selvagens. Pelo contrário, nestas, pistas de violência são comuns. (…) Mas um fêmur curado mostra que alguém deve ter cuidado da pessoa ferida – caçou em seu lugar, trouxe comida e serviu ela através do seu sacrifício pessoal. Sociedades selvagens não se sujeitavam a essa “pena”.”

Mas para ser soma, o grupo precisa ser formado.

É ainda um mistério parcial o entendimento dessa mecânica por completo. Algumas evidências apontam para a influência do local ou região (proximidade regional relacionada à recursos), características físicas e adequação protocultural nos primórdios da existência dos nossos ancestrais.

Como cheguei a escrever anteriormente, tínhamos uma situação nesses primórdios onde a reunião pode ter sido influenciada pelo local e o acesso a recursos (água, alimento, abrigo), mas isso também acabou por influenciar a identidade das pessoas pertencentes ao grupo (para dois exemplos extremos, imagine as diferenças entre uma pequena sociedade de esquimós no ártico e uma de beduínos vivendo no deserto).

Natural, em um contexto desses, que grupos distintos tenham se confrontado eventualmente em busca de recursos.

A partir do momento em que isso ocorre, faz-se necessário distinguir membros de cada grupo, o que provavelmente também ocorreu através de elementos como a localização, aspectos físicos e culturais, traduzidos em comportamento, vestimentas, linguagem e tantos outros meios.

Estamos falando de uma época onde a força física e violência imperavam por pura necessidade. A capacidade de exercer domínio, assim como defender-se, atacar e caçar eram fundamentais à sobrevivência não só do indivíduo como do coletivo.

Dentro do próprio grupo, surgem as primeiras hierarquias, provavelmente definidas também pela capacidade física.

Um bom sistema de sobrevivência onde os mais fortes têm acesso primário à comida e à reprodução, enquanto os não tão fortes realizam outras tarefas em troca de proteção, alimentação e sobrevivência.

Temos então um ecossistema onde há a luta pelo poder e há o surgimento de hierarquias. Em um contexto como esse, é inevitável que tenham aparecido as primeiras situações de comparação não só entre indivíduos dentro do grupo, mas com outros grupos.

Contribui-se com o trabalho ou com a força e chega-se ao topo da hierarquia através do exercício da violência e da obliteração dos adversários.

Portanto, em uma existência pautada pelo concreto e tangível, pela sobrevivência e pela força, pertencer a um grupo que provenha mais chances de manter-se vivo é um diferencial importante tanto quanto fazer com que as chances do grupo sejam maiores.

Como sistema eficaz de sobrevivência que se destacou através da evolução do ser humano como vantagem, não é de se espantar que cerca de um milhão de anos depois, tenhamos ele como uma parte profunda de todos nós e isso tenha levado à formação das nossas civilizações.

Imaginação, Criatividade e o Intangível

Mais recentemente, surgiu a habilidade de criar conceitos complexos e abstratos usando a nossa imaginação, algo provavelmente responsável pelo surgimento de grupos cada vez maiores de seres humanos.

A partir daí, mais do que nunca, conceitos abstratos passaram a ser parte essencial nessa distinção: a adição de elementos intangíveis como ideias e concepções calçadas em crenças, para os quais atribuímos valores, capazes de separar indivíduos e grupos através de um conjunto de regras de comportamento compostas em segmentos que se transformaram em cultura. Perceba, inclusive, que existem diversos exemplos de sociedades onde o topo da hierarquia deixou de ser pautado pela força física, mas pela experiência.

Hoje, vemos facilmente uma versão disso emulada nas redes sociais: temos grupos de pessoas que defendem ideologias, políticos, expressões religiosas e espirituais, dicas de bem-estar, desenvolvimento pessoal e tantas outras tribos, não ausente de conflito por crenças contraditórias ou até opostas, totalmente associadas à identidade de quem pertence por percepção própria ou reconhecimento da tribo.

Em síntese, pertencer e comparar não é forte em nós por aleatoriedade. Foi por uma questão de sobrevivência inicialmente. Mas com a adição dos conceitos abstratos que levaram ao surgimento da cultura e da linguagem, junto com a comparação natural em favor da sobrevivência, outro elemento surge também: as primeiras relações de poder associadas ao conceito de identidade.

Byung-Chul Han descreve essa mecânica de forma exemplar em “O Que é Poder“, ao versar sobre Canneti (Canneti, Massa e Poder, 1960):

“O assassinato do outro [e da sua identidade ou parte da simbologia de sua existência] termina com a relação de poder. Entre seres humanos que se matam uns aos outros, o poder não tem lugar. Há apenas uma diferença de força física. O poder autêntico ocorre, na verdade, quando um deles, seja por medo da morte possível ou antecipando a superioridade física do oponente, se submete a este [neste caso, a identidade que arbitra agir é preservada e a relação de poder também]. Não a batalha que leva à morte daquele, mas a sua ausência [escolha de não agir face à ameaça] é o que constitui o poder em sentido autêntico.”
(itens em negrito são observações minhas).

Portanto, para preservar as relações de poder, a identidade através da existência é fundamental, bem como a comparação entre identidades. Ainda, como diz Byung-Chul Han no parágrafo anterior:

“O poder, contudo, é uma relação. Sem alter e ego não há poder.”

Não que a citação acima não seja conveniente. Ela é estratégica.

A Base do Preconceito

Quanto mais conceitos abstratos associamos ao longo dos séculos à identidade, mais possibilidades temos para o universo potencial do ego, ao ponto de, hoje, termos concepções totalmente intangíveis, como o conceito de posse associado não ao valor intrínseco, mas a uma marca ou dinheiro por exemplo (já pensou sobre como o dinheiro é uma história totalmente intangível na qual todos acreditam?), e o possuir como fator de fomento egóico.

Não podemos esquecer da autoridade (campo vastíssimo, incluindo a autoridade intelectual, religiosa ou espiritual, política, militar, social, governamental, institucional, familiar, moral, autoritária, hierárquica, tradicional ou cultural, carismática, legal e tantas outras).

A autoridade, por sinal, é um excepcional exemplo da questão associada à identidade. Um indivíduo pode se perceber uma autoridade em algum campo, mas é o reconhecimento deste mesmo indivíduo pela sociedade e outros grupos que valida a autoridade e reforça a identidade como tal (e o ego, por consequência). Quanto maior a autoridade, maior a concepção de que “sou melhor do que você ou do que um grupo” e o poder potencial.

Definitivamente, não estamos presos a estes conceitos apenas. Existem inúmeras características que supostamente definem as tribos atuais e as estipuladas regras de pertencimento, muitas vezes veladas.

Mais recentemente, temos o ápice (até o momento) da transferência egóica, a criação do alter quase perfeito. A identidade projetada nos avatares virtuais, em mídias eletrônicas como as redes sociais. Uma projeção muitas vezes calculada, uma idealização construída com a intenção fundamental de parecer “melhor” para sentir-se melhor.

A busca aqui é construir um alter constituído de uma identidade com as características mais próximas do desejo e da perfeição, com o máximo de autoridade possível, situação tão séria que há inúmeros exemplos onde há a intenção de que o alter substitua o ego. O eu externo passa a valer mais do que a existência humana. Alguns filósofos tratam da questão atualmente como uma potencial transição e fica a pergunta: não seria essa transferência um novo cenário da nossa existência? O desejo crescente e sem limites de se tornar a identidade idealizada… tornando-a realidade.

Chegamos então ao curioso caso da coisificação de todos esses aspectos intangíveis, assim como da própria identidade. Ela foi coisificada, transformada em algo transacionável (influência?) um produto à venda na prateleira social. Até o conceito de beleza foi coisificado.

Um passo antes, o que há?

Comparação, fundamentada em todos os aspectos acima.

Temos a comparação como a raiz para a busca pelo sucesso, felicidade e realização. Se há metas e objetivos, há a comparação. Ao invés de olharmos dentro de nós mesmos à procura de tais elementos, os três passaram a ser codependentes do sucesso, da felicidade e da realização dos outros. Metas a serem cumpridas, objetivos a serem alcançados.

Mais, através da comparação é possível, inclusive, a movimentação hierárquica e o exercício de instâncias de poder e dominação.

Ou influência, se preferir, para usar mais uma vez uma palavra na moda que até virou profissão.

Portanto, soma-se à percepção de pertencimento os conceitos de outrora às concepções intangíveis (transformadas em transacionáveis) atuais. Tudo aquilo que pode (e é) associado à identidade, é também usado para classificar e separar as pessoas em caixinhas estereotípicas.

Aliás, importante notar que fazemos um esforço sem igual de encaixar qualquer coisa “diferente” em uma caixinha. Existe até a própria caixinha do “diferente“. “Diferente” é percebido como não pertencente ao “meu” grupo e uma potencial ameaça.

Com elas, após a classificação estereotípica, atribuímos aos indivíduos pertencentes todas as características que nós mesmos temos para cada estereótipo, ignorando completamente a unicidade natural de cada ser humano e sem quaisquer interesses de saber mais. Um dos principais efeitos colaterais desse movimento é a adjetivação de pessoas e grupos.

Tememos o que não conhecemos. Tememos o diferente.

Surge então o preconceito como exercício de poder e superioridade. Compara-se, classifica-se, associa-se a um estereótipo, adjetiva-se negativamente e exerce-se o poder através do preconceito, como busca doente de um suposto bem-estar através do ser “mais ou “melhor” do que alguém ou um grupo, muitas vezes atuando ferozmente na desqualificação das demais identidades objeto de comparação.

Diante da estereotipação, surgem emoções básicas como nojo e desprezo. Enquanto o desprezo tem uma conotação intelectual de superioridade, o nojo tem uma base de sobrevivência (por exemplo, manter-se longe de algo que pode potencialmente envenená-lo).

E não é que o sentimento de envenenamento intelectual faz muito sentido?

No caso do preconceito, o nojo passa a ser intelectual também, baseado na representação da identidade formada para o alvo do estereótipo. Em ambos os casos, houve um aprendizado através dos grupos e sistemas aos quais se pertence (família, trabalho, comunidade são exemplos) onde o estereótipo é formado. Sim, trata-se de algo tão perigoso e difícil de combater por causa das suas origens e das emoções que desperta.

Essa comparação, que incentiva uma competição desenfreada em busca da felicidade, sucesso e realização, cria situações totalmente destrutivas e de insatisfação constante. Uma sociedade insatisfeita e coisificada, que deposita a felicidade, o sucesso e a realização em elementos externos, é uma sociedade de um consumo doentio e do cansaço, que busca na descarga de dopamina constante, a felicidade (aquisição, drogas lícitas ou ilícitas, competitividade, exercício de poder e superioridade), em busca de mais um suspiro de sobrevida, apesar da exaustão.

Entretanto, como disse em um texto anterior:

Não somos mais nem menos. Somos diferentes.

E nossa, não há poder maior para a humanidade do que a interação dessa diversidade.

Nossa realidade hoje é outra, pautada por conceitos cada vez mais complexos e que exigem um alto poder cognitivo e imaginativo.

Ao promover uma irremediável associação em grupos de pessoas com características supostamente semelhantes, o que traz o conforto do pertencimento, de poucas mudanças e o poderoso viés da confirmação, a realidade atual e o nosso futuro dependem da criatividade, da inovação e de pensar o novo rapidamente.

Eles dependem da nossa habilidade em focar nas ideias e não na identidade das pessoas ou estereótipos.

Perceba as forças contrárias em jogo aqui.

Um mecanismo inato e milenar de sobrevivência, apto a uma realidade dos nossos antepassados com pouca capacidade inventiva, versus o momento atual de altíssima necessidade e habilidade cognitiva e que exige a aceitação de diferenças em busca do novo. É como um quebra-cabeças: cada um de nós uma peça diferente e essencial à formação da imagem do final. Neste caso, não há fim. Há jornada e evolução.

Temos a ilusão advinda dos exercícios de poder do passado, através do embate dos grupos de indivíduos com características semelhantes, de que a maneira mais eficaz de obter resultados é o conflito.

Mas é exatamente o contrário: o extraordinário acontece quando as diferenças e individualidades são aceitas, permitindo a interação da diversidade de pensamentos, emoções e ideias, algo que incentiva a cooperação e não a comparação e competição.

E sim, o choque ocorre a toda hora, a todo momento.

Como podemos então migrar para uma abordagem mais sadia?

A Pirâmide ou Hierarquia da Discordância de Graham

Agora que exploramos vários conceitos fundamentais, apresento-lhes outro do qual sou fã, faz parte do meu livro e já mencionei por aqui. Tenho um vídeo que também aborda o tema.

Criada pelo investidor Paul Graham em 2008 meio que na brincadeira, ela fala sobre como argumentar na Internet. Entretanto, o conceito é muito mais poderoso e exprime muito bem quando há a aceitação ou não de ideias ou quando o processo de comparação está em exercício e, principalmente, se ele está no nível da identidade.

Pirâmide ou Hierarquia da Discordância de Graham

Devemos fazer um esforço e mirar sempre numa argumentação de melhor qualidade (no topo da pirâmide). Perceba que lá, não tocamos na identidade ou na liberdade existencial de cada um. O foco é o argumento, a ideia, a proposição.

À medida em que se caminha para a base da pirâmide, mais percebe-se a identidade do interlocutor, chegando ao ponto da comparação ser tão extrema que há a necessidade de desqualificá-lo ou eliminá-lo. Vejamos cada etapa a seguir.

Direto Ao Ponto

Focado na ideia ou conceito. É o melhor e mais rico nível de argumentação, onde há respeito mútuo e o foco é o ponto central da ideia, conceito ou argumento que foi colocado. Tem o poder de derrubar totalmente a proposição inicial. Visa completamente o conteúdo central e em nenhum momento questiona os autores, sempre fazendo referência aos pontos de discordância e fornecendo as evidências necessárias.

Focado em Erros e Trechos

Ainda focado na ideia, mínima percepção da identidade do interlocutor. Neste nível há contribuição real para os participantes e, se a contra argumentação for feita de forma eficaz, ela deve derrubar parte da proposta inicial. No entanto, como não consegue perceber (ou não aborda) o ponto central da ideia, não refuta o raciocínio original como um todo. É útil e pode ser explorada para que chegue no nível acima, basta ampliar o conhecimento acerca do argumento de partida e do seu contexto. Existe o respeito mútuo e o foco está nos argumentos.

Contra Argumentação

Existe a visão da ideia ou conceito, mas o objetivo já passa a ser contrapor a identidade do interlocutor. Oferece uma posição contrária ao argumento original ou partes, mas não foca em nenhum deles, apenas oferecendo uma justificativa pelo qual é contra. Continua existindo respeito entre as partes. Pode ter alguma utilidade, mas dificilmente se conseguirá elevar a argumentação para o nível acima, talvez por falta de compreensão do que foi dito.

Sou do Contra

Mínima visão do conceito. O foco passou a ser a identidade do outro. É quando existe uma postura contrária à questão e não se fornece nenhuma justificativa. Mesmo que não ataque o autor original, não há utilidade alguma nesse tipo de argumentação para ninguém envolvido e ele está normalmente baseado em crenças ocultas.

Focado no Tom

Não há mais nenhuma percepção da ideia ou conceito e o objeto da argumentação é a metalinguagem: a suposta incapacidade do interlocutor de expressar-se.

Ad Hominem

Foco na identidade do interlocutor e o objetivo passou a ser desqualificá-lo. Esqueça o argumento e até o assunto em questão. Aqui, ele sequer será abordado. O foco está na desqualificação do autor, atacando a sua identidade e competência.

Xingamentos

Não há mais interesse em desqualificar o interlocutor. O objetivo passou a ser obliterá-lo. No nível mais baixo de todos, o que reina é a agressividade,  a violência, a ofensa e o desrespeito, mútuo ou não. São os xingamentos, as grosserias e talvez até as agressões físicas. Adjetivos são a regra e a comparação, junto com julgamento e conflito exercem o maior poder.

A pirâmide de Graham pode ser usada como ferramenta excepcionalmente útil por cada um de nós para detectar se estamos nos relacionando com outras pessoas através da cooperação e no nível das ideias ou se estamos indo em direção à identidade e à comparação.

Há Esperança?

Há, certamente.

E a tradução dessa esperança em realidade passa pelo entendimento e pela aceitação de que não somos melhores ou piores do que ninguém. Somos diferentes.

E isso é fantástico!

Como gosto de dizer (algo que pratico no dia a dia, mas não ausente de desafio), se somos expostos a uma ideia, conceito ou concepção e adjetivamos negativamente a pessoa que nos expôs (mesmo que mentalmente), há uma evidência de que estamos caminhando para a base da pirâmide. Neste caso, há uma fuga da aceitação das diferenças e um movimento em direção ao conflito.

O que proponho é que a mudança necessária comece dentro de cada um nós. Não podemos arbitrar sobre o que o próximo pensa ou sente. Podemos, sim, fazer a nossa parte para ter um futuro de grande evolução e paz. O que nos diferencia do nosso passado é justamente aquilo que exige uma mudança de pensamento se quisermos sobreviver como humanidade com menos conflitos.

“A raiz da infelicidade humana está na comparação”
Søren Kierkegaard


Leitura adicional:

 


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O Temido Feedback

O feedback é uma ação temida pelo que ela representa para quem dá e recebe, principalmente se a razão dele existir for uma mudança, correção de rumo ou comportamental, o que frequentemente é associado à uma percepção negativa.

Além disso, é muito comum a associação do feedback com ameaças. É comum vermos feedbacks serem usados como armas de opressão ou comparação.

Isso acontece porque ele é associado à falha, erros, julgamentos e, muitas vezes, ao conflito de identidades.

Por outro lado, o feedback pode ser usado para melhorar aquilo que já funciona. O objetivo não é a perfeição, é permitir a melhora constante.

Mas antes de prosseguir, quero colocar algumas coisas que normalmente não são levadas em consideração.

Primeira: feedback é repleto de julgamento.

Impossível ter feedback sem julgamento.

Para muita gente essa afirmação vai doer. Mas é um fato.

Quem promove o feedback julgou quem vai receber, por mais “evoluída” que a pessoa se considere.

Já quem recebe julga tanto a pessoa que emite quanto a validade do que é dito na sequência, diante da sua própria percepção.

Não há como fugir disso, pois somos seres imperfeitos com as nossas próprias questões, cheios de emoções.

A pessoa mais racional que você conhece não consegue separar totalmente emoções de pensamentos e decisões.

Segundo, o processo de feedback passa por um pedido para exercê-lo e uma aceitação em recebê-lo.

Se você pretende fornecer um feedback e não está disposto a compreender o outro em seu contexto profissional, emocional e de vida, não siga em frente.

Ou o feedback dado não será útil ou seguido, ou a questão não está com que recebe: esta no emissor, ou seja, em você.

Feedback sem empatia e compreensão não funciona e NÃO É feedback.

É repreensão, vingança, ou o uso de alguém para atingir uma meta arbitrária pessoal.

Terceiro: Ah pô, eu não gosto de fulano, o trabalho dele é uma porcaria, como vou dar um feedback?

NÃO DÊ, ou ele também não será um feedback: será um exercício da sua frustração.

Entenda suas próprias emoções pela pessoa. Não dá pra focar no processo, na melhoria ou no argumento se você não gosta de alguém e… nesse caso, o problema é seu, não do alguém.

Ah, mas fulano é assim ou assado…

Não importa, a emoção e a reação são suas.

No calor de um debate onde emoções como a raiva e o medo estão afloradas por quaisquer motivos, NENHUM feedback será útil, válido ou terá resultados positivos.

O julgamento será a pauta principal e o resultado um afastamento. Quem dá oprime e quem recebe se defende.

Por mais que o julgamento seja inevitável, pergunte-se: qual o resultado esperado?

Por que partimos do princípio ingênuo de que uma crítica ou dar uma porrada é a forma mais adequada de obter o resultado desejado?

Se o objetivo do feedback é obter uma mudança positiva, estamos falando de argumentação e convencimento.

Para que ele ocorra, é necessário incentivar a abertura e a comunicação.

A instituição do medo como artifício de mudança é muito menos efetiva para o convencimento do que o acolhimento.

O medo e a ameaça provocam uma reação instintiva de sobrevivência e fechamento, mas dificilmente fazem alguém mudar de opinião.

Se a intenção é provocar movimento, medo e ameaça podem funcionar inicialmente, mas não incentivarão a mudança comportamental duradoura e ainda corre-se o risco do medo ou da ameaça ser considerada tão grande que causa a paralização.

Muitas vezes, mais até do que admitimos, reconhecer as boas características de alguém é mais do que razão não só para mudar o comportamento da pessoa como deixar de efeito colateral a motivação e o bem-estar.

Para aqueles que acreditam que apenas o resultado importa, essa e uma importante questão a considerar.

Então, qual a forma de obter o resultado desejado de um feedback?

Não acho que exista UMA forma… somos pessoas diferentes e tudo parte de ter empatia para reconhecer essas diferenças, principalmente as emocionais.

Em geral, gosto da ideia de associar qualidades e recursos à identidade e as mudanças necessárias a características transitórias.

E isso é bem mais fácil de fazer do que você imagina.

Primeiro, perceba as qualidades que a pessoa tem como recursos que ela pode usar.

Pense naquelas qualidades que ela possui para corrigir o que precisa ser corrigido.

A minha sugestão é que essas características sejam associadas à identidade de quem recebe o feedback. A forma mais fácil de fazer isso é afirmar que a pessoa É a qualidade.

Você é proativo, pontual, resiliente, comprometida, paciente, comunicativa, empática… Enfim, a qualidade associada à identidade.

A chave aqui é a afirmação: VOCÊ É.

Segundo, tudo aquilo que necessita de ajuste ou correção pode ser associado a algo passageiro.

Se há a necessidade de mais comprometimento, dedicação, pontualidade… ou qualquer outra característica ou comportamento, deixe claro que a suposta deficiência é algo momentâneo, desde quando percebeu a questão e que o fator que precisa de ajuste é um estado passageiro.

Já a chave aqui é: VOCÊ ESTÁ.

E o segredo aqui é super simples: um estado momentâneo é muito mais fácil de mudar do que uma identidade.

Ao invés de associar o desafio à pessoa, podemos colocar como uma tarefa a ser executada e que pode ser acompanhada.

Mas o nosso feedback ainda pode melhorar e existem algumas estratégias adicionais.

Um caminho interessante é, ao invés de evidenciar apenas aquilo que falta, evidencie aquilo que é necessário para alcançar o resultado.

Ao invés de apenas se afastar do que não é desejado, trace um caminho para aquilo que é.

O bom dessa estratégia é que tiramos os olhos do medo, da ameaça e da paralisia e promovemos um olhar na direção da conquista.

Outro ponto é entender que os objetivos são muitas vezes compartilhados.

E aqui, a gente volta para o início do vídeo… EMPATIA.

Se você está dando um feedback, é porque faz parte do problema ou da solução. Você faz parte do processo e provavelmente dos objetivos.

Então, aproprie-se disso.

Mas aproprie-se COM FORÇA, entenda o seu papel na questão e envolva-se.

Pensa comigo: você COMPARTILHA dos resultados ou não estaria nem aí em dar um feedback, a não ser que já tenha decidido se livrar da pessoa e esteja apenas cumprindo um roteiro.

Se esse é o caso, então sugiro avaliar que conteúdo seu, que está dentro de você, levou a essa decisão e qual a sua participação nesse resultado.

Sugiro também evitar terceirizar responsabilidades e perceber-se como parte fundamental para a obtenção dos objetivos esperados.

E se é assim, por que não idealizar uma saída em conjunto?

Por que não dar uma mão de apoio e ajudar? Por que não entender que tem muito mais participação do que apenas o feedback em si?

Muita gente acha que feedback é isenção de responsabilidade.

Mas é exatamente o contrário. Feedback deve ser recíproco.

Em culturas altamente competitivas e tóxicas, o feedback é um instrumento de comparação e movimentação hierárquica.

Em culturas de apoio e suporte, o feedback tem uma tendência natural de ser construtivo.

Lembre-se:

Feedback é participação, compreensão e cooperação.


Conteúdo adicional:

How To Give and Receive Feedback Effectively
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5709796/


Fonte da imagem do post: https://norsecorp.com/importance-of-customer-feedback/

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Enfim, a Hipocrisia

Ah, a hipocrisia.

É natural que idealizemos uma existência e não sejamos ela.

É natural que tenhamos um ideal de ser e estar e projetemos isso no externo, mas na realidade, sejamos pouco ou muito diferentes dessa concepção.

Esse é um movimento que sempre existiu e não foi criado junto com as redes sociais. Elas apenas evidenciaram a diferença entre quem somos e quem desejamos ser. Aliás, as redes sociais estimulam essa diferença.

Darei alguns exemplos.

Vejamos o indivíduo que vai todas as semanas ao culto e trata mal as pessoas na rua ou, ainda, a que reza por uma religião contrária ao uso de drogas ou álcool (entendo que a maioria esmagadora) e faz uso delas na balada.

Tem aqueles que acreditam na evolução do ser através do altruísmo ensinado por suas respectivas religiões ou crenças que são claras quanto ao apego material e… vivem suas vidas em função da conquista do material (ou divulgam a cocriação da abundância sentados em… abundância).

Não esqueçamos das “figuras públicas” que, nas redes sociais, dão dicas sobre organização, superação, planejamento, alcançar a sua melhor versão e têm suas vidas literalmente de cabeça para baixo, mal conseguindo aparecer para um compromisso com menos de 15 minutos de atraso.

E o sujeito que prega retidão, valores da família em todos os lugares, idoneidade, honestidade e fidelidade, mas não perde por esperar a próxima baladinha ou convenção da empresa, onde cai no puteiro com os colegas e clientes.

Não esqueçamos a verdadeira onda de positividade tóxica muito comum nas redes sociais. #Goodvibes, seja positivo, cerque-se de pessoas positivas e tá tudo bem.

Só tem um detalhe: ninguém na face da terra é feliz ou positivo o tempo todo. Ninguém é um ideal, seja ele qual for, sempre.

Se pretende cercar-se de pessoas #goodvibes e positivas o tempo todo, é provável que atraia pessoas como você: que atuam uma felicidade e um bem-estar idealizado e irreal através de um personagem.

O problema está na mentalidade por trás do “mais” ou “menos”. A questão é adjetivar pessoas como prática comum.

Pessoas mais sábias, mais fortes, mais criativas, mais engenhosas, mais competentes… ou bobas, sem criatividade, sem estrutura… Isso é comparação, repleta de julgamento.

Nenhum desses adjetivos existe sem um referencial, que acaba sendo a própria régua.

Pessoas são DIFERENTES, não mais, não menos.

E é a interação dessa diversidade que tem o potencial de, como grupo, sociedade, permitir que façamos coisas extraordinárias.

Os ideais e expectativas impossíveis junto com a comparação são umas das maiores fontes de questões de saúde mental.

Perceba como o ato de cercar-se de pessoas que supostamente nos levam a uma melhor versão tem uma decisão e um julgamento anterior: as mesmas pessoas que consideram-se positivas pregam o não-julgamento, mas foi exatamente o que fizeram ao considerar alguém “bom” ou “certo”, sempre usando a própria régua de bondade e virtude que, sem surpresas, assemelha-se a percepção de si.

Ao escolher apenas quem achamos que são “bons” (ou qualquer outra característica), somos levados a confirmar nossa identidade projetada. Nega-se a chance de contemplar a diversidade e encontrar o novo, talvez a centelha para o início de um processo de crescimento, procurado em primeiro lugar.

Pensar dessa forma absolutamente e a todo o tempo é negar a complexidade humana, o passeio entre nuances.

Não que eu esteja advogando sobre aproximar-se daquilo que faz mal, pelo contrário. Mas todo mundo no planeta já foi percebido como tóxico para alguém.

Entre possíveis extremos de suposta bondade e maldade, certo e errado, repousa a existência humana. Apesar deles existirem, não somos seres apenas de extremos: somos únicos e complexos, com uma mistura de elementos que desaguam na unicidade (o conceito de “extremo” aqui nada mais é de que os limites de algo medido subjetivamente).

Achar que somos extremos é apenas olhar para as pontas, para as extremidades do comportamento humano.

Todos nós temos questões, imperfeições e aquilo que pode ser percebido como limite ou indesejado. O segredo está na cooperação, na aceitação e na ajuda mútua.

Não trago essas questões para exercer o moralismo, defender ou atacar nenhuma religião, crença ou convicção de nenhum tipo, até porque essa suposta dualidade precede a todas e é da natureza humana (para fins de exemplo, isso é irrelevante). A questão não é a crença em si, mas usá-las como artifício de comparação.

Minha intenção é evidenciar o conflito interno que estimulamos, criado por nós mesmos.

Os indivíduos se comportam colocando forças opostas umas contra as outras e não se dão conta de que esse tremendo choque ocorrerá dentro de si.

Enfim, a hipocrisia… em seu máximo esplendor.

Mas calma.

Se olhar bem, todo ser humano é hipócrita em alguma extensão.

Exato. Todos nós somos hipócritas. E tá tudo bem (pelo menos até aqui).

Sempre existirá uma diferença entre o eu (que, por sinal, é transitório) e a identidade externa, o desejo, a idealização e a aspiração.

A questão não é a diferença existir. A questão é se a distância está aumentando ou não, se a identidade externa é uma atuação construída com uma finalidade específica que nada tem a ver com quem se é.

Pense em um elástico.

Numa ponta, temos o eu, a nossa mais precisa (tanto quanto possível) definição de quem somos.

Na outra ponta, temos uma identidade externa.

Quanto maior a distância entre os dois, quanto mais esticado o elástico estiver, maior a tensão.

Quanto maior a tensão, maior a falta de realização e a distância do bem-estar.

Agora, imagine que nem sempre sabemos quem somos.

Podemos estar inadvertidamente esticando o elástico.

Entende agora porque autoconhecimento é importante?

O problema não é a existência da hipocrisia, é o que estamos fazendo para diminuí-la.

É o que estamos fazendo para diminuir a tensão do elástico.

Como está o seu?

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Expectativas

Expectativas. Um manequim diante de um espelho representa essencialmente esse texto. Um alter ego projetado, idealizado e perseguido como objetivo existencial em um universo construído através de um padrão inalcançável.

Mas as respostas não estão fora, na projeção ou na jornada em busca desse efêmero. O exercer de uma existência externa fala muito mais sobre o ser e o estar do que qualquer alter ego.

Nos últimos 30 anos (ou até mais), a maior parte da autoajuda “nos ensinou” que conhecer a si e buscar dentro de nós é a chave para um eu evoluído (odeio essa proposição, passa a conotação e cultura de competição).

Quem é vegano, religioso, medita todos os dias ou faz yoga [insira outras práticas aqui] e se considera mais evoluído do que o próximo, não entendeu nada.

É a mesma coisa para humildade.

Quem se considera humilde, deixou de sê-lo.

Prefiro a busca pelo eu “diferente”.

Outro ponto: como conteúdo de autoajuda e suposta evolução, trata-se basicamente das expectativas de outros que aceitamos para nós como nossas achando que o que deu certo para alguém tem que dar certo para a gente também… e alguns autores dizem justamente que a chave para a felicidade é lidar com as expectativas de maneira adequada.

Uma percepção associada a autorresponsabilidade e a meritocracia, na maioria das vezes acompanhada de lemas como “se alguém já fez, você também pode fazer”, que traz outra questão: a comparação.

Confesso que falar que tudo que um ser humano consegue, eu também consigo, é uma ideia libertadora, apesar de nada realista.

Afirmar isso categoricamente e absolutamente é ignorar o mundo em que vivemos. É ingenuidade, é subjugar injustiças sociais, geo/políticas, culturais, posicionamento social, financeiro e tantas outras coisas.

Não é algo ruim. Só é. Mas é motivador em si.

Passa a ser negativo quando, junto com as expectativas, ignoramos nossas próprias fraquezas e fortalezas. Quando passamos a desejar ser iguais à manada sem considerar todo o resto. Quando projetamos uma idealização de existência inatingível e passamos a alimentar um monstro dentro de nós mesmos.

Proponho uma abordagem diferente.

Nossas limitações são insumo para um potencial danado.

Não que eu tenha idade para ser um atleta olímpico, astronauta ou cientista de foguetes, mas a ausência dessas possibilidades abre uma série de outras.

Somos animais sociais. Pertencer é forte em nós, porque nos ajuda a sobreviver no grande esquema das coisas. Portanto, pode ser necessário olhar para dentro e lidar também com as expectativas dos outros que internalizamos… mas não vejo como podemos dissociar os dois.

Aliás, mesmo em uma sociedade de cooperação, as hierarquias existem… e elas não existiriam sem julgamento e comparação, mesmo que nos remetamos aos primórdios da nossa existência como mamíferos, quando a força e a sobrevivência imediata eram critérios.

Diria até que o pertencimento é influenciado pela percepção de uma hierarquia validada socialmente e, se existe interesse numa movimentação horizontal ou vertical, existem julgamentos, expectativas e comparação fluindo para todos os lados.

Pode parecer que são ideias opostas, mas talvez o ideal esteja entre elas.

Como certa vez disse Bernardo de Chartres (atribuído a Isaac Newton):

“Se eu vi mais longe do que os outros,
é por estar sobre os ombros de gigantes.”

Ao combinar o que aprendemos de diferentes fontes, temos a oportunidade de criar novas ideias. Acho que é basicamente impossível começar do zero. Se levarmos em conta que nossas identidades são um conjunto de crenças, olhar para dentro já é uma busca baseada no passado.

Então, é possível desvincular tudo que nos foi dito para sermos? Isso não destruiria parte das nossas identidades de alguma forma? isso não destruiria nossa singularidade?

Existe uma equação de composição do self, do eu e da identidade em jogo para cada ser humano. Como bem coloca Yuval Harari, a nossa imaginação e a nossa capacidade para criar conceitos abstratos é nosso maior recurso.

Sendo assim, partindo do princípio de que o que criamos hoje só é possível diante de toda a criação anterior e há uma boa dose de expectativas na mesa, seja para empoderar ou limitar, resultados foram obtidos e influenciados a partir daí.

Lembro particularmente de algumas conversas com os meus pais, calçadas em expectativas.

Posso julgar o resultado alcançado, mas invariavelmente, não importando reconhecer se foi limitante ou incentivador, modificaram-me. Fazem parte da mecânica que me tornaram único, mesmo sabendo que expectativas rondando a moral e a ética são compartilhadas.

Aqui, entramos em um conceito mais complexo.

Temos sistemas sociais que transformaram o bem-estar em objetivos. Aquilo que pode ser alcançado através da obtenção do tangível, algo mensurável e que pode ser transacionado, vendido, comprado. Tenho dois vídeos que falam sobre isso, aqui e aqui.

Os objetivos foram massificados. Os ideais pasteurizados, as fôrmas da felicidade, do sucesso e do bem-estar onde todos nós nos moldamos para caber em favor de entender quem somos.

Mas o conceito de “todos” fomenta também expectativas igualmente pasteurizadas, incompatíveis com o que representamos: unicidade, individualidade, diferenças.

A força inexorável de quem está no topo da hierarquia propõe uma padronização de comportamentos que não explora a riqueza da unicidade, mas a força da massa para si.

Há um conjunto de expectativas de comportamentos que forçam o indivíduo e suas maiores atribuições ao conforme. O conforme é um reservatório potencial de energia e poder.

Vivemos em tempos de polarização absoluta, o que reduz tudo a dois lados, aumentando ainda mais esse reservatório de poder e perdendo autonomia sem percebermos.

Não somos assim… estamos sendo levados a uma realidade que não traduz a natureza humana.

E ela é poderosa juntamente por causa das diferenças… e não pela capacidade de sermos manipulados a seguir fórmulas de ideais de felicidade, sucesso e bem-estar, seja com expectativas ou não.

Eu acredito com todo o meu ser que a força advinda da manipulação das massas é bem inferior ao resultado da interação do diverso. A diversidade como fonte de criatividade, inovação e evolução é um reservatório de energia e poder muito maior.

A história está repleta de exemplos dessa natureza, quando pessoas exerceram a sua diversidade de forma cooperativa, permitindo essa interação e troca sem precedentes. Foram os episódios da nossa história onde houve maior evolução tecnológica, social e intelectual.

Mas para que isso ocorra, é necessário outro elemento fundamental: aceitação das mesmas diferenças, respeitadas as leis, a moral e a ética.

Quando a compreensão faz parte da equação, não temos limites.

Como humanidade, quando não só compreendermos isso, mas conseguirmos usar essa fonte gigantesca de energia, chegaremos a uma época de quase infinita prosperidade.

Essa é uma expectativa legal (talvez utópica) de ser ter.


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“Não existe tentativa”… Existem Muitas, Mestre Jedi

“Não tente. Faça ou não faça. Não existe tentativa.”

Meu amigo verdinho, permita-me respeitosamente discordar.

Existem inúmeras tentativas, sempre existiram, sempre existirão…e a sua própria existência conceitual e criativa, como produto da mente de um homem, deve-se a isso.

A primeira vez que ouvi essa frase na pré-adolescência, incomodei-me muito e foi no próprio filme.

Um conceito com o qual não só não concordava, mas achava completamente absurdo e que não fazia sentido diante da realidade… apesar de, na época, não ter a noção de que a percepção advém da natureza humana e, consequentemente, faz parte da sua realidade também (isso mesmo caro leitor, falo de você mesmo).

Você pode não querer ou não gostar e até ser fã de Yoda, mas não há como fugir disso porque não há como fugir de ser humano.

Contudo, não gosto da palavra “tentar”.

Ela tem um exercício mental complexo e múltiplas interpretações, principalmente emocionais.

Alguns dizem que associar algo ainda não exercido ao conceito de “tentar” é uma receita para dar errado (WTF man? Já ouviu falar em PDCA?)

Uma percepção ligada à prática motivacional, uma programação da desistência, da concepção da falha e do desistir antes mesmo de colocar a mão na massa.

Uma representação do que pode dar errado como barreira ao resultado.

Sim, há essa implicação e ela é relativamente sólida.

Por outro lado, se olharmos para o passado veremos que as tentativas são as coisas mais comuns que existem.

Para cada êxito, existem inúmeras falhas e erros, formas que não deram certo traduzidas em tentativas.

Até mesmo coisas que deram relativamente “certo” podem ser vistas como tentativas, se algo mais eficiente for implementado depois.

Aliás, olhe para o seu passado, para TUDO que fez, que não saiu como planejado ou não alcançou o resultado esperado.

Olhe para o passado da humanidade… será que não foi exatamente o que fizemos há centenas de milhares de anos?

Evoluir? Errar, falhar, fazer, encontrar formas mais eficientes e chegar a melhores resultados?

Para CADA passo dado, houve, pelo menos, uma tentativa.

Na prática, para cada sucesso, objetivo, meta, destino, existem inúmeras tentativas.

Esse é o mecanismo de evolução do ser humano.

Tentar, se foder, aprender, corrigir, fazer novamente.

Não tem “feito”, sem fracasso.

Não existe um único ser humano que não tente.

Se não tenta, não está vivo.

Não há como eliminar o conceito de tentativa da existência humana enquanto formos seres imperfeitos.

O foda é que as pessoas não entendem isso e massacram indivíduos pela jornada.

O problema, exceto pela eventual programação, não é o “tentar”.

O problema é a merda decorrente de “tentar”, se ferrar e ser julgado como incompetente, incapaz e tantas outras coisas. O problema está na não aceitação da natureza humana imperfeita.

Não existe ser perfeito que não tenta e não erra.

O que a gente realmente precisa é o fim do preconceito motivacional contra a palavra “tentar” e a aceitação das diferenças, erros e falhas de todos.

O que teria sido a batalha final do nosso herói Yoda se não uma tentativa?

Pois é, a existência de um eventual sucesso não é garantia de que tentativas não existiram. Pelo contrário, tentativas sempre existirão e o sucesso não é garantido.

Não obstante, faz-se necessário considerar: sucesso pra quem? (Palpatine que o diga).

Não tenha medo de tentar. Pense na tentativa como um degrau que se sobe.

Se nos apropriarmos das tentativas como fonte de aprendizado, eu tenho a plena certeza de que os sucessos serão mais prováveis.

 


Todas as imagens usadas têm por trás a intenção do uso justo diante da argumentação. Caso entenda que alguma imagem viola direitos autorais, por favor, entre em contato para análise e remoção.

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Criar é Viver

Sinto-me vivo ao criar.

É um gozo para a mídia, um processo, um exercer fundamental transformador.

Como vi certa vez Neil Gaiman falar: vomitamos para o papel e organizamos as nossas ideias no processo (prefiro a conotação de gozo, mas não menos inspirador).

Tinha esquecido o prazer que isso aqui me traz.

Não comecei esse exercício como um gozo 20 anos atrás.

Nada com fim definido (seja gozo ou vômito), mas como jornada.

Eu me via andando. Caminhando sobre uma estrada indefinida, um momento contido em si de aprendizado e olhar para dentro.

Os anos se passaram e as mídias mudaram.

Em 2016, construí isso aqui, que virou livro.

O livro foi o gozo, mas o processo é realização. Fulfillment (talvez uma palavra mais adequada que perde-se na tradução).

Muita gente me pergunta quando decidi escrever um livro. Mas acho que ele decidiu por mim.

Não houve decisão, em 2016. Houve uma vontade maior do que eu de colocar para fora pensamentos, emoções e sentimentos. Um exercício de si próprio, não ausente de dores e sofrimentos.

Bastante presentes, até. E não desejava diferente: são alicerces.

Perdi as contas de quantas vezes no processo precisei revisitar conceitos próprios e mudar de ideia ou opinião, simplesmente porque o que achava ser o caminho mostrou-se inadequado diante das evidências.

Várias correções de rumo tomaram lugar em minha existência.

E, como jornada ou processo, emergi diferente 4 anos depois, chegando a lugares nunca antes idealizados.

Sinto-me especialmente feliz em perceber que os lugares não idealizados existem, que a transformação não se encerrou e que a vontade de continuar existe e pulsa.

Dizem que quando a gente não sabe para aonde quer ir, qualquer caminho serve, conceito imortalizado por Charles Lutwidge / Lewis Caroll em “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas“.

Pena que o conceito é confundido com necessariamente ter um destino… ou a jornada só valer à pena se um objetivo for conhecido.

Interpreto de forma alheia sem invalidar a importância de um plano, mas evidenciando que o caminho é mais importante do que a chegada.

E, de fato, não é exatamente essa a história que o conto passa? O destino não sei, mas o não saber me motiva. A transformação me perpetua como destino inalcançável, assim como o futuro.

Eu já tentei seguir fórmulas para destinos conhecidos. O que aprendi? Que elas não valem de nada, pelo menos para mim. Quero ser eu e não igual a ninguém. Quero chegar aonde ninguém chegou. Existir reconhecendo ser único já é um excelente passo nessa direção.

Aqui, coloco o ponto final dessa história, mas o início de, quem sabe, outro caminho ou jornada. Veremos aonde a inspiração nos leva.

Aliás, a expiração, para ser compatível com o (meu) gozo ou o vômito de Neil Gaiman.


Atribuição da imagem – origem: https://www.entrepreneur.com/article/243103

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O Paradigma do (Suposto) Conhecimento

Partamos do princípio de que talvez para entender o conhecimento precisamos já ter conhecimento.

E de que para ter conhecimento é necessário entender o conhecimento que surge.

Paradigma.

Efeito Dunning-Kruger ao contrário ou do jeito concebido?

Conhecimento está ligado a explorar, não a determinar.

Se não há espaço para questionar e há apenas algo determinado por um terceiro ou por nós mesmos, não há crescimento do conhecimento.

Isso e fé.

O ponto é o quão longe as pessoas estão dispostas a ir para aprender algo novo, injetando dúvidas em seus conceitos supostamente “sólidos”?

Basta observar as pessoas falando e discutindo.

Se houver declarações mais flagrantes e vazias sobre o que é a verdade (sem evidências) em vez de questionamentos, pode ser uma indicação de um bloqueio de aprendizagem.

Isso mesmo, o que estou propondo aqui não é rebater crenças irremediáveis que levam a afirmações e argumentos sem nenhuma comprovação. É a percepção que o que está sendo dito é a identidade da pessoa e ir contra a argumentação é ir contra a pessoa.

O que realmente me incomoda é o fato de que as redes sociais como meio de comunicação fazem exatamente o oposto do que Paul Graham propõe em sua hierarquia da discordância: estamos presos na base da pirâmide (identidades).

Alguns meses atrás, fiz um post e um vídeo sobre a síndrome do impostor e lá, explico o conceito dos estágios de aprendizado (sugiro dar uma olhada ;))

Nas redes sociais, o que mais temos são identidades. As personas ideais e desejadas expostas na vitrine do algoritmo. Debater ideias no âmbito das redes sociais é uma prática rara justamente por esse motivo.

Meu ponto:

  • O indivíduo que faz um argumento afirmando que algo é verdade sem colocar evidências na mesa, apenas as suas crenças, está defendendo a sua própria identidade e não a suposta verdade;
  • O indivíduo que coloca evidências na mesa para afirmar que um argumento é a verdade (e não aceita que tais evidências sejam questionadas), está defendendo a sua identidade da mesma forma;
  • Autoridade não surge de agarrar-se à verdades, posicionamentos irremediáveis e imutabilidade. Autoridade surge da capacidade de unir novos conhecimentos em novas abordagens.

De uma vez por todas: o método científico não aponta verdades. O método científico não atribui certeza muito menos verdades.

O método científico é uma forma de questionar, evitando vieses e influências. Ele aponta um caminho e nunca uma verdade.

Já as crenças e as verdades podem assumir a forma de serem absolutas; esse posicionamento pode surgir de qualquer um dos lados e, se detectá-lo, estamos falando de fé (em ambos os casos, até em pessoas que se denominam da ciência) e não de uma metodologia ou abordagem científica.

E como usamos as nossas verdades absolutas para construir as nossas identidades, talvez por isso que o método científico seja tão odiado.

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A Fronteira da Identidade

Você acorda.

Olha para os lados e percebe uma comunidade de umas… 40 pessoas.

Você só conseguiu dormir porque elas existem.

Alguém vigiou enquanto dormia. Alguém caçou. Alguém cuidou das suas feridas.

A sua identidade está irremediavelmente conectada àquelas pessoas. Ao lugar.

A comunidade cresce, estabelece-se.

Aqueles vales e savanas transformam-se em cultura.

Algumas tradições surgem.

Histórias transformam-se em músicas, cânticos à beira de uma fogueira, pessoas dançando… você olha em volta mais uma vez e percebe que pertence.

As fronteiras da sua realidade determinadas por quão longe consegue andar e voltar ao grupo.

As características do grupo influenciam o local escolhido e o local influencia como o grupo eventualmente se comporta.

Aquele é o seu lugar. Não consegue imaginar-se em outro momento ou situação. Você é, por estar.

O poder da terra. O crescimento do grupo em estabelecimentos cada vez maiores, casas, vilas, feudos, reinos, nações.

Bandeiras e fronteiras.

Culturas.

Se entendermos a religião como uma forma de expressão cultural, todas as guerras do mundo foram travadas para defender esses três. E foram muitas.

Defender a identidade, as crenças e os recursos.

Um resumo dos últimos 40 mil anos em pouco mais de 150 palavras.

Existência ligada ao corpo e às suas necessidades.

Agora, pulemos para o momento atual.

Cadê a fronteira?

Cadê o lastro cultural histórico da identidade?

Perdeu-se?

Pode ser.

Mas não deixamos de ter identidade. Ela apenas passou a ser estruturada de outra forma.

Nos últimos 20 anos, houve uma transferência dessa identidade para um conceito virtual, para uma curadoria de sons, imagens, vídeos, textos, comentários e outros sinais de representatividade de crenças e avatares online criados à referência de um ideal de existência.

No passado, a ligação da identidade ao ambiente físico era muito mais forte e a fortaleza dessa conexão trazia uma consequência interessante: tangibilidade.

Era o que era. Passível de ser percebido fisicamente. Sentido, visto, ouvido, tocado.

Hoje, o que tocamos é a tela do celular.

Substância substituída por exposição, ser visto, uma mecânica pornográfica que molda a identidade e as nossas relações, completamente mediadas por inúmeras camadas e interesses entre representações de pessoas.

Além da identidade ser uma perseguição de ideal filtrada, transformada, intencionada e interpretada, há um conjunto de entidades entre eus e vocês, transformando o que vem e vai.

A fronteira agora é o alcance, promovido pelo engajamento e likes (curte, compartilhe, comenta!). Comportamentos totalmente moldados por algoritmos.

A percepção de identidade transformou-se em um gás, preenchendo e tomando conta de tudo que há dentro da fronteira, desde que permitido pelos algoritmos.

Aparecer, ser notado e atenção viraram sinônimos de existência e não apenas estar exposto.

Com a expansão dos avatares, os egos seguem, numa louca e desenfreada comercialização do eu coisificado e encenado.

Como uma encenação, uma performance, a existência é transportada para fora e para longe do corpo físico, para uma embalagem conveniente, etiquetada, classificada, precificada e estereotipada na prateleira da nova sociedade que se forma, exposta e à venda.

Emoções também passaram a fazer parte dessa representação e, de fato, emoções e sentimentos tidos como negativos são execrados em favor daquilo reconhecido como positivo, pois aumenta o preço da existência performática.

Até a pergunta “como você se sente?” perdeu o sentido, pois a resposta está ligada à encenação e à economia estabelecida.

A suposta e constante felicidade alheia, a positividade, a motivação e a superação perenes, como ideais de transformação, vendem.

O ideal inalcançável de comportamento (que é uma performance e referência de perfeição desejada), vende ainda mais.

E como inalcançável, criou-se a mercadoria ideal na economia perfeita.

Demanda inesgotável para algo inatingível.

No fim do dia, perdemos cada vez mais contato com quem somos em favor de quem mostram que devemos ser, para sermos ainda mais aos olhos dos outros em busca de nós mesmos. Uma armadilha.

Estamos existindo em uma identidade engenhada que não é a nossa, mas criada para satisfazer as expectativas da relação econômica.

  • Em um cenário assim, como podemos sequer saber quem somos?
    • Olhamos para fora e… quando olhamos para dentro, é no desejo de encontrar os ideais externos;
  • Como exercemos a unicidade que nos define, em um mundo pornográfico que impõe uma transparência opressora e desumanizadora?
    • Há uma pasteurização do conteúdo, muita informação que é apenas mais do mesmo, repetição e busca por fórmulas de suposto sucesso;
  • Se ativamente e intencionalmente transpomos uma identidade ideal para o consumo e fazemos parte dessa mecânica, ainda assim é possível preservar um eu ligado à essência? Em outras palavras, ao encenar e consumir, não corremos o risco de nos distanciarmos tanto dessa essência ao ponto de matá-la de fome?
    • Se há uma curadoria intencional à procura de engajamento ou exposição, há o distanciamento da essência e a aproximação dos interesses das entidades por trás das plataformas.

Tenho uma ideia que não sai da mente: se a identidade projetada é ideal e encenada (por menos que seja), a transmutação da essência para um reflexo atendendo às expectativas alheias através da performance não pode ser reconhecida como essência em si.

Isso é enganação de si com uma pauta egóica (o ego, sendo usado como arma contra nós mesmos), por mais que o marketing e os argumentos vendam “essência” e individualidade (no sentido existencial) na prateleira social.

E, se considerarmos por um momento uma situação ideal e perfeita (ironia) da transposição da essência para o virtual, ainda há a mediação que, em nenhum caso, defende os nossos interesses.

Nenhum caso. Em nenhum momento.

Hoje, tenho mais perguntas do que respostas.

 


Imagem: Getty Images

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Degraus

Comecei este texto com um spoiler gigante logo no título.

Vamos falar de sucesso e fracasso.

Só que de um jeito diferente.

Comecemos pelo sucesso.

Comemorar conquistas é essencial biologicamente falando. Disparamos toda uma química poderosíssima de bem-estar em nosso corpo com o ato de celebrar.

Traz satisfação, felicidade e realização.

Mas existe um lado do sucesso, da conquista e da celebração que não só está presente no fracasso como são idênticos.

Um lado muitas vezes sequer percebido e talvez o mais importante: o encerramento de um ciclo e o início de outro.

Pense numa escada, com vários degraus e, no topo dela, o sucesso, o objetivo a ser alcançado.

Cada degrau é um fracasso ou um pequeno sucesso na jornada.

Cada degrau é um ciclo.

A cada um deles, temos a oportunidade, a chance de aprender com o que aconteceu e subir outro degrau.

Se não houver aprendizado, a chance se esvai.

Se ele acontece, um ciclo se encerra, outro se inicia.

E quando chegamos ao topo, a mesma coisa acontece: aquele ciclo de tentativa, erro, fracasso e finalmente sucesso, se encerra. Crescemos, evoluímos e podemos agora construir algo novo, uma nova jornada à um novo sucesso.

Não existem atalhos: se você não está aberto a errar, falhar e aprender, o sucesso NUNCA chegará para você.

Lembre-se: reconheça todos os ciclos e festeje pequenas conquistas também. Trata-se de uma sinalização fundamental para a nossa percepção de realidade e evolução.

“Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.”
Bernardo de Chartres

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Ruído

Anos atrás, li um livro que mudou minha percepção de realidade, de consciente e de inconsciente.

Alguns dias atrás, li um artigo na mesma direção.

Sem entrar nas considerações matemático-físico-filosóficas da minha limitada percepção do que foi dito, faço uma tentativa potencialmente frustrada de abordar o tema.

É isso mesmo? Começarei um texto argumentativo afirmando ser uma tentativa e, ainda por cima, frustrada?

Por que não?

Já mudei de opinião em 5 minutos de conversa e reservo-me o direito de mudar ao longo da escrita (certamente acontecerá, verá).

Aliás, esse é um dos grandes motivos pelo qual escrevo, compreensão e mudar de ideia, uma das coisas que mais prazer me traz (apesar das evidências em contrário, frase totalmente carregada de ironia e autocrítica).

Dito isso, confundo-me com a tentativa de buscar significado e sentido nas redes sociais praticada em massa atualmente.

Talvez o emprego da palavra “atualmente” seja bastante característico, afinal, falo de algo bem recente e que vem mudando o comportamento da sociedade profundamente.

Ou será o contrário? Será que as redes sociais são apenas o exercício de uma sociedade doente? Quem adoece quem?

Para todo lugar que olho, existe uma busca insistente pela verdade e entendo que ela sempre existiu (a busca, não a verdade).

E ela (a verdade, não a busca) é encontrada na fé (o conceito que usarei em todo o texto não é apenas religioso e sim mais abrangente): naquilo que faz sentido e afaga o ego.

Quantas pessoas conhece que de fato abraçam supostas verdades mesmo que elas sejam contra suas crenças? É difícil encontrar esse comportamento. Se alguém se abraça a um argumento, a probabilidade dele ser uma “verdade” para quem abraça é gigante, muitas vezes ignorando evidências.

Sim, os exemplos são inúmeros e as próprias redes sociais trazem isso de forma não só clara como, frequentemente, obliterante e magnânima (não ouse discordar meu caro).

Existe uma confusão entre fazer sentido, verdade e conforto cognitivo.

Não há necessariamente relação entre os dois primeiros. Nós acreditamos que haja em favor do terceiro, do conforto cognitivo, reforço de crenças e da identidade.

Em primeiro lugar, assumimos como verdade o que faz sentido.

O que há, no fundo e na sequência, é uma associação completa e irremediável entre sentido e propósito.

Sou a única pessoa a questionar essa percepção egóica de realidade? Dificilmente, apesar de não encontrar evidências do contrário. Se é seu caso, favor pronunciar-se. Gostaria de debater o tema.

Ninguém está interessado em questionar, em questionar-se e o argumento “faz sentido” é, basicamente, a chancela de ouro em cima do ego.

Ah, acha que não?

Pense comigo: o que é um argumento como “faz sentido” além da percepção de que a própria crença está “certa”? O que é, além do próprio tapinha nas costas, reafirmando que a sua identidade permanece inabalada e as crenças intactas?

Questionar passou a ser uma maldição reservada aos antipáticos, tidos antissociais e inconvenientes (enquadro-me desconfortavelmente). Há uma percepção insidiosa de que quem questiona destrói a empatia, para não mencionar as amizades e relacionamentos.

“Faz sentido”, “eu acredito”, “eu sou” e o alinhamento dos 3 ratifica o conceito de propósito individual, confirmando o suposto direito de ser e existir em um contexto totalmente pessoal, independente e ausente de visão sistêmica.

Mas “fazer sentido” não é sinônimo de “verdade”; “acreditar” não é sinônimo de “ter certeza” e “ser” não é sinônimo de “identidade”. Se partimos de premissas aparentemente equivocadas, por que continuamos a insistir? Conforto apenas?

Aqui, coloco um conceito sensacional que ouvi de um sacerdote, anos atrás: quem tem certeza não precisa de fé. Fé é o querer acreditar, é uma atividade, uma busca, um exercício.

Nossa, isso abre um mundo de possibilidades.

Achei a colocação de uma sabedoria sem igual, principalmente vinda de um líder religioso (apesar da própria posição dele ser no sentido de ter certeza, ironicamente). Fé permite evolução.

Se não há espaço para a desconstrução de uma crença e questionamentos, não há espaço para evolução e aprendizado.

Questionar é invalidado, não permitido e interpretado como antagonista à um propósito criado justamente pela concepção do determinismo.

“Está escrito”.

Se está escrito, não questione, tenha certezas.

Aliás, transforme aquilo que faz sentido em crenças, fé e depois em certezas porque, do contrário, a fé não sobrevive. Pensando bem, diante da associação de fé com certeza, sem determinismo a fé perde o sentido (outra ironia). Se não faz sentido para você, é praticamente impossível ter fé.

Então, associamos o nosso comportamento ao fornecimento da fé como alicerce para a existência e questionar vira a perfeita exemplificação do indesejado.

Acho que encontrei um paradoxo.

Talvez o “receio” (palavra bonita usada por mim para substituir “medo”) seja enfrentar o próprio castelo de cartas auto-argumentativo e eventualmente olhar para um estranho no espelho.

Ser é transitório e é bem provável que, eventualmente, em alguma fase da vida, isso ocorra.

Por bem da palavra, que isso ocorra! Sem espaço para essa transformação, não há espaço para evolução, aprendizado e crescimento.

Ser é um processo. Ser é um conjunto de “estar” ao longo do tempo.

Não adianta colocar um às de ouro no topo do castelo de cartas através do sentido que faz, se não há espaço para o sopro que você mesmo quer dar na frágil base, mas não o faz em nome das certezas que constroem a identidade.

Se por algum momento que seja considera que o ser humano tem a capacidade de se adaptar, tem a capacidade de mudar. Uma coisa não existe sem a outra.

Olho para as redes sociais hoje e vejo milhares de castelos de cartas. Aliás, fotos deles.

Talvez precisemos de uma ventania, um grande sopro de existência de fato e não de movimentos egoicamente calculados e perfeitos, vazios e oferecendo um suposto valor igualmente egóico (entenda vendo este vídeo).

E não precisa ir longe para achar o vento do sopro: temos milhares de anos de conhecimento e literatura à nossa frente… temos “vento” de sobra. A questão é o desconforto evitado ao máximo. Ficamos cada vez mais rasos, evitando confrontar a si (curioso como há coragem de sobra nas redes sociais para o embate com os outros).

Talvez precisemos embaralhar as cartas e começar novamente com algo que não faça sentido, mas que permita uma existência associada ao direito não dar explicações e sentido.

Vivemos diante de um mar de argumentos plausíveis e que soam como verdade para tantos… mas a quantidade é tão grande que não passa de ruído.

Pensando bem, ruído não pela quantidade, mas pela nossa incapacidade de questionar aquilo que nos conforta, praticamente eliminando a possibilidade de criarmos.

Sinto-me com a mesma opinião do sétimo parágrafo, mas cheio de perguntas (cuido delas com carinho: sinto-me vivo).

Será apenas mais ruído em minha mente? Será apenas mais uma condição existencial tentando fazer sentido de si própria?

Sei menos que você.

Só sei que continuo no esforço de não tentar explicar aquilo que não compreendo com certezas ou fé apenas e sinto-me bastante ignorante com isso.

Por sinal, especialmente ignorante. Uma ignorância que, começo a perceber, traz o mesmo conforto da própria fé.

Há algo mais egóico? Há maior egocentrismo do que acreditar que a própria percepção de mundo e realidade é uma verdade absoluta, diante de tanta diversidade?

Corrijo-me: no momento, ironicamente, faz sentido, enquanto questiono meu próprio orgulho em ser questionador. Lá vem o ego coloquial meus caros, esse insistente inquilino.

Talvez (adoro essa palavra) eu tenha encontrado alguma informação afinal, em meio à tanto ruído e autocrítica.

Respeito o conceito de propósito determinístico que tantos têm. Está escrito, é confortável, faz-nos sentir especiais, escolhidos (algo que por si só é irônico, diante de uma argumentação igualitária presente em tantas doutrinas, que trazem estereótipos distintos e comparação para os que creem ou não).

No início da escrita deste texto, lembrei-me de inúmeras pessoas que conheço que perseguem propósitos externos e a qualidade de vida que isso traz, boa parte pela isenção e transferência de responsabilidade.

Por outro lado, enquanto escrevo, lembro também de exemplos onde propósitos assim provém a justificativa para alguns indivíduos agirem contra os demais.

Prefiro uma abordagem alternativa: em um universo caótico, não somos especiais, muito menos o centro dele. Aqui, propósito também existe, mas é construído e não atribuído.

O que tem feito na busca por ele? Vem construindo ou esperando que uma voz apareça, diga-lhe o que fazer E faça sentido pra você?

Consegue ouvir alguma coisa útil diante de tanto ruído?

Qual a sua parcela na manutenção do ruído que hoje existe?

O Universo não está nem aí para a nossa existência. Tem gente que vai ler isso e achar uma blasfêmia. Tem gente que achará um absurdo… mas tem pessoas que encontrarão muita força nessa afirmação.

Onde acha que temos mais liberdade e autonomia? Em um contexto determinístico, onde tudo está escrito e somos peças em um tabuleiro ou em um universo caótico, onde cabe a cada um de nós construir o seu próprio propósito, transformando o ruído e o caos que o cerca em significado?

Agora, um exercício de lógica super simples: o conceito de destino, determinismo e “tudo está escrito” é incompatível com “livre arbítrio”.

São mutualmente excludentes. Não dá para ter as duas coisas.

Ou você acredita em destino ou em livre arbítrio. Se acredita nas duas coisas, ou não pensou ainda sobre o tema, ou é uma contradição viva ou está tão confortável em preservar o próprio status quo através de certezas que… tá tudo bem.

Não adianta “acreditar” naquilo que faz sentido pra você, escolhendo as questões que trazem conforto e julgar o próximo pela crença ou inexistência dela, se não dermos ao próximo o direito de arbitrar. Acho que acabo de colocar que fé e livre arbítrio também não podem existir sob a mesma concepção, pelo menos não se o conceito de fé for opressor.

E antes que surja o argumento de que estou atacando alguma religião, lembre-se: estou usando o conceito de fé abrangente.

Finalizarei com uma afirmação: se você parou pra pensar sobre quaisquer argumentos colocados aí em cima, então é sinal de que o nível de ruído finalmente ficou baixo o suficiente para escutar-se.

Caraca Romulo, nada do que falou faz sentido!

Pode ser…

Mas não prometi sentido. De fato, não prometi nada, talvez apenas passado a ideia de provocar. Este sou apenas eu, lidando com os próprios anseios, questionamentos e argumentos mentais.

Um exercício.

De fé?

Quem sabe. Espero que não opressora.


 

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Inteligência Emocional… Ao Contrário?

Desde 2017 que escrevo direta ou indiretamente sobre inteligência emocional e até virou um capítulo de livro.

Trata-se de um tema na moda há quase 30 anos que foi explorado à exaustão, colocado por muitos como solução para todos os problemas da humanidade, até a fome (contém ironia).

Outros especialistas na área trazem a inteligência emocional clássica como uma grande falácia.

Nem tanto, nem tão pouco.

O conceito foi esticado e resumido de formas inimagináveis ao longo dos anos.

Penso imediatamente e (quase) involuntariamente no trabalho de Myers-Briggs, que tomou por base Carl Jung.

Ele certamente ficaria surpreso com as conotações extraídas do seu trabalho, para dizer o mínimo. Hoje, estes testes são usados mundialmente em diversos cenários, mas também para rotular pessoas e em processos de seleção, algo inaceitável.

Voltando, analogamente, parece haver um consenso (principalmente em conteúdo de autoajuda) de que inteligência emocional é:

  1. Reconhecer as emoções;
  2. “Controlar” as emoções;
  3. Usá-las adequadamente, para si e socialmente (o que já leva a outro conceito criado ao longo do tempo: inteligência social).

Aqui, chamo especial atenção à palavra “controlar“. Uma rápida pesquisa no seu mecanismo de busca preferido e perceberá como o “gerenciamento das emoções” e a “autorregulação” surgem com frequência e, tristemente, acabam sendo interpretados como “controle”.

Mas antes de abordar esse tema em específico, falemos um pouco da meta-origem do conceito (comento a origem propriamente dita no post original).

Por trás do surgimento da ideia de inteligência emocional, há um processo de reconhecimento das diferenças individuais, diversidade (exemplificado pela multiplicação das inteligências, notadamente sobre as mãos de Howard Gardner) e, principalmente, uma busca por medir o sucesso.

O próprio surgimento da concepção de QI (Quociente de Inteligência) no início do século passado tinha a intenção de prever o sucesso (dentre outras), apesar de florescer em meio a profundos vieses comportamentais.

Isso mesmo, o QI tinha uma pitada de segregação e beneficiava uma parcela populacional, promovendo estereótipos e até o preconceito.

Nada bonito, diga-se de passagem – apesar de ser uma outra época com um contexto completamente diferente do atual. É mais fácil reconhecer tais características, hoje, mais de cem anos depois.

Contudo, se por um lado o QI é algo pragmático, supostamente fácil de medir e beneficia o raciocínio lógico e matemático, por outro, a inteligência emocional não só é difícil de medir como está sujeita à múltiplas interpretações. São habilidades importantes, mas dificilmente preveem o sucesso em todas as ocasiões.

O argumento original de Daniel Goleman (responsável pela popularização do conceito e não por sua criação) é de que a inteligência emocional é um indicador muito mais preciso e fácil de sucesso, ao contrário do QI.

Só que, aí, entramos em um loop: o QI é “mais fácil” de avaliar e o QE (Quociente Emocional), o oposto.

Tá. Eu sei que existem inúmeras tentativas de medir, testes e abordagens diferentes. Mas pense comigo: testes de QI são matemáticos, lógicos e mais precisos por definição (apesar de medirem conhecimento em alguma extensão – o que, perdoem-me, invalida o teste). Testes de QE são situacionais e sofrem profunda influência cultural.

Ao longo dos anos, surgiram várias potenciais metodologias propondo calcular o segundo, enquanto a metodologia para o primeiro sofreu inúmeras revisões (até para apagar um pouco dos vieses iniciais).

Uma pergunta válida: testes assim medem algo que pode ser efetivamente útil? Depende inteiramente do contexto e o contexto tem sido jogado fora.

Em ambos os casos, temos uma visão individualista de sucesso e a ausência completa de uma percepção sistêmica, apesar da inteligência emocional estar frequentemente associada à inteligência social. Mesmo assim, ela analisa o indivíduo, como se uma pessoa, sozinha, fosse capaz de ser qualificada como tendo ou  não a “qualidade” desejada e suficiente e que só depende dela. A bandeira do “protagonismo” segurada ao alto.

Chegamos à um ponto deste texto onde temos três conceitos a explorar: o controle, como prever o sucesso (incluo aqui a questão sobre o individualismo) e porque inteligência emocional “ao contrário”, concedendo-me a liberdade de, quem sabe, mudar de opinião sobre o tema.

Controle

As emoções são reações neurofisiológicas do corpo a estímulos. Primitivamente, emoções agradáveis nos aproximam daquilo que traz bem-estar e emoções negativas nos afastam do que pode potencialmente causar problemas ou ser uma ameaça. É assim com o medo, a raiva, a tristeza, a felicidade, o nojo e o desprezo… exceto com a surpresa, que precede outras emoções. (Ekman, 1971).

Para o ser humano, controle, dentre outras coisas, é praticamente um sinônimo de neutralizar ameaças. Colocando de outra forma, o desconhecido causa desconforto justamente pela falta de controle e é interpretado na maioria das vezes como uma ameaça.

Aquilo que é controlado, é conhecido (mas não necessariamente o contrário).

Frequentemente assumimos que uma situação ou estímulo já vivenciado anteriormente trará a mesma emoção. A experiência prévia é conhecida e isso pode dar a falsa sensação de controle emocional por saber o que eventualmente sentirá. Como não controlamos o desconhecido, achamos que controlamos as emoções diante de situações conhecidas, mas na verdade, estamos apenas recuperando uma memória relacionada à emoção presenciada (e talvez as ações decorrentes).

Agora, exploremos alguns conceitos essenciais.

Conhecimento e controle são conscientes.

A emoção surge de um mecanismo cerebral muito mais antigo e primitivo do que a nossa consciência e, muitas vezes, surge incontrolável de meio até um segundo e meio antes sequer de tomarmos consciência do que aconteceu (Nørretranders, 1998).

Começa a perceber aonde eu quero chegar?

Não controlamos as emoções. Podemos, no máximo, tentar gerar condicionamentos para reagirmos de forma intencionada e planejada. Veja a imagem abaixo:

Parece complexo? Não, é simples até.

  1. O estímulo acontece;
  2. A emoção surge em um nível inconsciente;
  3. Parte do nosso cérebro avalia se é necessária uma reação instintiva de autoproteção (lutar? Fugir? Paralisar para economizar energia?)
    Essa fase pode levar de meio segundo à um segundo e meio, mais ou menos;
  4. Nosso consciente começa a perceber o que está acontecendo. A emoção que tomou conta da gente começa a se dissipar e a ser interpretada
    Com a passagem dos segundos, ganhamos mais forças para interagir com as nossas reações, ao ponto das sensações atingirem um nível suficientemente baixo para permitir ponderarmos a situação. O tempo que leva para chegar nesse estágio varia com o estímulo e de pessoa para pessoa.

Ao longo do tempo, a emoção vai amadurecendo, assim como a nossa percepção da situação. Darei dois exemplos extremos.

  1. Extremo 1 – Alguém está em uma rua escura, tarde da noite e sente-se já ameaçado. Uma pessoa se aproxima e nosso alguém foge, instintivamente. Algum tempo depois, não sabe se de fato seria assaltado, mas a “decisão” de fugir tomou conta dele e foi incontrolável. Quando isso acontece, o que segue é a sensação: “nossa, simplesmente agi e não me dei conta”;
  2. Extremo 2 – Nosso alguém agora está em uma situação distinta e diante de uma perda. Pode ser a perda de um emprego, de um ente querido, de um relacionamento ou tantas outras. No momento inicial, ele é tomado pela tristeza e eventualmente pela raiva e medo. Os dias passam, as semanas também e o “luto” dessa perda transforma-se lentamente em saudades, memórias agradáveis e em aprendizado, um processo que pode durar meses.

Qual controle foi efetivamente exercido? Conseguimos escolher, deixar de sentir medo, tristeza e raiva em situações assim? No primeiro exemplo, reagimos antes até de arbitrar. No segundo, houve uma transformação (e como gosto de chamar), um amadurecimento emocional. Falei um pouco sobre isso neste outro post.

É importante registrar que há um debate acerca do tema.

Enquanto acredito não ser possível controlar diretamente e especificamente as emoções, podemos treinar, condicionar reações diante de determinadas situações.

Algumas profissões como a medicina, forças-tarefa de resposta à incidentes e as forças armadas são apenas alguns dos vários exemplos (definitivamente não limitado à esses). Entretanto, não há nada que possa ser feito no intuito de controlar as emoções em si, principalmente em situações novas e desconhecidas.

Aqui, faço uma reconsideração: se eu pudesse escolher aquilo que é mais importante no tocante à inteligência emocional, eu escolheria o aumento do repertório emocional ao invés da metodologia clássica. Talvez os dois em conjunto.

A “Necessidade” de Prever o Sucesso

Vivemos em uma sociedade que venera o sucesso e a percepção dele.

De fato, ao longo das décadas e séculos criamos diversos mecanismos para medi-lo, recompensá-lo e punir os fracassos.

Nesse contexto, o QI teve uma aplicação histórica, inclusive nas guerras mundiais. O conceito de inteligência emocional é promovido desde a década de 90 como fator preponderante em prever sucesso. A ideia é até comercializada assim (e como!).

Existe uma necessidade social e a argumentação em torno da inteligência emocional tenta fornecer a solução, posicionando-se como a saída universal para um problema que não deveria existir.

Se analisarmos a autoajuda dos últimos 20 anos, talvez o que mais tenha sido escrito em milhares de livros e guias são as fórmulas para o sucesso direta ou indiretamente e a inteligência emocional é citada frequentemente nesse contexto.

Não há fórmula para o sucesso. Não há modelo; há um conjunto de indivíduos fazendo o melhor que podem com os seus recursos únicos.

Usando uma percepção mais abrangente, dificilmente a inteligência emocional é o único argumento sobre o sucesso.

Vivemos uma atualidade cheia de métodos, processos e testes dos mais diversos que tentam estereotipar quem tem mais chances ou não. Reforço o termo “estereotipar”, porque é exatamente isso que acontece.

Temos definições de pessoas racionais, emocionais, introvertidas, extrovertidas, julgadoras, sensitivas, intuitivas, bagunçadas, criativas, executoras, sonhadoras… todas concepções realçadas por metodologias de testagem que supostamente apontam quais características têm mais “sucesso” em determinadas funções.

Mas a questão é bem mais complexa.

O resultado dessas metodologias é a classificação dos seres humanos em caixinhas (como escrevi aqui), ignorando a nossa maior característica: a capacidade de mudar, da adaptabilidade e do próprio cérebro de se reconectar.

Reunir indivíduos em conjuntos de pessoas com potenciais características supostamente semelhantes (importante registrar – altamente subjetivas) e arbitrar eliminar ou escolhê-los baseado nessas características não é tão diferente da mentalidade da eugenia do século passado.

E tudo em nome da ciência (não entrarei nem no mérito de outros artifícios que usamos diariamente, pseudocientíficos e bastante populares acerca de uma estereotipação semelhante).

É negar a oportunidade de evolução e mudança (que sabemos que existe) a qualquer um.

Afinal, na sociedade contemporânea e individualista, o que não faltam são exemplos de pessoas que proclamam suas próprias evoluções (irônico e contraditório), ao mesmo tempo em que fazem uso de métricas arbitrárias porque o sentido por si atribuído afaga o ego.

Falar de evolução sem admitir a mudança, através de uma classificação comportamental arbitrária é uma contradição. Aceita que dói menos.

Será que estou advogando contra o uso dessas ferramentas?

Não. Pelo menos não, totalmente.

Advogo contra o uso irrestrito e indiscriminado de aplicá-las para classificar seres humanos. São processos (falo dos que pelo menos tentam ser científicos) que podem ser eventualmente usados por profissionais qualificados para, por exemplo, reunir um grupo de pessoas com características favoráveis.

Mas nunca e eu repito, nunca em processos de seleção, eliminação e escolha ou que podem levar à segregação sob nenhuma forma, algo feito comumente.

Sucesso não é apenas uma questão de escolher as pessoas remotamente adequadas para uma tarefa específica.

Sucesso é muito mais uma questão de dar as condições para que as pessoas cooperem, aprendam e evoluam.

Sucesso é permitir que a diversidade interaja, fomentando a criatividade.

Inteligência Emocional ao Contrário?

Quando mencionei no parágrafo anterior a cooperação, lembro-me de algo que repito à exaustão em meus textos: nós somos em conjunto muito mais do que a soma das individualidades, um quebra-cabeças de peças completamente diferentes que, reunidas, formam uma imagem belíssima.

Somos seres sociais antes de tudo e é por causa disso que estamos vivos como espécie, hoje.

Não é porque alguém descobriu como manipular o fogo e usou isso para aquecer-se: é sobre o compartilhamento da habilidade para a sobrevivência do grupo e talvez a própria definição de civilização passe por isso.

Existe um sábio argumento (pelo menos na minha opinião) sobre o surgimento da civilização, contrário à concepções amplamente estabelecidas como a caça e a pesca, o surgimento de instrumentos, agricultura e de artefatos religiosos.

Há dúvidas sobre a origem do pensamento, atribuído à antropóloga Margaret Mead durante uma aula, mas que tem solidez.

Sobre o início da civilização e da cultura, a sua resposta surpreendeu muita gente:

“Qual o sinal mais antigo da civilização? Um pote de barro? Ferro? A agricultura?”

Não.

Para ela, a evidência mais antiga de uma verdadeira civilização é um fêmur curado [um osso enorme da perna, fundamental e de difícil reparo]. Ela explica que uma cura como essa nunca foi encontrada nas reminiscências de culturas competitivas ou sociedades selvagens. Pelo contrário, nestas, pistas de violência são comuns. (…) Mas um fêmur curado mostra que alguém deve ter cuidado da pessoa ferida – caçou em seu lugar, trouxe comida e serviu ela através do seu sacrifício pessoal. Sociedades selvagens não se sujeitavam a essa “pena”.
[Fearfully and Wonderfully Made (Grand Rapids, Mi.: Zondervan, 1980); Pain: The Gift Nobody Wants (Brand, 1993)]
Adicionalmente, https://stacyhackner.wordpress.com/2020/04/21/that-margaret-mead-quote/ e
https://www.patriciarobertsmiller.com/2020/11/30/margaret-meads-definition-of-civilization/

Pensando bem, qual maior ou melhor definição de sucesso do que o conceito por trás dessa afirmação ou ideia?

Confesso, essa percepção me deixa não só confortável, mas traz um senso de pertencimento e bem-estar.

Sim, eu frisei a palavra “competitivas” no texto atribuído a Mead intencionalmente. Parece que favorecemos essa questão sistematicamente na sociedade atual em detrimento da cooperação. Pódios potencialmente gerando violência, algo que vemos todos os dias nas redes sociais, ao contrário da histórica e comprovada comunhão.

E, talvez agora, você comece a perceber o argumento “inteligência emocional… ao contrário“.

O equívoco não está em achar que inteligência emocional não importa ao aplica-se a tudo: está em achar que é uma responsabilidade individual.

Em nossa busca incessante por medir as pessoas, classificá-las, recompensá-las e puni-las, criamos teorias e métodos supostamente precisos para a tarefa, meio que desprezando completamente a subjetividade e o fato de sermos seres únicos, mas que funcionamos melhor em conjunto justamente por isso.

Existem diversos efeitos colaterais dessa cultura e cito dois importantes: a segregação e o preconceito e a individualização de algo intrinsecamente social e sistêmico.

Falei sobre a segregação e as caixinhas estereotípicas neste post e sobre a individualização neste outro.

Com a inteligência emocional aconteceu algo assim.

Uma breve pesquisa em qualquer site de busca revelará milhares de conteúdos falando sobre o que é inteligência emocional, como cultivá-la e porque ela é importante. Mas o conceito é individualizado, na esfera da responsabilidade e da autonomia completa e absoluta, linha da concepção de protagonismo pregado pela autoajuda contemporânea.

Até mesmo quando abordamos o conceito adjacente de inteligência social, ele está preservado em torno de uma potencial capacidade individual de um ser social, uma contradição conceitual na minha opinião.

E isso atende a uma agenda.

O processo de autoconhecimento é uma jornada para dentro de si. Isso é compreensível (e vende).

Mas uma jornada de autoconhecimento não resolve todos os problemas do mundo e está repleta de percalços e dores.

Tem muita coisa que depende da gente como indivíduos e ser protagonista da própria vida tem um lado extremamente positivo. Autorresponsabilidade.

Contudo, é importante reconhecer as fronteiras desse processo, entendendo que também existem diversas coisas que não dependem unicamente da pessoa.

Contextos familiares e educacionais, profissionais, de sistemas aos quais pertencemos, questões estruturais como fome, doenças, pobreza extrema, governamentais e mundiais que vão muito além do indivíduo são apenas alguns exemplos.

Inteligência emocional não é diferente.

Identificar as próprias emoções, reconhecê-las, encontrar causas raiz, reconhecer as emoções dos outros e usar tudo isso adequadamente reagindo da melhor forma possível contextualmente parece ser uma estratégia de sucesso. Mas se focarmos apenas no indivíduo, a estratégia tem um grande potencial de falhar.

Muita gente tem uma dificuldade enorme de reconhecer as próprias emoções.

Quem dirá reconhecer e aceitar as emoções dos outros.

E quando mencionei no título “inteligência emocional ao contrário” foi neste sentido.

Como seres sociais totalmente interligados, talvez o aspecto mais importante de todos seja permitir a interação das nossas emoções com as dos outros.

Lembrando o que disse alguns parágrafos acima, é impossível para um ser humano não sentir emoções e podemos até condicionar reações favoráveis a intenções de comportamento previamente planejadas, mas sem considerar que todo ser humano da face da terra tem emoções, dizer ao próximo “eu enxergo você” ou “eu percebo você” em um nível emocional não gera apenas empatia.

Coloca-nos no mesmo patamar de existência, fazendo o possível e o melhor dentro das possibilidades de cada um, sem esquecer as emoções.

Precisamos remover essa conversa do debate da validade dos testes emocionais e estereotípicos. Precisamos renunciar ao protagonismo cego, puro e simples e entender que a emoção do outro, por mais que seja conteúdo do próximo, é algo que nos interliga, enlaça-nos em uma existência social que é muito mais natural diante de dezenas de milhares de anos de evolução do que apenas querer controlar o que sentimos.

Eu darei um exemplo prático agora.

Imagine que você leu todo o conteúdo disponível sobre o assunto e chegou à conclusão de seguir à risca as orientações.

Conta até 10, respira fundo… identifica as emoções despertadas, faz o possível para controlar as suas reações momentâneas e intempestivas buscando o melhor resultado esperado.

Essa frase parte do princípio de que temos que moldar o que quer que seja, atuando para chegar a um objetivo.

E isso é um absurdo.

Em um ambiente com pessoas que aceitam-se mutualmente emocionalmente, não há a necessidade de moldar comportamentos além do bom senso.

Há a compreensão.

Diga-me, usar as orientações clássicas ligadas ao tema, que incluem reprimir emoções, traz segurança para você?

Ou o que realmente traz segurança é saber que expor as emoções não será o motivo de julgamento por parte do próximo?

Que tal começar por não julgar as reações alheias?

Não devemos ferir a liberdade dos outros. Mas podemos aceitar que, se todo e qualquer ser humano tem emoções, que elas são incontroláveis (apesar das tentativas) e talvez o que falte aqui é compreensão e aceitação.

É aceitar que, assim como nós, aquele ser diante de você tem seus desafios, seus problemas, sua experiência única e suas formas de exercer tudo isso com ações influenciadas completamente por algo praticamente incontrolável.

Demonstrar emoção é tido como um critério de julgamento para a vulnerabilidade e a vergonha.

O problema está aí.

Falamos tanto do assunto como regulação, controle e manipulação, esquecendo que qualquer um de nós está sujeito às mesmas condições, fisiológicas até.

Reservamo-nos o direito de explodir emocionalmente, mas condenamos todos os outros à vergonha se o fizerem.

Então… apenas então, talvez a compreensão de começar a falar sobre inteligência emocional não seja sobre a gente. Não seja sobre mim ou você separadamente. Seja sobre aquele indivíduo que está a nossa frente, funcionando em conjunto conosco.

Onde se sente seguro?

Em um ambiente onde precisa usar a cartilha da identificação, reconhecimento, controle e atuação, ou em um ambiente onde pode mostrar o que sente, sendo você mesmo sem subterfúgios?

Tem vergonha de chorar em público?

Eu tive, por muito tempo. Talvez ainda tenha.

Tem vergonha de sentir-se triste na atual ditadura da felicidade, permeada por gratidão, positividade, #gratiluz e termos do gênero, conduzindo-nos a construir uma imagem social de perfeição impossível de manter em longo prazo?

Pense um pouco: tem coisa mais absurda do que isso? Negar nossa natureza humana em favor de uma imagem plasticamente perfeita de uma existência mentirosa, construindo um alvo ideal inatingível?

Isso não traz bem-estar. Traz depressão em escala.

Nada disso é remotamente compatível com a inteligência emocional.

Isso é reprimir algo que faz parte de cada ser humano e, nossa, como existe literatura sobre o assunto há séculos!

Somos portadores de momentos de altos e baixos, de tristezas, felicidades, paciência e raiva. Somos agraciados com pensamentos contendo os mais puros sonhos e os mais execráveis desejos. E não há nada de errado com isso, respeitadas as leis, a ética e as patologias (afinal, o limite da compreensão e da aceitação é uma média social salutar que existe, nos protege e há 7 bilhões e meio de razões para, pelo menos, considerar esse fator).

Enquanto não nos sentimos seguros para exercer uma parte de nós que está presente em cada humano que sequer aparece por medo de ser, não há inteligência emocional de nenhuma parte envolvida.

Talvez o assunto seja mais sobre essa compreensão do que versar sobre o que podemos fazer como indivíduos supostamente autônomos, protagonistas e totalmente responsáveis, porque não somos nenhum dos três, completamente.

Talvez inteligência emocional seja sobre o exemplo do fêmur quebrado de Mead e a sua cura, sobre o surgimento da civilização. Talvez seja sobre altruísmo.

Chego à conclusão de que qualquer tentativa de manutenção da inteligência emocional clássica, considerando apenas as nossas reações mais adequadas ao momento é apenas manipulação e atuação. Goleman chega a mencionar a questão através dos camaleões emocionais, mas na década de 90 ele não tinha ideia do que se tornaria a sociedade com o advento das redes sociais.

Não podemos gerenciar as reações dos outros. Podemos apenas deixar o próximo à vontade em expressar as suas emoções, criando um ambiente de confiança e segurança.

E esse perece ser um bom começo.

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Ju e Carlos: Um Olhar Perene, Uma Jornada

Jornada.

Quando leio um livro, uma das seções que mais me fascinam é a de referências porque, afinal, são exatamente isso: as influências, as ideias da fonte, a linha de raciocínio original que deu margem à reanálise, a reinterpretação, à evolução conceitual.

Antes do lançamento do livro “The Infinite Game” de Simon Sinek, ele passou talvez mais de um ano no processo de evangelização do conteúdo, o que incluiu a agradável referência do estudo base de James P. Carse sobre jogos finitos e infinitos.

Podemos afirmar que Simon Sinek estendeu o trabalho de James P. Carse, mas deu sempre o devido crédito (algo raro hoje em dia). Ainda à época, li em um blog na Internet um resumo do conceito bastante interessante… que você pode também ler clicando aqui 😉

Jornada.

Jogo infinito.

Chega uma época em nossas vidas que as metas e objetivos (os jogos finitos) começam a ser percebidos como consequência do jogo infinito jogado.

A nossa atenção sai do chegar, da pressa, da conquista e o prazer começa a ser extraído da jornada, dos pequenos detalhes, das coisas maravilhosas no nosso dia a dia que passam geralmente despercebidas… mas que permitem ser apreciadas quando o foco deixa de ser o chegar.

Contei a nossa história anteriormente e ler aquele texto trouxe uma sensação gostosa demais.

Pontuado de momentos sublimes de percepção aflorada, reafirmam a importância da jornada, do jogo infinito.

E quando pergunto “até quando?”, a resposta em forma de pergunta é emblemática: “realmente importa?”

Jornada.

Mudaria, contudo, algo na percepção de três parágrafos à frente, sobre finais felizes.

Que não haja foco em final. Que o foco seja na jornada, no abraço desejado por ser diário, mas eventual pela distância.

Que a percepção de um final encerre-se no desejo das ações diárias e perenes.

Que as dificuldades e desafios sejam comemorados na companhia, na percepção de apoio e de porto seguro.

Que o “estar” seja traduzido em “ser” na compreensão do momento presente como plano para a estrada, mas exercido de forma plena e livre.

Liberdade para caminhar em conjunto com reciprocidade, compreensão e não apenas troca ou negociações.

Jornada.

Que nossos jogos sejam infinitos e alinhados Rebecca, ops, Ju, neste dia dos namorados.


Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos, ocorrências, nomes, pessoas ou situações da vida cotidiana ou do passado é mera coincidência. A escolha dos nomes da crônica foi baseada na lista de nomes mais comuns no Brasil, divulgada pelo IBGE.

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Utilidade e o Direito de Existir

Quando recebi aquela mensagem pelo LinkedIn no dia 15 de fevereiro de 2021, meu coração explodiu de emoção.

Um misto de felicidade, medo, apreensão, incompetência, competência, utilidade (e inutilidade)… um verdadeiro caldeirão de sentimentos e conceitos conflitantes.

Sensação de incompetência pelos 14 meses sem emprego; competência pelo reconhecimento do trabalho realizado no passado; utilidade pela associação imediata entre trabalho e existir.

Será mais uma entrevista infrutífera? Será mais uma das centenas de candidaturas que não dão em nada e não recebo nem um posicionamento?

Foram 14 meses de questionamentos.

Em 15 dias, estava empregado. Foi um presente de aniversário pensar em um contracheque, ainda mais em um lugar agradável e acolhedor.

Comemorei o aniversário (e o emprego) fazendo um jantar e, para meu pai… bem, talvez ele tenha entendido pouca coisa. Mas entendeu o suficiente.

Recebi uma educação extremamente utilitarista. Ele, como ex-militar que viveu uma guerra mundial quando criança, educou para “os rigores da vida”. Educou no viés da associação irremediável entre existir e ser útil.

Não lembro quantas vezes enfrentei a depressão desde a primeira crise em 2001. Tive que filar das minhas declarações de imposto de renda e só tenho registros de 2007 para cá. Incluindo os anos sabidamente problemáticos e considerando tratamento psiquiátrico como evidência, temos:

2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2013, 2014, 2018, 2019, 2020, 2021.

Aí, inclui anos em que estava em crise e anos onde paguei um profissional (ainda bem, tive condições), de acordo com as declarações.

Caraca, 14 anos?

De 20 anos, não vivi 14 em crise. Fiz pesquisa semelhante para o meu livro e concluí que, crises mesmo, foram 5 (2001, 2005, 2012, 2018 e 2020), praticamente todas relacionadas a emprego e relacionamentos.

A utilidade. A prover… e não conheço algo que afete mais o senso de utilidade e provimento do que uma depressão.

Senti-me um fracasso ao escrever esses anos aí em cima. A realidade batendo com força essa lista na minha cara, quando enfrentei uma condição por muito mais tempo do que gostaria e quando tornei a vida de muita gente um desafio (pra ser light).

Entretanto, quando me deparei com o conteúdo de Brené Brown pela primeira vez, algo em seu livro atraiu a minha atenção irreparavelmente.

Ela iniciou suas pesquisas sobre vergonha e vulnerabilidade no contexto feminino ainda na década passada, até receber a visita (e um comentário) masculino, quando expandiu sua atuação.

Essa passagem caiu como um raio na minha cabeça:

A Coragem de Ser Imperfeito, Brené Brown, Página 59

Claro que o livro contextualiza muito bem a situação e a pesquisa da vida da autora (leitura recomendada, inclusive). Mas é fato que vivemos na sociedade da produtividade, do resultado e do esconder fraquezas a qualquer custo.

Quando li isso anos atrás, comecei a refletir sobre a associação da sensação de utilidade com realização, felicidade e depressão.

Ano passado (2020), essas reflexões ficaram bem mais contundentes.

Não é razão de ser deste texto falar que homens são especiais. Pelo contrário. A questão, como bem coloca a autora ao longo do conteúdo que produziu a partir das suas pesquisas, é que essa situação descrita é apenas uma dentre tantas que existem no intuito de marginalizar a fragilidade, a vergonha e a vulnerabilidade, associando-os à fraqueza.

Trata-se de algo ainda mais perigoso se considerarmos a associação do conceito de erro ou falha à fraqueza também.

Quando decidi produzir conteúdo sobre a depressão em 2016, a vergonha tomou conta de mim e eu tenho a plena certeza que ela toma conta de cada uma das pessoas que enfrenta a condição. Vergonha de parecer frágil e vulnerável. Fazemos o impossível para esconder tudo isso do mundo criando uma persona muitas vezes bem longe das capacidades e da realidade do ser humano.

Cada um de nós tem fraquezas. Tem vulnerabilidades, erra e fracassa. Somos seres imperfeitos produzindo imagens ideais de perfeição para o consumo alheio na prateleira da sociedade, mas isso é algo impossível de sustentar em longo prazo.

Não descreverei aqui o fantástico trabalho de Brené Brown; peço com a devida reverência o seu argumento emprestado para afirmar que o ato de prover e sentir-se útil (“produzir”) são algumas das minhas vulnerabilidades. Adoeci por causa disso e é algo ainda em sedimentação dentro de mim.

No ano passado, no meio da pandemia e sem emprego, o que mais me atingiu foi a concepção de não estar sendo útil.

Logo no início de 2020, com a primeira quarentena, tomei a decisão de criar mais para as redes sociais. Voltei a escrever aqui com mais frequência, produzindo mais provocações no Instagram e até movimentando um canal no YouTube. Em paralelo, consumi dezenas de livros, um hábito há muito negligenciado.

Eu sabia desde o início do ano passado que essa atividade intelectual poderia eventualmente inspirar ou ajudar alguém. Mas confesso, a prioridade era me sentir vivo.

Acredito que o objetivo foi de certa forma alcançado, mas sobrou um gosto amargo na boca.

A realização de que, para mim, a felicidade talvez dependa da sensação de ser útil.

A compreensão de que a associação de felicidade e utilidade com sentir-se vivo liga incondicionalmente ser útil a existir e, diante do afastamento físico das poucas pessoas próximas, expor a vida nas redes sociais foi usado como ato em prol dessa existência.

O contrário, a suposta solidão, percepção de uma existência não observada, compreendida como nula.

Sim, eu sei. É aqui que comumente a pergunta vem à mente: viver para quê?

Então, a recolocação aconteceu.

A utilidade, da noite para o dia, fez-se presente: luz, guia, realização e sim, um pouco de felicidade.

Hoje, pego-me pensando sobre o tema sem aceitar essa associação, por mais que reconheça os seus efeitos práticos. Pergunto-me se não há aí um mecanismo ou argumento milenar em ação. Acho que sim.

Recuso-me a aceitar que a felicidade dependa de sentir-se útil, fazendo uma distinção importante entre utilidade e ação (algo já abordado ao longo da história por tantos filósofos como Sartre e Viktor Frankl).

Então, lembro-me do livroA Sociedade do Cansaço“, de Byung Chul Han, mentalmente associando a “utilidade” às atribuições do “sujeito de desempenho” descrito na obra.

E putz, faz um sentido absurdo.

E sabe quando esses questionamentos internos ficaram mais fortes?

Quando percebi, ainda no primeiro mês de volta ao trabalho, que não só as minhas postagens nas redes sociais caíram em frequência, como comecei a desenvolver uma rejeição a elas, em especial ao Instagram.

Será que substituí o esforço de me sentir útil através da produção de conteúdo por um emprego formal?

Será que cansei das personas perfeitas e irretocáveis, das imagens icônicas de bundas, peitorais, músculos, filtros, bens e bem-estar fabricados?

Será que… quando a gente percebe a fábrica viciada de certas coisas, não dá pra “desver”? Não dá pra ir contra valores e consumir algo que bate na trave?

Não seria essa uma reação de manutenção de uma zona de conforto sobre a qual tanto já escrevi aqui?

Ainda é cedo para responder.

Não obstante, a sensação de sentir-me útil e acolhido profissionalmente tem a sua valia.

Posso recusar-me a aceitar essa realidade, mas ela existe e sinto seus efeitos.

Então, que seja, por enquanto, a comemoração dos dias 15 de fevereiro e 1o de março de 2021.

E que eu possa olhar para o meu imposto de renda em 10 anos e ver os pagamentos para terapia com uma sensação de conquista e superação, desassociado da ideia das crises de depressão.

Quem sabe, lá, terei uma percepção mais clara do direito de existir, diferente de uma condição de utilidade.

Eu quero ter esse direito sem precisar de nada mais. Afinal, se é um direito, não há condições.

Agora, preciso descobrir se as condições são auto impostas.

Aliás, será mesmo um direito?

Parece-me uma conquista individual e diária.

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A Grande Confusão sobre Liderança

Já vi e ouvi inúmeras definições pra liderança.

Já ouvi que liderança é o resultado que você obtém da equipe.

Já ouvi também que liderar é persuadir e convencer, que líder é aquele que está à frente de um grupo, que tem autoridade ou que liderar é sobre servir.

Diante da leitura de inúmeros livros sobre o tema, a palavra “liderança” parece ter propriedades mitológicas e termina com um significado diferente para cada um de nós, sem mencionar que existe uma diferença gigante entre o conceito presente em livros famosos e a prática diária.

Então.

Há anos os indivíduos são medidos por valores tangíveis, seja na vida pessoal ou profissional.

Nas corporações, temos inúmeros indicadores de desempenho e métricas que são usadas para avaliar se as pessoas estão no caminho certo, se os objetivos serão alcançados dentro do prazo, permitir detectar falhas, corrigi-las e não há nada de errado com isso.

Por outro lado, no âmbito pessoal, com o surgimento das redes sociais, temos cada vez mais a ligação de coisas materiais e quantificáveis à identidade das pessoas. Temos a associação de sucesso àquilo que é possível mostrar para os outros, àquilo que é possível contar.

Isso aparece sob as mais diversas formas, como bens, provas sociais, número de seguidores ou amigos, curtidas, cursos e formações, diplomas, certificados e dinheiro.

E, como tudo aquilo que pode ser quantificado e contado, pode ser também ordenado e classificado. Seria tudo muito simples, se funcionasse.

Surgem então os pódios e as premiações, a busca pelo desempenho através da comparação e o conceito prático de que líderes são os que estão no topo da cadeia alimentar.

Eu quero estressar o argumento do conceito prático, porque apesar de termos literatura de décadas falando o contrário, esse é o comportamento hoje.

As pessoas que são consideradas de maior valor passaram a ser as de maior performance e também… aquelas que são recompensadas.

E aqui, o estado atual da sociedade mescla a questão profissional com a pessoal, associando tudo aquilo que pode ser medido à identidade, levando a um comportamento egóico e centralizador.

E se é assim que medimos e recompensamos o sucesso, cada vez mais se foca na performance à todo custo. As relações sociais e a cooperação saem prejudicadas em favor dos números.

Com critérios bem definidos e medidos de um suposto sucesso, é claro que os indivíduos buscarão a mesma métrica para benefício próprio, procurando aprender cada vez mais o que é conhecido como hard skills, ou habilidades e competências fáceis de identificar, medir e associar ao mesmo sucesso.

Perceba a equação que está em jogo aqui:

  • O sucesso passa a ser algo bem definido;
  • O sucesso pode e deve ser medido;
  • Indivíduos são recompensados e promovidos por esse sucesso;
  • A forma de chegar lá é através das competências que podem ser ensinadas, aprendidas e também medidas.

O efeito colateral disso é que os indivíduos que avançam na vida são aqueles que entenderam como essa equação funciona e tiram o melhor proveito dela.

Então, uma confusão gigantesca se instala.

Há a associação da ideia de que um líder de valor é aquele que tem sucesso… é aquela pessoa que subiu na escada da vida usando esses critérios.

Colocamos em posições de liderança indivíduos que tem ótima performance, mas não consideramos o que realmente importa para um líder.

Pior, cobramos esses líderes usando a mesma equação de sucesso e terminamos com o conceito de que o objetivo de uma liderança é dar resultado, cobrar a equipe e medir desempenho, passando a mensagem de que para crescer e se transformar em um líder deve-se usar os mesmos critérios.

Só que liderança não é um cargo ou uma função.

Liderança não é atribuída… Liderança é conquistada.

E você acha que é só isso?

Instituímos uma cultura de punição e recompensa, a famosa dupla “cenoura e chicote’.

Se no seu trabalho hoje você ganha um bônus ao atingir suas metas, então a sua empresa acredita que essa é uma boa forma de motivá-lo.

Há décadas, achamos que a melhor forma de motivar uma equipe é através da recompensa, do medo ou aversão à perda, mas não existem evidências científicas que suportem isso para atividades complexas.

Pra falar a verdade, existem evidências apontando para o oposto.

Recompensar o desempenho, quando a atividade é simples, repetitiva e não exige muito da cognição, traz resultados positivos.

Mas quando a atividade é um pouquinho complexa e exige uma análise mais profunda, a ideia da cenoura e do chicote simplesmente não dá resultado… Pelo contrário, atrapalha!

E o que isso tem a ver com liderança?

Bem…

Falamos brevemente sobre hard skills… E você já deve ter ouvido falar em soft skills também.

Eu não gosto dos conceitos de hard skills e soft skills porque eles geram uma separação que não existe quando, na verdade, estão conectados… Mas para fins de entendimento, eles servem.

Enquanto as hard skills são mais técnicas, tangíveis, objetivas e podem ser ensinadas, quantificadas e medidas, as soft skills são intangíveis e estão diretamente relacionadas com quem somos como pessoa, como nos relacionamos e agimos.

De um lado, temos coisas como aprender uma língua, fazer um curso superior, usar um computador ou programa, aprender uma linguagem de programação ou tantos outros exemplos que estão relacionados ao potencial exercício de um ofício.

É o aprendizado utilitário bem definido e avaliado.

De outro, temos a confiança, a empatia, a capacidade de se comunicar e até a inteligência emocional.

Hoje, o sucesso é medido através do exercício de hard skills. Somos quantificados e recompensados através delas.

Mas para a liderança, o que mais importa não são as hard skills.

São as soft skills.

E a explicação é simples: eles promovem a conexão entre os seres humanos, literalmente criando uma corrente do bem.

Só que ninguém recompensa por soft skills porque são difíceis de medir.

Lembra da nossa equação do sucesso? É através dela que somos julgados e consequentemente recompensados ou punidos. É esperado que essa mecânica termine como um fator de motivação, mas o que realmente traz motivação é o exercício das soft skills e por isso são tão importantes para a liderança.

Em outras palavras, não só medimos errado, como recompensamos errado.

E o resultado disso é encontrar uma epidemia de líderes egoístas que pensam apenas na autopromoção e uma cultura de crescimento profissional calçada na comparação, onde é mais do que comum pisar na cabeça dos outros para crescer ao invés de ajudar.

Você já percebeu o estado atual das postagens numa rede profissional como o LinkedIn? A grande maioria é pura autopromoção.

É a realidade de que a comunidade serve ao suposto líder… Mas deveria ser o contrário! O líder existe para servir à comunidade.

Não adianta de nada ler O Monge e o Executivo, entender o conceito de líder servidor e a prática ser outra, recompensando quem consegue mais cenouras e foge mais rápido do chicote.

O interessante é que esse conceito tem mais de 50 anos, achamos ele fantástico, mas incentivamos as coisas erradas.

Quando entendemos isso, percebemos que a conquista de objetivos e metas deve ser o efeito colateral do emprego de soft skills, de boas práticas de liderança e ainda ganhamos o bem-estar e saúde mental de bônus.

Agora, perceba a importância de quando eu disse que liderança é conquistada.

Uma pessoa é reconhecida como líder… E não auto intitulada. Ela é eleita.

Consegue perceber o conflito que vivemos hoje?

Liderança passa longe do egocentrismo… Se o papel de um líder é servir, tornar os outros capazes, habilitar e usar soft skills que estão totalmente ligadas à nossa capacidade de nos relacionarmos, justamente por isso um líder é eleito líder… porque as pessoas confiam e sabem que podem contar com ele.

E aqui, entra o conceito mais bonito de todos.

Não há métrica para confiança, empatia e comunicação. Não há métrica para inteligência emocional, honestidade e compaixão. São todos conceitos subjetivos que estão na cabeça e no coração da ponta que recebe.

Então, quando um líder é reconhecido e eleito, as respostas estão nos corações de cada pessoa que se relaciona com ele.

Não há esforço que um grupo ou organização faça para transformar alguém em líder se ele não for reconhecido como tal pelos demais membros do grupo.

Um indivíduo pode ocupar um cargo de chefia, de gestão e hierarquicamente alto. Mas ninguém pode ser colocado como líder forçadamente.

Se você acha que é um líder pelas qualificações mensuráveis que tem, é bem provável que não seja… Pelo menos não por esses critérios.

Novamente, mais uma coisa linda a respeito desse assunto: se um líder é reconhecido e eleito, ele pode ser qualquer pessoa em qualquer posição dentro de um grupo.

Qualquer um pode ser um líder, se esboçar as características adequadas e não existe associação mandatória entre liderança e posição hierárquica.

Mas os grupos, as empresas e organizações querem que você acredite que o seu chefe ou gerente é obrigatoriamente um líder.

Com isso, na realidade, estão apenas comprovando que não entendem absolutamente nada sobre o tema ou gestão de pessoas.

O que me deixa surpreso é que todos nós temos esse potencial, mas não exercemos… E pra ser um líder, ao contrário dos cargos de gestão, não precisa de um diploma, mestrado ou MBA.

Basta começar se importando com quem está ao seu lado.


Conteúdo Adicional

Artigos:

Punição e Recompensa
https://rmcholewa.com/2019/07/08/punicao-e-recompensa/

Das Métricas e Metas às Pessoas
https://rmcholewa.com/2017/09/13/das-metricas-e-metas-as-pessoas/

Vídeos:

Dan Pink e a surpreendente ciência da motivação
https://www.youtube.com/watch?v=rrkrvAUbU9Y

There’s NO Such Thing as “Soft Skills” | Simon Sinek
https://www.youtube.com/watch?v=o9uzJ0LgvT0

The Most Important Trait of a Leader | Simon Sinek
https://www.youtube.com/watch?v=eKQSLgtNcVo

Referências:

Ordonez, Lisa D.; Schweitzer, Maurice E.; Galinsky, Adam D.; Bazerman, Max H.: “Goals Gone Wild: The Systematic Side Effects of Over-Prescribing Goal Setting”. Harvard Business School NOM Unit Working Paper n. 09-083 [Online] // janeiro de 2009. Acesso em 08 de abril de 2021. DOI: 10.2139/ssrn.1332071

Sendjaya, Sen; Sarros, James C.: “Servant Leadership: Its Origin, Development, and Application in Organizations”. Journal of Leadership & Organizational Studies. 9 (2): 57–64. // setembro de 2002. doi:10.1177/107179190200900205

Suvorov, Anton: “Addiction to Rewards” [Online] // junho de 2013. Acesso em 09 de abril de 2021. DOI: 10.2139/ssrn.2308624

Livros:

O Monge e o Executivo, James C. Hunter: https://amzn.to/39XRVqm
Motivação 3.0, Daniel Pink: https://amzn.to/3uFHuQ8
Sociedade do Cansaço Byung-Chul Han https://amzn.to/38xRGSo
O Ego É Seu Inimigo, Ryan Holiday: https://amzn.to/3eb4BcJ
Líderes Se Servem Por Último, Simon Sinek: https://amzn.to/327pTWa

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Destruindo Identidades

Você compartilha frases de efeito ou aquilo que faz sentido, no impulso?

Então.

Permitam-me lançar mão de mais uma provocação aqui pra vocês. Como sempre, não tem certo ou errado… É pra fazer pensar.

Nem tudo o que faz sentido é o mais adequado.

Repetir o que um monte de gente fala, é facil, principalmente quando concordamos e reforçamos nossas próprias crenças. Esse conceito é a base do sucesso das fakenews e também o motivo pelo qual refutá-las causa as maiores brigas na internet.

O efeito manada (Asch, 1951), tão estudado na psicologia e que está associado à conceitos como zona de conforto e viés de confirmação tem grande participação aqui.

Ter opinião própria não é necessariamente escolher dentre as opções com as quais simpatiza.

O ideal é ir a fundo, pensar por si próprio, questionar, criar novas opções e estar aberto a novas evidências.

E aqui, a ironia: depois de achar que teve uma suposta ideia original, perceber que alguém potencialmente já chegou antes de você.

Isso é um processo… e é massa, porque provoca a interação com o diferente, promove a diversidade e nos traz benefício através do exercício da criação, ampliando os nossos horizontes.

Pensar dá trabalho e é incômodo.

Pensar mesmo é desafiar nossas próprias crenças e existe uma associação muito profunda e comum entre crenças, identidade e ego. Sem espaço para desafios assim, pouco evoluímos.

Desafiar as crenças dos outros e muito fácil e prazeroso até… Na maioria das vezes, temos dois ou mais egos brigando para vencer um argumento e, quando vencemos, o nosso ego chega brilha de felicidade.

Mas desafiar as próprias crenças é bem mais complexo.

Curtir aquilo que você vê nas redes sociais e concorda, dá uma massageada no ego e traz um senso de pertencimento, comunidade e identificação.

O desafio é encontrar algo com o qual não concorda e ter a coragem de considerar. Parar por um momento e refletir para descobrir se daí surge algo novo.

Estudos apontam (referências ao final) que passamos pelo menos 3 horas por dia nas mídias sociais e esse número aumenta a cada ano.

Pera… Mas o que isso tem a ver com ego, crenças e pensar?

TUDO.

Vamos fazer uma pausa para entender melhor o que isso significa.

Nossa presença na Internet é mediada em boa parte pelas redes sociais.

Nelas, criamos identidades, avatares que representam aquilo em que acreditamos.

É muito comum esses avatares serem representações de quem achamos que somos ou desejamos ser, um ideal de imagem e comportamento que perseguimos.

E, diante desse conteúdo, nossa faculdade crítica é naturalmente reduzida.

Quando afirmo que a nossa presença na Internet é mediada pelas redes sociais, significa que tudo aquilo que produzimos NÃO chega à quem nos interessa.

Chega a quem interessa à rede social. E o contrário também acontece. O conteúdo que chega para você é escolhido pelos interesses das redes sociais.

Além disso, toda rede social é construída em torno de uma mecânica de engajamento.

Quem gosta de algo, curte, compartilha e segue. Quem não gosta, comenta e engaja. Já percebeu aonde quero chegar?

Todos aqueles que interagem com o nosso conteúdo e concordam com a gente ampliam a nossa identidade que foi criada PARA as redes sociais. Reforçam aquele avatar que criamos e que é a nossa própria representação do ideal.

Boa parte daqueles que discordam também interagem com o nosso conteúdo… Mas consideramos qualquer discordância um ataque à identidade criada.

Somos tão preconceituosos que qualquer conteúdo nas redes sociais já é precedido de uma concordância ou discordância, baseada na identidade de quem o produz, antes até de lermos ou entendermos o que a pessoa disse.

Em qualquer um dos casos, as redes sociais saem ganhando, porque o engajamento foi gerado.

O efeito colateral disso é que temos ou o reforço do ego ou um ataque à identidade e pouquíssimo espaço para um debate no nível das ideias.

De fato, debater ideias a partir de discordâncias nas redes sociais é praticamente impossível e o resultado, na grande maioria das vezes, são os ataques pessoais.

Agora que eu expliquei a mecânica das redes sociais pra você, voltemos ao tema do início.

Por que compartilhamos conteúdo com o qual nos identificamos?
Por que entramos em brigas na Internet?

O motivo é o mesmo.

Reforço na identidade e no ego, senso de comunidade e pertencimento. Procuramos aprovação mesmo quando discordarmos.

Pense comigo: é tão difícil assim perceber essa busca por aprovação, tanto quando concordamos quanto quando discordamos?

Ao compartilhar algo na Internet, buscamos por aprovação.

Ao discordar de alguém, atacamos a identidade do outro lado e também procuramos identificar quem concorda conosco e discorda do autor original.

Em ambos os casos, temos uma situação de ‘NÓS” e “ELES” e ocorre uma polarização em grupos.

Ou seja, termina sendo tudo sobre identidade, ego e pertencimento.

Antes de compartilhar qualquer coisa… Esqueça por um momento quem falou ou postou. Leia com atenção a mensagem e analise se há coerência nela.

Melhor, busque por evidências que apoiem ou não o que foi dito.

Se você não concordar com algo, faça a mesma coisa. Pergunte-se: discordo dessa mensagem por causa da pessoa que falou ou há alguma evidência contra ou a favor do conteúdo?

E agora estamos falando de evidências, não de opiniões.

Em ambos os casos, será que eu sou capaz de fazer um comentário que envolva APENAS o argumento usado? Será que eu consigo interagir com o conteúdo sem necessariamente formar uma opinião influenciado pela identidade de quem disse?

Será que eu tenho a coragem e sou capaz de validar meu próprio argumento através de evidências e correr o risco de ter que mudar de opinião?

Eu faço uma proposta a você: ao repostar algo que achou interessante ou interagir e comentar com algo que não concorde… Pense: quais crenças minhas estão atuando para concordar ou não com aquilo?

Em seguida, pergunte-se: existem evidências que suportem minhas crenças ou elas são alimentadas apenas pela minha opinião?

Se você quer chegar ao fundo de qualquer assunto, lembre-se: não se refuta evidências com opinião.

Se não quer chegar e apenas deseja reforçar seu ego… Então, tá tudo bem. Mas entenda que é isso o que está acontecendo. De repente, é essa a intenção mesmo.


Referências:

Mais Ou Menos 150
https://rmcholewa.com/2018/03/10/mais-ou-menos-150/

A Realidade dos Avatares
https://rmcholewa.com/2020/10/23/a-realidade-dos-avatares/

Crenças, Verdade e Identidade
https://rmcholewa.com/2021/02/05/crencas-verdade-e-identidade/

As Cômodas Caixinhas Estereotípicas
https://rmcholewa.com/2021/02/14/as-comodas-caixinhas-estereotipicas/

Identidade, Crenças e Equilíbrio Emocional
https://rmcholewa.com/2020/07/18/identidade-crencas-e-equilibrio-emocional/

How Much Time Do People Spend on Social Media?
https://review42.com/resources/how-much-time-do-people-spend-on-social-media/

Americans Flock to Social Media as They Start to Feel the Impacts of COVID-19 More Closely
https://www.ipsos.com/en-us/knowledge/new-services/Americans-Flock-to-Social-Media

Asch, Solomon: “Effects of Group Pressure on the Modification and Distortion of Judgements” [Artigo] // Groups, Leadership and Men / ed. Guetzkow Harold Steere. – [s.l.]: Carnegie Press, 1951. – pp. 177-190;

Hou, Youbo [et al.]: “Social media addiction: Its impact, mediation, and intervention” [Online] //Researchgate. – Fevereiro de 2019. – Acesso em 03 de abril de 2021. – DOI: 10.5817/CP2019-1-4

Hill, Russel; Dunbar, Robin: “Social Network Size in Humans” [Online] // PubMed. – Março de 2003. – 22 de 06 de 2018. – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26189988;

McCarthy-Jones, Simon: “Social Networking Sites May be Controlling Your Mind – Here’s How to Take Charge” [Online] // The Conversation. – 05 de 12 de 2017. – 02 de 09 de 2018. – https://theconversation.com/social-networking-sites-may-be-controlling-your-mind-heres-how-to-take-charge-88516 ;

Wilson Brent, Gale: “Constructivist Learning Environments: Case Studies in Instructional Design” [Livro]. – [s.l.] : Educational Technology Publications, 1998. – Segunda edição;

Snyder, Mark: “Public Appearances, Private Realities: The Psychology of Self-monitoring” [Livro]. – Nova Iorque : W. H. Freeman and Company, 1987;

Livros:
O Ego É Seu Inimigo, Ryan Holiday: https://amzn.to/3eb4BcJ
O Erro de Descartes Antònio Damásio: https://amzn.to/2ZUTwr8
Um Novo Mundo, Eckhart Tolle: https://amzn.to/320RWXy
Fodeu Geral, Mark Manson: https://amzn.to/3ebgZtq
Líderes Se Servem Por Último, Simon Sinek: https://amzn.to/327pTWa
Algoritmos de Destruição em Massa, Cathy O’Neil: https://amzn.to/3fF4LxA
A Era do Capitalismo de Vigilância, Shoshana Zuboff: https://amzn.to/3cKNZeh


Créditos de imagem: Shutterstock em https://revistaeducacao.com.br/wp-content/uploads/2017/05/shutterstock_548868466.jpg

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Sobre Crenças Limitantes Autoimpostas

É inquestionável a característica de sermos seres sócio dependentes.

Nascemos incapazes de sustentar a vida autonomamente e sem o apoio dos sistemas sociais, profundas consequências ocorrerão.

Nos últimos 2 anos, emendei por um bom tempo o auto #isolamento da depressão com o isolamento da #pandemia.

Mistura perigosa.

Quem é próximo sabe que um dos recursos que mais usava era ir a um local de ampla circulação de pessoas, trabalhar e #escrever de lá.

Nossa, como sinto falta e como me fazia bem.

Cafés e shoppings eram meu ambiente preferido até a natureza da vida trazer mudanças e “sugerir” uma adaptação.

Senti a porrada. Sentimos a porrada, certamente.

Mas negar o inevitável não produz potencialmente resultados positivos.

O que produz é reconhecer o estado atual e planejar adaptações de acordo.

Caramba, como eu me impunha #comportamentos limitados sem NENHUMA base, seja prática, emocional ou racional!

Eles simplesmente estavam lá.

Hei de investigar o porquê.

Uma dessas limitações?

“Escritório não é lugar de plantas.”

Quem disse?

Outra limitação?

Conferências virtuais não são um lugar legal para fazer #brainstorm, para conversas aleatórias ou para desabafar.

Quem disse?

Quer mais uma?

“Não dá pra ter empatia através de conferências virtuais.”

Cagar regras traz um senso de mundo ordenado, algo que pode ser benéfico em um contexto desordenado.

Mas cagar regras demais pode destruir a #adaptabilidade e a #inovação.

Conheçam “Esperança”, minha mais nova companhia:

Um #Bonsai talvez seja um excepcional exemplo da capacidade de adaptação e resiliência de um ser vivo. Ele molda-se totalmente às limitações impostas, mesmo que artificiais e produz um resultado belo, elegante e duradouro.

“Não é o mais forte que sobrevive,
nem o mais inteligente,
mas o que melhor
se adapta à mudanças.”

Leon C. Megginson

Pensava que essa citação era de #Darwin?

Pois é, não é.

Questione, questione-se, reinvente-se e o número de possibilidades simplesmente explodirá.

#OGuiaTardio #Evidências #Adaptação #Depressão #Mudanças #Sociedade

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Marketing Digital: Anúncios e Mais Anúncios

Acho que li o clássico do marketing digital “Jab, Jab, Jab, Right Hook“, de Gary Vaynerchuk (mais conhecido como Garyvee) uns bons 6 anos atrás.

A partir dele, todo um mercado foi escrito.

Toda uma série de métodos, processos e técnicas para vender através das redes sociais e do digital.

A técnica é, em resumo, simples:

  1. Entregue;
  2. Entregue mais;
  3. Entregue mais uma vez;
  4. Então, faça um pitch de vendas subliminar.

De lá para cá, percebo que muitos questionam a validade da técnica e alguns argumentam que, no mundo atual, já não é mais necessário fazer os “jabs”: o negócio é o gancho de direita o tempo todo e nada subliminar.

Quem sou eu para argumentar qual técnica funciona.

Mas como potencial consumidor, sinto-me cada vez mais acuado.

Os feeds estão saturados de pitches de venda o tempo todo e, hoje, quando reconheço um deles, a rejeição é imediata.

Não há entrega.

Não há valor.

O marketing digital virou o produto em si e sozinho.

Há o requentar de frases de efeito, paráfrases de supostas novidades exclusivas que, na grande maioria, nada mais são do que os velhos conteúdos reembalados.

E olha que antes tínhamos pelo menos o efeito remix, mas atualmente não há sequer interpretação de texto.

Há cópia com uma nova roupagem.

Sinto-me enganado, bombardeado com variações da frase “mude sua vida” seguida de “compre agora”.

E você, como se sente?

Eu entendo que, com a pandemia, muita gente migrou para o digital como forma de sobreviver e isso pode ter influenciado a questão.

Será que a realidade foi sempre assim e os argumentos de venda apenas mudaram de lugar?

É possível.

Entretanto, tomei uma decisão depois de respirar fundo.

Se não há conteúdo, coerência entre ele e o pitch de vendas, clareza da entrega, mas apenas um gancho de direita, gatilhos para capturar meu clique, deixo de seguir.

Resultado?

24h depois, sinto-me mais leve, menos saturado e, confesso, um pouco mais distante dos feeds manipulativos.

A rejeição dos argumentos de venda vazios me trouxe uma vida mais saudável, um pouquinho afastada das redes sociais (e um feed cheio de amigos, gatos, cachorros e filosofia!)

Como anda o seu feed?

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Síndrome do Impostor

Certamente você já deve ter ouvido falar em síndrome do impostor ou, em algum momento da vida, sentiu na pele do que se trata.

Talvez o que não saiba é que, apesar de desagradável, ela pode ser usada a seu favor.

Por onde passa, a síndrome do impostor gera identificação e a noção está comumente relacionada a uma baixa autoestima.

Associado a esse comportamento, temos o medo de sermos supostamente desmascarados como uma fraude… mesmo que as evidências externas reafirmem a competência e os nossos resultados.

Existem algumas perguntas que você pode se fazer para conhecer melhor a questão. Pergunte-se:

  1. Você percebe críticas ou feedback como supostas provas de sua incapacidade ou incompetência?
  2. Você relaciona o seu sucesso à sorte?
  3. Você sofre profundamente diante das menores falhas ou equívocos no que produziu?
  4. Você acredita que é apenas uma questão de tempo para que descubram que você não é capaz?
  5. Você se considera perfeccionista?

E por último, talvez a mais importante:

  • Existem evidências externas do seu sucesso ou competência?

Com essas perguntas, você deve identificar um comportamento de se considerar impostor e uma potencial saída dele.

Convivi com essa sensação durante anos e ainda convivo com ela.

Mas o que eu quero falar para vocês hoje, provavelmente causará uma surpresa.

A síndrome do impostor, por mais desagradável que seja, pode ser usada a seu favor, trazendo resultados positivos.

No livro Think Again de Adam Grant, ele conta a história de Halla Tómasdóttir, que concorreu ao cargo de presidente da Islândia cerca de 6 anos atrás, de como ela superou as dúvidas para sair do último lugar nas pesquisas, chegar em segundo lugar na eleição e de como usou a síndrome do impostor para reavaliar a situação constantemente, superando todas as objeções.

De fato, durante meses ela rejeitou o clamor popular para concorrer à presidência, chegando a achar um absurdo que as pessoas sequer sugerissem a possibilidade.

Deixarei no fim tanto essa quanto as demais referências usadas.

Agora, trago um conceito bem famoso criado por Martin Broadwell na década de sessenta: o dos estágios de aprendizado.

Incompetência Inconsciente

No primeiro cenário, você não sabe o que não sabe. Também chamado de incompetência inconsciente, é aquela situação onde nos deparamos com algo novo, mas sabemos tão pouco a respeito que é impossível avaliar o quanto não sabemos.

Incompetência Consciente

No segundo cenário, temos a incompetência consciente e uma boa ideia do quanto ainda precisamos aprender.

Competência Consciente

No terceiro cenário, chamado de competência consciente, aprendemos o suficiente para sabermos que sabemos… E executamos a tarefa de forma competente, mas ainda não no automático e pensamos durante o processo.

Competência Inconsciente

E, no último estágio, temos a competência inconsciente. Já praticamos tanto aquilo que sabemos que a execução fica automática.

É como dirigir um carro depois de anos de prática: podemos sair de casa e chegar ao trabalho sem pensar uma única vez em pisar no freio ou trocar de marcha.

E o que o conceito de Martin Broadwell tem a ver com a história contada por Adam Grant sobre a corrida presidencial na Islândia?

Pra entender a relação, imagine que as pessoas que estão nos estágios da competência consciente ou inconsciente podem exibir um comportamento conhecido como o efeito Dunning-Kruger ou viés do conhecimento.

Estudos científicos apontam que, quando achamos que sabemos de algo, cometemos o equívoco de achar que sabemos mais do que de fato sabemos.

E quando isso acontece, paramos de aprender.

Aqui, perceba relação com a síndrome do impostor.

Quando ela ocorre, um dos efeitos colaterais positivos é sempre achar que podemos melhorar ou aprender algo.

Se por um lado achar que é um impostor pode provocar a paralização pelo medo, por outro, a síndrome pode ser também um excelente mecanismo para sempre se superar.

Pense na síndrome do impostor e no efeito Dunning-Kruger como opostos. De um lado, a sensação de incompetência e, do outro, a arrogância de achar que sabe de tudo.

Halla, a candidata à presidência da Islândia, relatou sofrer desde os oito anos com a síndrome do impostor… Mas ela também afirma que foi um dos maiores motores para avaliar a situação e impulsioná-la na direção da superação.

A história é curiosa porque, um dos seus maiores concorrentes no início da corrida presidencial e líder nas pesquisas era um candidato que demonstrava egocentrismo e arrogância… E acabou quase em último lugar.

Se a síndrome do impostor causa a impressão em nós de que sempre estamos vivendo a incompetência inconsciente ou consciente, a sensação de estar aí nos faz questionar e estar abertos ao aprendizado.

É contra intuitivo achar que questionar ou repensar uma situação ou opinião leva a decisões e escolhas erradas.

Mas o que os estudos evidenciam é exatamente o contrário: quando nos damos a oportunidade de reavaliar o que achamos, na média, decidimos melhor.

Então, quero deixar três mensagens para vocês.

Se você acha que sofre com a síndrome do impostor, saiba que ela pode ser positiva, desde que não cause paralização e que todos nós somos imperfeitos.

E para que ela não trave você, recorra às evidências externas do que faz. Certamente entrará pessoas que respeitam você, o que faz e o resultado que obtém.

Segundo, como bem coloca Adam Grant, permita-se questionar, pensar novamente e reconsiderar, mesmo que tenha absoluta certeza de algo. O aprendizado depende disso.

E em terceiro, fuja do viés da autoridade. Não acredite em algo por causa da identidade de quem afirma, mas por causa da força das evidências. Se as evidências mudam, talvez esteja na hora de reavaliar e mudar de opinião também.

Com isso, você abrirá as portas para o aprendizado e ressignificará algo que é aparentemente limitante inicialmente, mas que pode ser usado em seu benefício.

Use a oportunidade para ficar aberto ao aprendizado e evoluir cada vez mais.


Conteúdo Adicional e Referências

Vídeos

Referências:

Livros:


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Um Passo de Cada Vez

Comecei na área de tecnologia aos 16 anos.

Se contar dois anos de estágio, são 30 anos de estrada.

Destes, foram cerca de 4 anos e meio sem emprego, em 3 períodos (3 anos, 6 meses e 14 meses), ao longo da carreira.

Não houve período fácil.

Fui educado a ser útil. Algo profundamente enraizado em minha identidade.

Não ter emprego destruiu essa identidade e realizou profundas mudanças, construindo outras.

Aprendi, reinventei, resisti; chorei, cambaleei, cai.

Levantei.

15 anos atrás, lembro de uma palestra onde uma proeminente figura da área falou sobre o tema.

Numa paráfrase, disse respeitar aqueles que vão à falência, aqueles que quebram, ficam à margem e retornam.

Não ha maior aprendizado.

Mas hoje, olho para o passado e percebo como fui privilegiado.

Apesar dos períodos de fome, não moramos na rua.

Apesar das diversas crises de depressão, houve uma saída.

Apesar dos apertos, cicatrizes e quedas, houve uma infraestrutura mínima de sobrevivência.

Mas nem todos tem essas oportunidades.

Nem tudo o que é possível para o ser humano é possível para todos.

Meu mais profundo respeito aos milhões de pessoas que ainda lutam ou que já desistiram.

Se você está lendo esse texto, do fundo coração, mesmo desistindo, eu gostaria de dizer a você que há uma luz no fim desse túnel, apesar de só poder falar da minha limitada experiência.

Quando nos sentimos no fundo do poço, o desespero bate à porta. Lá, é um desafio gigante perceber o todo. Às vezes, tudo que a gente precisa é colocar um pé na frente do outro, dar um passo. Olhar para o pé que está atrás, movê-lo pra frente e dar outro passo.

E quando menos esperamos, não estamos apenas caminhando; estamos deixando o fundo.

#UmPassodeCadaVez #Depressão #Desemprego #Pandemia #Superação #Oportunidade #Esperança

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Expectativas e Felicidade

Não sou especialmente fã de fórmulas para a felicidade ou para o sucesso.

Mas Mo Gawdat tem um argumento interessante:

A felicidade é igual à percepção dos acontecimentos da vida ao nosso redor menos as expectativas que criamos e aceitamos (Gawdat, 2017).

Ter confiança e autoestima é ter a capacidade de desafiar expectativas.

Libertar-se das expectativas e dos julgamentos dos outros é essencial para a felicidade.

Só você é capaz de avaliar e entender o que é importante para você.

Eu sei, o desafio é grande.

Lembre-se: qualquer expectativa externa é um conteúdo dos outros, não seu.

Sim, a ideia que as pessoas têm de quem somos é uma construção do outro, não nossa.

E como lidamos com as nossas próprias expectativas?

Vivemos em uma sociedade da autonomia, onde somos levados a crer que tudo é possível, basta querer.

Isso gera um efeito colateral terrível: substituímos a aceitação dos pontos fortes pelas expectativas de supostamente melhorar o que consideramos falho.

Atitude louvável… Mas já parou para entender o que você realmente tem de especial, ao invés de focar no que acha ser um defeito através da comparação?

Expectativas e comparação andam juntas, mas separam as pessoas.

Cooperação aproxima.

O Guia Tardio, Romulo Cholewa
(disponível na Amazon: http://oguiatardio.com)

A Fórmula da Felicidade, Mo Gawdat
Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han
Descubra Seus Pontos Fortes, Tom Rath

#OGuiaTardio

#Felicidade #Expectativas #PontosFortes #Sociedade #Autonomia #Responsabilidade #Cooperação

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Uma Volta Ao Redor do Sol

Aniversário, convenções.

Uma volta ao redor do sol, calendário, 1 ano a mais (ou a menos?): 46.

Quando a gente tem 15 anos, olha pro futuro e vê a imensidão do desconhecido, um conceito de tempo à perder de vista.

Nada do que se viveu até então é parâmetro para o que está por vir, o que torna o olhar para o futuro uma experiência de certa forma incompreensível.

Aos 25 anos, os aprendizados, as experiências, a educação e a média social impõem o seu exercício, moldando tanta coisa em nossas vidas. Trata-se de uma percepção de tempo tangível, jogando a luz da compreensão para o futuro.

O sentimento que nos toma é de que há tanta coisa por se realizar.

Aos 35 anos, surgem algumas dúvidas em face do passado; questionamos a nossa própria existência e perguntamos a nós mesmos o que fazer. Talvez as escolhas até então não tenham sido satisfatórias… talvez tenham.

Aos 46 anos, a sensação de tempo vivido dá uma claríssima percepção do futuro à frente.

É, basicamente, a metade da vida: sentiu-se na pele como é passar por isso e sabe-se que, daqui pra frente, pelo menos no que diz respeito à experiência de tempo linear, começa-se a estar mais próximo do fim do que do início.

Aqui, para muitos, acontece uma coisa curiosa: a vivência das conquistas do passado faz o sujeito virar-se para ele e a comunicação interna e externa passam a refletir isso.

“No meu tempo era assim…”

“Nossa, lembro de uma época onde conquistei isso ou aquilo…”

Os últimos 15 meses foram de um desafio nunca antes vivido por mim e, certamente, para muitos também.

Ao mesmo tempo, sinto o início de uma espiral positiva de eventos e, ao chegar ao aniversário, olho para o futuro com a mesma percepção que tinha aos 25: há tanta coisa por ser, fazer e conquistar!

É uma sensação estimulante e reconfortante ao mesmo tempo.

#Gratidão
#OGuiaTardio

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A Sociedade do Cansaço

Década de 80, pré-adolescência.

Não entendia ainda muito do mundo que me cercava, mas percebia que, todos os dias ao acordar, meus pais já tinham desaparecido.

À noite, situação semelhante. Até os meus 11 anos, sempre dormi antes deles.

Aos 15, comecei a encontrar meu pai todos os dias no trabalho e a entender como funcionava a hierarquia profissional.

Para mim, uma oportunidade gigantesca.

Lembro que comecei a me interessar pelo mundo da tecnologia na tentativa e erro… e ele, aprendendo também, pedia-me frequente o manual das coisas. A percepção de causa e efeito, da realidade ordenada.

Era um mundo de obediência, de submissão, execução, horário para chegar e para sair.

Trabalhar significava estar presente e seguir as regras.

Minha mãe deixou de trabalhar mais ou menos nessa época por questões de saúde, mas ele seguiu firme e forte até a aposentadoria, 15 anos depois.

Conviver com ele durante a aposentadoria melhorou muito o nosso relacionamento e trouxe a oportunidade de compreender melhor o mundo em que ele desenvolveu a carreira.

E aqui, começa uma dicotomia curiosa.

Eu peguei a transição da filosofia de trabalho do meu pai para outra. A transição da presença das 8 às 18 como métrica de produção para a suposta entrega de resultados.

Expediente deixou de fazer sentido.

A obediência cedeu ao desempenho.

Para alguns, uma evolução. Um sinal de liberdade, ser dono do próprio nariz e independência.

Entramos na era da autonomia, da motivação intrínseca e da [auto]responsabilidade.

Sim, poderia usar aqui o termo “autorresponsabilidade”, mas acredito que responsabilidade atribuída não é responsabilidade; é culpa.

Em outras palavras, responsabilidade deveria sempre ser autorresponsabilidade. Se não for protagonizada, perde o sentido.

Sim, falei isso pra provocar mesmo.

Quarenta anos atrás, o senso de responsabilidade estava intimamente relacionado ao senso de dever, de cumprir com as obrigações, com obediência. Hoje, a responsabilidade está relacionada a si, a identidade.

Pode parecer em princípio que estou falando de um caminho correto e outro errado. Mas não é isso.

São questões distintas, com efeitos colaterais e implicações diferentes, adequadas às suas respectivas culturas e realizações sociais.

Por um lado, enquanto temos o sujeito de obediência preparado para os rigores da vida, ocupado e submisso, com identidade imutável e explorado externamente, por outro, temos o sujeito de desempenho, suficiente e autônomo, com identidade flexível e explorado por si próprio: o mundo o excita e provoca a busca por superação que não tem fim.

De um lado, temos o “ser melhor” associado ao cumprimento do obrigatoriamente estabelecido (externo); do outro, associado a si, a estar diferente de ontem e, por algum conjunto de métricas vis, a comparação de mim comigo mesmo em busca de um ideal de evolução ditado pelo externo.

Vê-se liberdade, tem-se prisão auto imposta; o algoz de si mesmo.

Neste último caso, a quem reivindicar uma mudança, se existe uma associação de evolução própria (ser melhor) com um objetivo máximo a ser alcançado, mas que atende a necessidade do status quo?

De fato, temos o atendimento às necessidades do status quo nas duas culturas.

Temos a ausência de liberdade, embora por motivos distintos, nas duas também.

A diferença é que, atualmente, temos a sensação, a impressão e a clara percepção de liberdade.

Somos levados a acreditar, através da crença do protagonismo, estar totalmente responsáveis por tudo que nos acontece e por todos os resultados que obtemos ou podemos potencialmente obter.

Mas isso simplesmente não é verdade.

Há muita coisa que nos foge ao controle (o que nem é tão importante assim, para fins de entendimento e argumentação). É, contudo, importante perceber o controle que o status quo exerce sobre a nossa existência e não nos damos conta.

É justamente por isso que achamos que temos liberdade.

Volto a uma questão que tenho levantado aqui no blog e em vídeo:

Você acha que ter liberdade é ter escolhas?
Se as suas opções são escolhidas por uma outra parte ou interesses alheios previamente, ainda acharia ser liberdade o ato de escolher?

Se você já leu o sensacional “Sociedade do Cansaço”, de Byung-Chul Han, está familiarizado com alguns dos termos que usei.

Longe de mim recriar a roda. Minha intenção aqui é convencê-lo a ter uma experiência com esse conteúdo, fazer uma crítica de um dos livros mais provocativos e transformacionais que li nos últimos anos e permitir que tire as suas próprias conclusões. Saiba de antemão que não é uma leitura simples e indolor.

“O burnout (…) é a consequência patológica da auto exploração.”
Byung-Chul Han

Das últimas conversas que consegui ter com meu pai sobre questões profissionais, causou-me estranheza perceber que ele não entendia como alguém exerce a profissão sem estar presente das 8 às 18.

Para ele, o conceito foge completamente ao entendimento e agora eu sei o motivo: aprendi que as barras da prisão de outrora apenas ficaram transparentes.

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Olá, Como Você Está?

Sobre simpatia e empatia.

“Oi, tudo bem?”
“Olá, você tá bem?”

As duas perguntas acima vão na direção da simpatia e levantam respostas sociais.

Respondemos no automático: “tudo bem e você?”

Programamos a potencial resposta na pergunta.

Raramente tais proposições provocam um olhar para dentro, uma análise sobre a percepção de si.

Além disso, uma resposta do tipo “tudo bem (…)” é confortável para quem pergunta.

Permite uma conversa evitando potenciais temas desconfortáveis

Mas constroem um afastamento do reconhecimento das emoções, dos altos e baixos que todo ser humano enfrenta.

Laços humanos saudáveis passam pela compreensão mútua.

Manter a conversa no nível da simpatia tem suas vantagens, mas estimular a empatia através da aceitação das emoções alheias estabelece um vínculo duradouro.

Se me permitem uma breve sugestão, substituir o…

“Oi, tudo bem?”

por

“Olá, como você está?”

… Abre a porta para a comunicação empática.

Não é garantido obter uma resposta agradável, mas o respeito pelo momento de cada um é compatível com a existência humana e dá a liberdade à quem responde de fornecer aquilo que achar apropriado compartilhar.


Crédito da foto: https://comunicandopararefletir.blogspot.com/2015/08/voce-quer-um-abraco-amigo-alegres.html

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O Cartesianismo como Estereótipo

Durante algum tempo em minha carreira, havia um lugar onde eu era frequentemente chamado de “cartesiano” de forma pejorativa e, sem dedicar um tempo a entender a questão aprofundadamente, simplesmente reagi negativamente ao estereótipo do cartesianismo.

Na época, o termo era usado em um contexto para descrever uma suposta inflexibilidade de pensamento ou estratégia, comportamento que me incomodou bastante, pois o prático “assédio moral” culminou em frequentes questionamentos de valores e identidade.

Como disse o próprio Alhazen, considerado o primeiro cientista, somos seres humanos falíveis e, por causa disso, o foco no argumento deve preceder a crença na autoridade e como outras tantas coisas que disse Tales de Mileto. ainda antes.

“Nossa, devo ter problemas mesmo”, pensava e pensei por muito tempo… por pura baixa autoestima.

Até descobrir que meus valores estavam adequados e que aquilo não passava de assédio moral, um argumento para validar um dos lados de pontos de vista discordantes.

Há muito aqui a explorar.

O que temos de individualidade ao ponto de interpretar se algo vai contra a nossa própria escala de valores? Como definir uma linha que separa a nossa moral da moral alheia e de uma potencial ética duvidosa?

Como julgar uma moral adequada diante de uma ética questionável? Aliás, como analisar opiniões divergentes sem descambar para o embate de identidades ou, melhor, como detectar quando esse movimento é provocado por divergências de valores?

Se voce já leu “O Erro de Descartes” de António Damásio, deve estar se perguntando o que danado estou fazendo eu, defendendo ideias cartesianas.

Pois bem.

Descartes defendia a separação da mente e do corpo, algo que ficou simbolizado ao longo dos anos como a separação da racionalidade e da emoção em favor do primeiro.

Portanto, uma mente cartesiana é, dentre inúmeras coisas, suposta e equivocadamente uma mente racional, mas inflexível, que obedece a um plano de coordenadas pré-definidas e previsíveis, imutáveis e sem emoções.

Isso acontece não porque hoje em dia duvida-se da separação da racionalidade e das emoções, mas porque Descartes foi o cara que criou toda uma metodologia de questionamento e, basicamente, o que conhecemos como ciência (pelo menos no Ocidente – afinal, Alhazen chegou quase 900 anos antes).

Sim, você entendeu certo: questionar é a base da mudança e era o que Descartes fazia de melhor, por mais ultrapassados que consideremos alguns conceitos deixados por ele.

Aliás, questionar como base da ciência é algo que causa muito mal-estar diante da manutenção das identidades autoritárias e egos, algo totalmente oposto à busca pelo conhecimento fundamentada no questionamento. Autoridade não é evidência e se alguém a coloca como base do argumento ou crença, vai contra mais de 2500 anos de história e aprendizados.

Se por um lado há inúmeras crenças filosóficas e até estudos que demonstram como a racionalidade é indissociável das emoções, bem como o corpo da mente ou tantas características do pensamento cartesiano, isso não significa necessariamente inflexibilidade.

Equívocos certamente foram cometidos por Descartes… mas muitos cometem equívocos ao associar o conceito cartesiano com a defesa do status quo.

Particularmente, saio feliz desse rápido insight. Se tem uma coisa que aprendi ao longo dos anos é que descobrir os nossos valores e respeitá-los é fundamental para a saúde mental, assim como aceitar diferenças e estar aberto ao novo e às mudanças.

Uma aparente antítese, mas que revela uma especial complementariedade.

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As Cômodas Caixinhas Estereotípicas

Ser alfa, sigma, beta, magenta, extrovertido, introvertido…

Fracasso, inventivo, criativo, passivo, depressivo, proativo, preguiçoso, procrastinador…etc?

[este texto é uma continuação natural da
publicação anterior, onde falo
sobre crenças, verdades e identidades,
que pode ser lido clicando aqui]

Se querem colocar você numa caixinha, é porque alguém está lucrando com isso.

Se tem uma coisa que as redes sociais promovem, são as caixinhas, através de algoritmos que segregam as pessoas em bolhas.

Se tem algo fod@ sobre o ser humano é a diferença. A interação entre essa diversidade produz coisas absurdamente legais.

Não vejo como estereótipos NÃO serem limitantes.

Não importa quais sejam, direcionam o nosso comportamento, limitando seriamente a nossa capacidade de aprender, em favor da conformidade.

Ou limitam quem reconhece ou são usados para limitar um grupo por um terceiro e gerar comparação.

E onde há comparação… há alguém vendendo uma forma de você “se superar”.

Não. Aceite. Rótulos.

É prático e cômodo classificar-se e classificar os outros.

Enquanto não reconhecermos os benefícios da diversidade e do diferente, não evoluímos.

Hoje em dia, temos o caminho oposto: egos superfaturados impondo a mesmice.

É a oportunidade de interagir com o diferente que faz a gente sair do conforto, respeitadas as identidades.

Agora, deixo você com um pensamento a respeito das caixinhas socialmente aceitas.

Quantas vezes fez um teste de Internet para determinar características do seu próprio comportamento?

Ainda, quantas vezes fez um teste de QI, de inteligência emocional, Myers-Briggs ou qualquer outra forma de reduzir a imensa capacidade humana da adaptação, de inovar, criar, imaginar e superar-se e teve o seu comportamento limitado pelos resultados?

Dica: você é muito mais do que qualquer resultado obtido ou conjunto de letras.

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Crenças, Verdade e Identidade

Quem procura verdades absolutas talvez procure por estabilidade.

Serenidade, tranquilidade, paz.

Ou a segurança de reafirmar o próprio ego, apoiado em crenças irredutíveis.

Tudo do que menos temos.

Não é porque vivemos tempos especialmente difíceis.

Não é porque o mundo está pior do que era.

É porque a mudança é a única coisa que faz parte da vida de qualquer ser vivo.

Aliás, faz parte de qualquer coisa que você já tenha imaginado, esteja imaginando e possa um dia sequer imaginar.

Perceba que pensamento forte.

Tudo muda.

E é exatamente por isso que verdades absolutas não existem.

Se você baseia a sua existência em verdades absolutas, ou arrumará muita confusão ou quebrará a cara (o que, de certa forma, não deixa de ser confusão).

É preciso ir longe para compreender isso, mas é fácil.

Sim, é fácil.

História.

Não importa se você não acredita em parte dela.

Basta entender como as coisas mudam.

Quanto mais para o passado, mais mudanças.

Agora, voltemos ao ego.

O meu, o seu, o nosso, construído sobre as crenças que apoiam as verdades absolutas, para muitos.

É, existe uma relação direta entre essas mesmas verdades e o nosso ego, a nossa própria identidade.

Elas são construídas sobre as mesmas crenças.

E faz todo sentido não querer mexer nelas.

Mexer em crenças profundas pode transformar quem somos.

Pense em como isso pode ser um paraíso ou um inferno, dependendo da pessoa.

Pode ser o caminho para o crescimento, mas pode ser também a destruição da identidade.

Então uma pergunta válida passa a ser: o que o ser humano é capaz de fazer para proteger a própria identidade em destruição?

Quão longe alguém pode ir para defender com unhas e dentes aquelas crenças que servem de alicerce para quem achar ser?

Quantas percepções de autoridade são construídas em cima dessas crenças e, pior, quantos argumentos vencidos pelo poder resultante da atribuição da mesma autoridade?

Quantas pessoas recusam-se a mudar por acreditar que qualquer argumento discordante é um ataque pessoal?

Em uma época de teorias da conspiração e fakenews, só o fato de entender esse fluxo é o suficiente para compreender o próximo e relacionar-se melhor.

Mas a resistência será enorme. Em um mundo de redes sociais que exacerbam o ego, cada vez mais classificamos a nós mesmos e aos outros em caixinhas.

Esse texto continua.

 

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Foco Na Solução?

Você já deve ter ouvido inúmeras vezes afirmações sobre como deve-se focar na solução e não no problema.

Um líder que fala para um liderado não trazer problemas, mas soluções, é um líder que corre o sério risco de ver a bomba explodir em seu colo ou nunca ter uma visão global da situação.

Uma suposta solução idealizada por um indivíduo é certamente menos eficaz do que uma pensada em equipe.

É cômodo: delega-se, gera-se distância da equipe, terceiriza-se a responsabilidade.

Quando se fecha o canal de comunicação para os “problemas” e aceita-se apenas o que é considerado “solução”, a cooperação é destruída.

Seja transparente e permita que todos sejam também.

É muito melhor que alguém conte para você sobre um problema (hoje) do que permiti-lo trabalhar sozinho numa solução que chegará (amanhã) e poderia ser pensada em grupo (hoje).

Lembre-se: um líder normalmente tem uma visão mais ampla. O que é um problema para alguém, pode ser parte de uma solução para outro e é tarefa do líder realizar essa conexão.

Mas não mencionei onde focar, apenas onde não focar. Permita-me corrigir esse deslize.

Uma excelente solução parte de uma análise adequada do problema e é exatamente o motivo pelo qual considero ser venenoso o foco na solução. Sem entender a raiz da questão, a solução será, no mínimo, incompleta.

Voltando ao foco, ele deve estar na execução e no processo. Uma vez investigado o problema (passado) e idealizada a solução (futuro), a execução está no presente, nas ações que levam à saída.


Texto postado originalmente nas redes sociais (Instagram / Facebook / Linkedin).

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O Estigma Associado às Doenças Mentais na Sociedade Brasileira

Quando tomei conhecimento do tema do Enem deste ano (“O Estigma Associado às Doenças Mentais na Sociedade Brasileira”), resolvi criar o meu relato sob a forma de uma… redação.

O verão de 2001 foi quente e com apagão. Algo estava diferente já há algum tempo, apesar de não saber exatamente o quê.

A vida parecia vazia e nublada, com prazeres nulos e uma tristeza constante. Indiferença.

Se hoje em dia a depressão ainda é “frescura”, vinte anos trás estava ligada a incompetência pessoal, profissional e emocional.

Aliás, permita-me uma rápida correção: ainda está.

Quando as paredes de quarto escuro passaram a fazer parte do contexto de sobrevivência por mais tempo do que o mundo externo, juntamente com o teclado de um PC (a única porta para algo remotamente parecido com viver), a ausente habilidade de trafegar fisicamente para fora desse ambiente disparou um alerta em minha mente.

Sim, algo estava fora do lugar e, se por um lado não havia consciência das causas, passou a existir o consciência da necessidade de fazer algo a respeito.

Ainda bem. Foi o começo do fim daquele martírio.

Uma longa jornada de três anos, daquele quarto para a vida. Começou com a terapia e com o acompanhamento médico, passando pela medicação e pelo aprendizado, invariavelmente ocultados da sociedade, dos amigos e da família.

De fato, o simples fato de ir à terapia causava mau estar nas pessoas próximas. Causava estranheza e julgamento.

Estar sob orientação profissional e medicação provocava rejeição imediata e generalizada, algo totalmente prejudicial à uma condição que demanda apoio e compreensão.

Da mesma forma que aprendi que se dá um passo de cada vez, entendi precocemente, diante do estigma de uma doença mental, a manter a situação privada.

Ao longo dos últimos vinte anos, experimentei diversas outras crises e, sabiamente, optei pelo acompanhamento profissional, necessário à superação do desafio.

Entendi que cada uma delas teve as suas características particulares: não houve uma crise sequer igual à outra, demandando tratamentos distintos com a orientação adequada.

Mas algumas coisas permearam todos esses momentos: o estereótipo, o preconceito da incapacidade social e a rejeição, perpetrados por todos aqueles próximos, com a capacidade de prover apoio.

Em 2017, tomei uma decisão: falar abertamente sobre a situação, no intuito de mostrar à outras pessoas como é possível conviver com ela, viver e ser produtivo, algo que levou à publicação de um livro sobre o assunto.

Se em 2001 senti na pele o preconceito de lidar com a depressão, em 2017 descobri uma realidade muito mais preocupante.

Ao conversar com amigos, colegas de trabalho e familiares de peito aberto, percebi o porquê da condição ser considerada o mal do século.

Os relatos multiplicaram-se às dezenas, através de pessoas que passaram a se sentir confortáveis em compartilhar comigo (mas não publicamente) as suas experiências, mostrando uma realidade até então invisível: uma sociedade doente e com medo do estigma, de prejudicar a empregabilidade, relacionamentos, a busca individual da felicidade e o sucesso ao debater abertamente a situação.

Engano meu achar que muita coisa mudou nesse sentido em vinte anos.

Em 2017, quando tornei público o desafio, muitos me aconselharam a retirar das redes sociais as postagens sobre o assunto. Alguns chegaram a me avisar que aquilo destruiria a minha carreira.

Hoje, percebo que aqueles aconselhamentos estavam parcialmente corretos.

Se por um lado luto para trazer à consciência a problemática no intuito de ajudar e oferecer apoio, por outro o exercício do preconceito tornou-se latente em momentos de transição de carreira, algo especialmente curioso, se considerarmos que dois em cada dez indivíduos convivem com alguma doença mental.

Ela faz parte da vida de praticamente todos nós, apesar do forte tabu relacionado.

Vinte anos depois, pouca coisa mudou. Estigma presente, ainda carregado de estranheza e julgamento.

Como menciona Andrew Solomon no fantástico “O Demônio do Meio-Dia“, há uma razão histórica para isso.

No passado, indivíduos com doenças mentais foram perseguidos, tanto pela religião como pela dita razão, culminando em alguns casos até em isolamento compulsório, punição e morte (Solomon, 2014).

Perpetuar esse tabu apenas alimenta o próprio ciclo preconceituoso. Enquanto a sociedade perceber as doenças mentais como estigma, mais nos afastaremos de trazer quem precisa de ajuda para fora daquele quarto escuro.

Apesar de um contexto histórico, social, político e governamental desfavorável, peça ajuda. Saiba que é possível ter qualidade de vida e ser produtivo.

É possível viver.

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Talvez A Evolução e o Crescimento Morem no “dislike”

Nossa.

Você leu aquele post nas mídias sociais com o qual concorda e trouxe uma sensação super gostosa de ser compreendido e você pensa na sequência:

“É isso!”

É provável que esse exercício não provoque evolução nem crescimento.

Ele apenas reforça o ego, a sensação de que estamos “certos“.

Conforto cognitivo, incluindo a sensação de bem-estar.

É por causa deles que vivemos em bolhas e escolhemos cada vez mais aquele conteúdo compatível com o que pensamos.

É um ciclo.

Uma rodada de reforço do que acreditamos, que não nos desafia, não nos põe pra pensar e não provoca nenhuma outra reação exceto aquele tapinha nas costas mental de sentir-se com a razão.

Existe uma história secular de conceitos à respeito do tema, mas quero focar nas redes sociais.

Escolhemos com quem interagimos e o conteúdo que experimentamos, mas por causa da busca da recompensa instantânea, criamos uma bolha em torno de nós mesmos apenas com aquilo que é agradável.

Lemos e interagimos com posts motivacionais que atestam a nossa competência de estar certo.

Você bate palmas de pé para aquilo que representa quem você é ou quem idealiza ser.

Você segue nas redes sociais o seu ideal de perfeição.

Mas despreza todo o resto.

Em muitos casos, quando não se despreza, frequentemente ataca-se a identidade.

Pois bem.

Evoluir é pensar, considerar, ponderar, mudar.

Não exatamente concordar.

Então, volto a afirmar: parte da evolução está potencialmente no dislike. Está no conteúdo com o qual não concorda, contra as suas crenças e conceitos. Capaz de provocar, de causar desconforto.

Na próxima vez que encontrar um conteúdo que bata na trave, pense: o que há nele em mim? O que não há? Por que causa desconforto e rejeição?

Mas tem um segredo: só funciona se evitar ao MÁXIMO pensar na pessoa por trás do post. PENSE NO ARGUMENTO. Questione-se e questione. Permita-se ir além do lugar comum de sentir-se satisfatoriamente acomodado ou de atacar identidades.

#OGuiaTardio #PiramidedeGraham #Bolha #Argumento #Evolução #CrescimentoPessoal

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Dicas de Privacidade e Anti-Rastreio: Como Dimimuir a Coleta de Dados

Você já teve a impressão de que alguns anúncios na Internet são feitos especialmente para você e que eles lhe perseguem insistentemente?

É meu amigo e minha amiga… Não é impressão.

Isso acontece porque você deu permissão para que conheçam seus hábitos melhor do que você mesmo.

Vem comigo que vou ensinar como diminuir o rastreamento do seu comportamento e as informações que são coletadas sobre tudo que faz online.

Entendendo o Contexto

Em três conteúdos anteriores, falamos sobre os conceitos de segurança, privacidade, anonimato e passei algumas dicas sobre como proteger a nossa vida digital.

Série: Segurança, Privacidade e Anonimato
https://www.youtube.com/playlist?list=PLZpptaC1hqvv4DuyjBHoPRPhBzgapigBE

Capitalismo de Vigilância: Como A Internet Se Transformou e Entregamos a Nossa Privacidade?
https://rmcholewa.com/2020/12/21/capitalismo-de-vigilancia-como-a-internet-se-transformou-e-entregamos-a-nossa-privacidade/

Hoje, vamos focar nas configurações de privacidade que você pode fazer, agora, para diminuir a quantidade de dados compartilhados e o rastreamento online que é feito por padrão.

Como eu disse no último conteúdo com dicas, eu tenho muito receio de sugerir ferramentas ou aplicativos para ajudar com segurança e privacidade porque, antes deles, há a necessidade de entender um pouco do tema e ter algumas práticas e hábitos adequados.

E sem esses hábitos e práticas, pouco adianta usar aplicativos que podem potencialmente trazer a falsa sensação de estar protegido.

Dito isso, vamos focar nas configurações de três plataformas: Google, Facebook e Microsoft.

Não é que apenas essas três façam coleta de dados, mas elas juntas representam a maior parte da coleta para a maioria de nós.

Mas é necessário entender algumas coisas antes.

Primeiro: a coleta de dados é feita através dos produtos e serviços que cada empresa oferta e é parte do modelo de negócio e da estratégia de mercado delas. A inteligência obtida através da sua monitoração e vigilância é o produto e isso inclui você.

Então, perceba que elas dificultarão ao máximo a sua capacidade de impedir que isso ocorra.

Segundo: é bem provável que você siga o roteiro, faça todas as alterações e, eventualmente, as configurações sejam revertidas.

Isso mesmo. Vez ou outra as plataformas revertem as alterações.

Isso acontece em especial com o Facebook, que muda as configurações de tempos em tempos e com o Windows, que configura tudo de volta para o que eles consideram o padrão, geralmente duas vezes ao ano, quando atualizações maiores são publicadas. Portanto, considere esse tutorial válido em janeiro de 2021.

Terceiro: é bem provável que, ao fazer estas alterações, vários recursos deixem de funcionar.

E aqui vão quatro exemplos, não limitados a eles.

As integrações do Facebook com outras plataformas desaparecerão.

No caso do Windows, funcionalidades como a linha do tempo, “Meu Telefone” e a assistente Cortana deixarão de funcionar e no caso do Google, a assistente também.

O legal de entender isso é perceber a quantidade de informações extraída do que a gente faz, escondidas dentro de funcionalidades enterradas profundamente em cada plataforma.

Estas mudanças vão diminuir muito as informações coletadas, mas não vão eliminá-las. Como verão, em alguns casos é praticamente impossível desligar tudo.

Portanto, siga estas instruções por sua conta e risco, ok?

Em quarto e último, existem plataformas de software livre como o Linux que não realizam rastreio ou, se realizam, a quantidade é mínima e você pode estar se perguntando por que não recomendo usá-las.

Para falar a verdade, eu recomendo sim.

Entretanto, entendo que a curva de aprendizado para essas plataformas é maior e que, apesar de serem sólidas opções caso esteja realmente preocupado com privacidade e segurança, estão fora do alcance da maioria. Mas se você tiver a curiosidade e a disposição de aprender algo novo, esse é o caminho.

Então vamos lá, começando pela mais fácil.

(Este tutorial está em vídeo e pode ser assistido clicando aqui).

Google

O Google realiza a coleta de dados basicamente através do site de busca, do navegador Chrome e do Android.

A primeira coisa que vamos fazer é desativar o identificador de anúncios, a coleta de informações e apagar os dados existentes:

  1. Abra o navegador no endereço myaccount.google.com;
  2. No menu à esquerda, clique na opção “dados e personalização”;
  3. Aqui, vamos alterar 4 configurações: os três controles de atividade e a personalização de anúncios;
  4. Vá em cada uma, desative a opção e clique no botão para excluir tudo;
  5. Antes de apagar o seu histórico, talvez queira dar uma olhada nas informações que a plataforma tem sobre você. Isso pode trazer uma perspectiva bastante interessante e que demonstra a importância de preservar a privacidade, especialmente na opção sobre localização.

Na sequência, vamos desabilitar o sincronismo do Chrome e algumas opções adicionais:

  • Abra o navegador Chrome, vá em configurações, opção “você e o google” no menu esquerdo e desative o sincronismo dos dados. Na sequência, clique em “serviços do Google e de sincronização” e desative a opção “permitir login no Chrome”.

Facebook

Existem três formas principais pelo qual o Facebook captura informações suas. Pelo aplicativo, pelo site e através de um código que muitas páginas na internet possuem.

Abra o navegador e a sua conta Facebook.

  1. No canto superior direito, na seta para baixo, clique em “configurações e privacidade” e “configurações”;
  2. Agora, vamos alterar opções dentro de “privacidade”, “reconhecimento facial”, “localização”, “aplicativos”,  “sites e jogos” e “anúncios”;
    • Em privacidade, recomendo que limite ao máximo quem pode entrar em contato ou ver a sua atividade. Assim, essas informações não poderão ser usadas contra você em golpes virtuais;
  3. Em seguida, em reconhecimento facial, desabilite a opção;
    • Por padrão, o Facebook roda seus algoritmos de identificação em qualquer foto colocada na rede. Ao desativar essa opção, os algoritmos não poderão mais reconhecê-lo automaticamente e associar a identificação feita a você;
  4. Já em localização, é basicamente a mesma ideia do Google. Sugiro desativar também;
  5. Em aplicativos, sites e jogos, estão as integrações do Facebook aos aplicativos e sites de terceiros. Sugiro deixar totalmente desativado, assim  o compartilhamento de informações entre o Facebook e aplicativos desconhecidos será reduzido;
  6. Já em interações comerciais e anúncios, temos talvez a opção mais assustadora:
    • Aqui, encontrará muitas empresas que sequer conhece. Ao dar um like em seu feed, você deu permissão para que essas empresas enviem anúncios para você e, além disso, usem informações comportamentais suas para mostrar propagandas de forma mais eficiente.

Perceba que não há uma forma rápida e fácil de desativar tudo. Você terá que entrar em cada uma delas e clicar em “não permitir”.

Além disso, não há forma de excluir o histórico das atividades no Facebook.

Essas configurações reduzem bastante as associações que podem ser feitas, mas não há forma de desabilitar o rastreio nos sites ou o que você faz no aplicativo, nem mesmo apagando ele.

Se você não vive sem o Facebook, recomendo usar apenas através de um navegador e desinstalar ou desativar o aplicativo do celular. A quantidade de informações coletadas através do navegador simplesmente é menor.

Para contextualizar, cerca de dois anos atrás, vários meios de comunicação publicaram notícias sobre como o Facebook rastreia mesmo quem não é usuário:

Facebook rastreia você mesmo que não seja usuário

Eles inclusive compram informações de terceiros como os data brokers e não há como evitar, até que haja uma legislação mais dura que impeça isso.

Microsoft

Por último, vejamos o caso da Microsoft e do Windows. Não dá para desativar totalmente a telemetria e muito do que faremos é revertido quando algumas atualizações maiores são instaladas, normalmente duas vezes ao ano.

Outra observação é que, ao contrário do Google, não há uma forma centralizada de desativar o rastreamento. Temos que fazer isso na origem dele. Ou seja, no sistema operacional.

As únicas coisas que conseguimos fazer nas configurações da conta dentro da plataforma é desativar o identificador de anúncios e apagar o histórico de rastreamento.

Abra as configurações do Windows e a opção “privacidade”.

Sugiro desativar as seguintes opções:

  1. Geral,
  2. Controle por voz,
  3. Personalização de escrita,
  4. Diagnostico e comentários,
  5. Histórico de atividades,
  6. Localização,
  7. Notificações,
  8. Sistema de mensagens,
  9. Rádios,
  10. Outros dispositivos,
  11. Diagnóstico de aplicativos,
  12. Ativação por voz,
  13. Chamadas telefônicas

Na sequência, vamos limpar o histórico de atividades que a Microsoft tem sobre você:

  1. Abra o navegador e vá no endereço account.microsoft.com/privacy
  2. Sugiro que revise todo o histórico e apague tudo aquilo que puder;
  3. Em seguida, no menu superior, vá em configurações de anúncios e desative a opção de mostrar anúncios que são do seu interesse.

Com todas essas mudanças, você dirá às plataformas que mais coletam informações comportamentais nossas para não fazê-lo… Pelo menos até onde dá para configurar.

Entretanto, em muitos casos que mostrei, não é apenas o metadado ou informações de rastreio que são coletadas. O que você fala e escreve também, em nome de supostamente oferecer um serviço melhor. Cabe a você julgar se isso é ou não importante.

A própria Microsoft já admitiu no passado que áudios gravados pela Cortana, Skype e Xbox foram analisados por humanos:

Áudio capturado por produtos Microsoft são analisados por humanos

Aqui faço uma observação: praticamente todas as funcionalidades que hoje dependem do envio de informações para as plataformas poderiam ser projetadas para funcionar localmente, sem depender do compartilhamento de dados ou conexão.

Como disse no início, estamos falando de modelos de negócio que foram construídos para transformar os nossos dados em monetização e é exatamente por isso que vivemos na era do capitalismo de vigilância.

Agora que você aprendeu o básico sobre segurança e privacidade, no próximo conteúdo sobre o tema daremos um passo adicional: falarei sobre algumas ferramentas que aumentam um pouco mais a proteção e bloqueiam ainda mais o rastreamento.

Material adicional

Considerações sobre privacidade: Google
https://en.wikipedia.org/wiki/Privacy_concerns_regarding_Google

Considerações sobre privacidade: Facebook
https://en.wikipedia.org/wiki/Privacy_concerns_of_Facebook

Microsoft e o Productivity Score
https://www.theregister.com/2020/11/26/productivity_score/

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Privacidade Segurança da Informação Tecnologia

Proteja-se: Uma Vida Digital Com Mais Segurança

Você quer ter mais segurança na Internet mas não sabe como?

Vem comigo que vou passar para você algumas dicas essenciais para sentir-se mais seguro e preservar a sua vida digital.

Este texto é a segunda parte de uma série de conteúdos sobre segurança da informação e a nossa vida digital. Por fazer parte do dia a dia, é algo que está intimamente ligado ao bem-estar.

Primeira parte, vídeo: Privacidade – Por que Ela Não é Mais Sua
Primeira parte, artigo: Capitalismo de Vigilância: Como A Internet Se Transformou e Entregamos a Nossa Privacidade?

Segunda parte, vídeo: Proteja a Sua Vida Digital: Dicas de Segurança

O Hábito e as Melhores Práticas

Hoje vamos conversar sobre como se manter um pouco mais seguro e perceberão que é mais uma questão de boas práticas e hábitos do que qualquer outra coisa.

A intenção aqui é passar o necessário para alguém que usa a tecnologia apenas como meio no dia a dia, ou seja, a grande maioria das pessoas que não trabalham na área ou com segurança.

Os conceitos básicos de segurança da informação são como dirigir. Você não precisa ser um motorista profissional, mas para usar um carro nas vias públicas é necessário saber o mínimo para não colocar a sua vida ou a vida dos outros em risco.

E, assim como dirigir, eles são hábitos, do mesmo jeito que você tranca o seu carro e não deixa nada de valor visível dentro dele quando estaciona na rua.

Logins, Usuários e Senhas

Em primeiro lugar, a coisa mais importante: os seus logins e senhas. Se você viu meu vídeo anterior sobre privacidade, sabe que toda a nossa vida digital é associada a eles.

No mundo de hoje, tudo tem login e senha e isso deve ser usado por você ao seu favor. Deve ser percebido como uma coisa boa.

Imagine que, embaixo de cada login você tem associado todas as informações daquela conta. Quanto mais coisas dependerem de uma conta específica, mais importante ela é.

Então quer dizer que existem logins mais importantes do que outros?

Com certeza! E pra entender isso é muito fácil: basta você pensar em quais serviços usa hoje e a importância deles pra você.

Vou dar uma dica: celular, E-mail, Google, Apple, Microsoft e contas de serviços de pagamentos, como Paypal.

O celular é meio óbvio: a nossa vida digital gira em torno do celular. As pessoas esquecem que ele também é a forma usada para recuperar o acesso perdido à outras contas, assim como o E-mail.

Por isso que o E-mail e o celular são os mais importantes.

Já as contas Google, Apple e Microsoft, bem… É provável que você tenha neste exato momento um PC com Windows e um celular Android ou Apple… e todo o conteúdo do dispositivo é copiado pra nuvem por padrão.

Então, alguém com acesso à essas contas pode potencialmente acessar todo o conteúdo do dispositivo.

Contas de serviços de pagamentos como o Paypal não são menos importantes, afinal, através delas é possível efetuar compras.

Lembre-se também das contas das redes sociais, em especial Facebook, principalmente se você usa a conta para se autenticar em outros serviços como, por exemplo, o Spotify.

Por último, não menospreze a qualidade da sua senha. Ela deve ter pelo menos 8 caracteres, ser complexa e não reaproveitada. Importante não usar a mesma senha porque, se uma delas for vazada, não compromete as demais.

Método de Recuperação

Em segundo lugar, lembre-se que cada conta tem um método de recuperação. Geralmente, é o seu número de celular ou uma conta de E-mail. Por isso que esses dois caras são fundamentais.

Sugiro inclusive que você entre nas configurações de cada serviço essencial assim que acabar de ler este texto e configure corretamente o método de acesso alternativo, atualizando o número do celular e apontando para o endereço de E-mail mais confiável.

Autenticação de Dois Fatores

Em terceiro lugar, a autenticação de dois fatores.

O princípio aqui é simples: além da senha, será solicitada uma segunda informação, geralmente um código, especialmente se o dispositivo não for reconhecido pela plataforma.

Esse código adicional pode ser recebido por SMS, E-mail ou através de um aplicativo específico como o Google Authenticator ou o Microsoft Athenticator.

Eu sei, muitos acham um saco ter que informar um código além do usuário e senha.

Mas para as contas mais importantes, principalmente aquelas que mencionamos antes, é fundamental ter autenticação de dois fatores e praticamente todas as plataformas hoje suportam essa funcionalidade.

Celular e Dispositivos Móveis

Em quarto lugar, quero reforçar a importância do celular. Ele é a forma mais usada para recuperação de acesso e, caso você tenha habilitado a autenticação de dois fatores, é nele que instalará o aplicativo e é através dele que receberá o código.

Outro ponto essencial: cada vez mais usamos os nossos dispositivos móveis para acessar as instituições financeiras e pagar contas.

O celular tem muita informação pessoal nossa. Evite entregá-lo à outras pessoas em qualquer circunstância.

Compartilhamento da Autenticação

O próximo ponto que quero falar com vocês é sobre o compartilhamento da autenticação.

Você já deve ter percebido que é possível usar a conta Facebook ou Google para logar em inúmeros aplicativos e plataformas, e isso traz muita praticidade. Mas também duas consequências indesejáveis.

A primeira é que o comprometimento de uma conta compromete todas as demais plataformas associadas.

A segunda é que, quando fazemos isso, normalmente os serviços ficam associados e compartilham dados sobre você. Do ponto de vista da privacidade, essa definitivamente não é uma boa prática. Eu vou explorar esse assunto com mais detalhes no próximo conteúdo.

Links em Mensagens, SMS e E-mail

Agora, vamos falar sobre links.

Não achei nenhuma estatística confiável sobre o tema, mas certamente o ato de clicar em links maliciosos é uma das principais formas de golpe e o jeito mais fácil de perder seus dados, acesso às suas contas e ter suas informações roubadas.

Infelizmente, não existe uma forma fácil de interpretar se um link é malicioso ou não. Até pessoas da área e experientes já caíram em golpes por E-mail, SMS ou WhatsApp.

Grandes empresas não solicitam informações por SMS ou WhatsApp, muito menos enviam links para atualização de cadastro.

Parta do princípio de que qualquer coisa recebida assim, pedindo dados pessoais, para clicar ou abrir qualquer conteúdo, é falso.

Se você está em dúvida, ligue ou acesse o canal oficial de comunicação da empresa ao invés de clicar no link.

E isso nos leva à outro tema: golpes telefônicos.

Se alguém ligar pra você perguntando o seu nome, NÃO fale. Pergunte quem é, de onde é e, se for uma empresa, jamais revele informação alguma.

Pode ser uma pesquisa de satisfação, alguém pedindo dados pessoais… Não importa, mesmo que a pessoa diga seu nome ou CPF. Essas informações são fáceis de se obter.

Desligue o telefone e ligue para a empresa. É a única forma segura de se proteger contra golpes telefônicos.

Amigos pedindo dinheiro pelo WhatsApp? Parta do princípio de que o dispositivo da pessoa foi comprometido. Ele pode ter sido roubado desbloqueado ou a própria pessoa pode ter caído em um golpe.

Atualizações: A Eterna Corrida

Agora, vamos bater um papo sobre algo que a maioria deixa pra lá. Aquela atualização chata que a gente adiamos no PC e, provavelmente, no celular também (ou que a maioria sequer sabe que existe).

Se fosse escolher a forma mais fácil e rápida de aumentar consideravelmente a segurança da maioria das pessoas, com poucos cliques, seria essa.

Hoje, existe uma verdadeira guerra fria entre invasores, pesquisadores e fabricantes.. Uma corrida entre explorar falhas e publicar atualizações.

A grande maioria delas são justamente para corrigir problemas de segurança que foram encontrados e não para introduzir funcionalidades novas, como muitos pensam.

Manter todo software que usamos o mais atualizado possível é uma excelente estratégia. Mas lembre-se: não estamos falando apenas do sistema operacional, mas dos aplicativos também.

No menu da Google Play Store, há uma opção chamada Meus Apps e Jogos. Lá, voce atualiza todos de uma vez só.

Em dispositivos da Apple é praticamente a mesma coisa, basta acessar a AppStore, clicar na sua foto e escolher a opção “atualizar tudo”.

Em todos os casos, tome apenas cuidado com o tipo de conexão que está usando. Se for limitada, as atualizações consumirão do seu pacote de dados.

Backup e Conteúdo na Nuvem

O último assunto é outra área totalmente esquecida. Backup, ou cópia de segurança dos dados.

Dispositivos caem, quebram, são roubados… Inúmeras coisas podem acontecer.

Praticamente todos os dispositivos salvam os dados na nuvem, seja Apple ou Android.

Mas caso a sua conta seja invadida e os seus dados apagados, será muito mais difícil de recuperar.

Sou da velha guarda e só confio mesmo no backup físico, que pode ser em um disco portátil.

Um hd removível usb de um terabyte não é caro e vale cada centavo de investimento.

Além de poder salvar os arquivos do PC, você também poderá salvar os dados do seu celular.

Pelo menos uma vez por semana, conecto o celular no PC, salvo todos os dados e faço o backup do PC em disco removível. Assim, mesmo que tudo dê errado, ainda há uma cópia daquilo que é importante.

Agora que chegamos ao fim, percebeu que NENHUMA das dicas depende de software ou app específico?

Pra falar a verdade, eu tenho receio de recomendar apps de segurança porque eles trazem uma falsa sensação de que estamos protegidos e esquecemos de fazer o básico que descrevi aqui.

Entretanto, nos próximos conteúdos, darei dicas mais práticas e exemplos de como diminuir ainda mais o risco eletrônico.

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Pensamentos Com Vida Própria

Ciclos

O ser humano é um ser de contrastes e, talvez por isso, respeitemos tantos ciclos.

Se isso não fosse justificativa suficiente, basta olhar em volta.

A natureza, de onde surgimos e para aonde vamos é um conjunto imensurável de ciclos.

Então, chegamos a mais um solstício; a mais um fim de ano, fim de mês e, logo mais, fim do dia.

Amanhã, existe um ciclo simbolizado, eternizado cultural e espiritualmente, graças ao desenvolvimento do nosso consciente. Nenhum outro animal conhecido é capaz de criar abstrações e, em cima delas, desenvolvemos uma cultura que tem dezenas de milhares de anos.

Mas apesar do simbolismo da passagem de ano, 01 de janeiro de 2021 será um dia exatamente igual a 31 de dezembro de 2020 (exceto talvez pelo feriado).

Não ocorrerá nada magicamente. O sol nascerá e sumirá no horizonte, talvez uma chuva eventual.

Diante dessa imensidão, somos tanto e tão pouco.

Somos um grão de areia que pensa, sente e age.

Mas pensamos, sentimos e agimos diferente. E essa é a mágica que nos faz grandes.

Cada ser, cada indivíduo uma potencial peça de um quebra-cabeças… e é aí que a transcendência ocorre: a nossa soma, maior do que os valores individuais.

Então, que como indivíduos distintos, maravilhosos em nossas diferenças, aprendamos o valor da consciência sistêmica, de preservar, respeitar e aceitar essas diferenças como parte de um todo.

Que aproveitemos tantos fins e inícios para talvez aprender com o que foi, planejar o que será e viver o que está sendo.

Que nós façamos, mesmo com as nossas qualidades e defeitos, mas imbuídos da imensidão que somos, um amanhã para todos.

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Motivação Pensamentos Com Vida Própria Pessoal

A Escala de Valores e Potenciais Comportamentos

Você já pensou sobre sua própria escala de valores?

Nos últimos quatro meses, tenho conversado bastante pelas redes sociais e com pessoas próximas sobre como perceber se estamos no caminho certo.

Essa consideração por si só é suficiente para gerar inúmeros questionamentos, a começar pelo conceito de certo ou errado, que já explorei anteriormente.

Muito já falei aqui sobre a nossa percepção individual de mundo, como isso influencia o nosso julgamento e como, de uma forma geral, as regras do mundo em que vivemos são uma média social moral que acaba em ética.

Não sei qual a sua percepção dos dois… afinal, trata-se de um tema profundo e complexo que as pessoas simplesmente ignoram.

Por mais semelhante ou não que o nosso conceito de moral e ética seja, como avaliar se estamos caminhando em uma direção adequada? (tomo especial cuidado em não usar adjetivos como “certo” aqui).

Proponho uma abordagem diferente, um exercício fácil, com o potencial de revelar se estamos caminhando em uma direção adequada ou se estamos lutando contra nossos próprios valores.

Vamos lá.

Imagine uma reta, numerada de menos cem a esquerda a mais cem, na extremidade direita oposta.

No meio, está o zero.

Do lado direito, imagine tudo aquilo que é moral, ético e que você considera “certo”.

Coloque na ponta extrema direita as coisas mais óbvias, fortes e vá distribuindo os elementos, chegando ao centro, colocando aquilo que não é tão aparente assim para você.

Do lado esquerdo faça a mesma coisa, mas com tudo aquilo que é antiético, imoral, negativo, inaceitável, ilegal e totalmente contra os seus valores.

Na extremidade esquerda, você deve imaginar tudo o que é óbvio e mais contundente, distribuindo até o meio as coisas com noção cada vez mais branda ou duvidosa.

Use a sua própria concepção de moral, ética, certo ou errado, verdade ou mentira, bom ou ruim, positivo ou negativo. A escala é sua e individual.

Fique à vontade para colocar na reta aquilo que pode ou não ser influenciado por suas crenças, fé, religiosidade ou qualquer outro padrão que possa ou não influenciar o seu conceito de certo, errado, verdade ou mentira.

Dica:

Moral não se impõe ou cobra-se;
Exerce-se.
Mesmo sem ninguém ver.
E se for pra “ver” ou mostrar,
não é moral.
É outra coisa.

Mas ela é só sua, dita o seu comportamento e, frequentemente, o que acha, sente e pensa.

Agora, você tem uma escala imaginária que, correndo da esquerda para a direita, vai do crime mais hediondo, da coisa mais horrível e inaceitável que você pode imaginar até o maior ato de bondade e doação que também é capaz de idealizar.

Há alguma dúvida de que a grande maioria se esforça para viver do meio para a direita?

Eu particularmente não tenho dúvida alguma disso.

Concentre-se nestas quatro questões:

  1. Quantas pessoas conhece (e isso inclui você) que intencionalmente vivem, pensam, agem e trabalham o mais próximo do meio, perto do zero dessa escala, às vezes conscientemente pisando um pouco no lado esquerdo (de leve), só para tirar vantagem dos outros e ter sucesso?
  2. Quantas pessoas intencionalmente pensam, agem e trabalham para chegarem ao sucesso através do uso das margens de interpretação daquilo que reside próximo ao zero, no centro da reta?
  3. Você vive para intencionalmente explorar a área cinza que existe entre moral, ética, leis e o inadequado, errado, inconveniente e talvez o proibido?
  4. Você acha que isso tem um preço?

Eu acho que tem.

Pensar sobre essas quatro perguntas traz a resposta para o primeiro parágrafo desse texto.

E o mais legal?

Você não precisa encontrar necessariamente as repostas em si para entender se a direção da sua jornada é adequada ou não (apesar de ser um bom exercício).

Basta compreender se você está caminhando da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda ou se a sua ideia de sucesso, felicidade e realização tem a ver com explorar as margens de interpretação do meio da reta, próximo do zero.

Isso mesmo: talvez não tenha ficado claro ainda, mas cada ser humano tem uma reta dessas e não há duas retas iguais.

Existem várias expressões culturais que contribuem (ou não) para o alinhamento das retas individuais em conjuntos relativamente semelhantes.

São as doutrinas, as religiões, os grupos sociais, a família, o trabalho e tantos outros conceitos de sistemas que distribuem valores e regras de comportamento, alimentando-se mutualmente.

O ser humano é um ser social e esse comportamento nada mais é do que o exercício desse atributo.

Ao sentir, pensar e exercer, a sua moral entra em sintonia ou conflito com a dos outros e a média que surge daí pode ser chamada de ética e essa “ética” recebe inúmeros nomes.

Agora que criou uma escala que vai do seu absoluto negativo ao seu absoluto positivo, percebe como ela delimita a sua existência?

O ponto é:

Você consegue perceber para que lado da reta os seus pés estão apontados?

Bônus

Chegamos a uma época do ano em que as resoluções e o planejamento para o futuro tomam conta da gente.

Será que podemos usar nossa escala de valores para ajudar na tarefa? É claro que sim!

Para isso, analise e consolide em duas colunas de uma lista, o que aconteceu no ano que passou e classifique mês a mês aquilo que considera despertar emoções e resultados “positivos” ou “negativos”.

Após criar a sua própria escala de valores e compará-la com a lista, conseguirá não só determinar se a sua caminhada foi compatível como terá em mãos uma ferramenta para planejar melhor o futuro, investindo no que interpreta como bom e remediando o que não for tão interessante assim.

Lembre-se: a escala é só sua e não depende das escalas ou escolhas dos outros. É por esse motivo que os critérios de “bom”, “ruim”, “positivo”, “negativo”, “moral”, “ética” e tantos outros que servem de base para a criação da escala devem seguir a sua própria experiência, interpretação de si e do mundo que o cerca.

Este texto faz parte do livro “O Guia Tardio” e foi publicado em vídeo no canal do Youtube. Para assistir, clique aqui.

#OGuiaTardio

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Privacidade Segurança da Informação Sociedade Tecnologia

Capitalismo de Vigilância: Como A Internet Se Transformou e Entregamos a Nossa Privacidade?

Fiz um vídeo recentemente sobre segurança da informação, privacidade, anonimato e capitalismo de vigilância contendo alguns conceitos importantes, que pode ser assistido clicando aqui.

Sugiro uma olhada nele antes de prosseguir: este texto é uma continuação natural, um pouco mais profundo e analisando como chegamos aonde estamos.

O Início

No começo do milênio, a Internet comercial, ainda criança, engatinhava.

De 1994 a 2001, houve o “boom” do acesso, onde estabeleceu-se como extraordinário meio de comunicação, deixando os laboratórios das universidades e fazendo parte do nosso dia a dia.

Para quem não viveu aquela época, conectar-se à Internet dependia do uso de linhas de telefone fixas comuns.

Trata-se da era do acesso discado através de equipamentos (modems) que faziam um barulhinho engraçado. O negócio era ficar acordado até tarde da noite, usando a novidade enquanto as ligações telefônicas eram mais baratas.

Entretanto, naquele momento ninguém sabia como ganhar dinheiro com a Internet, além do acesso em si.

O provimento da conexão propriamente dito não traz escala e tinha custos associados muito altos, envolvendo infraestrutura, equipamentos caros, profissionais especializados e a dependência das grandes corporações que regiam a então espinha dorsal da Internet.

Era um negócio de margem apertada.

Os provedores de conexão forneciam serviços básicos no pacote de acesso, como caixa postal de e-mail e provavelmente espaço para a criação de um site.

E era só isso.

No intuito de aumentar a competitividade, alguns portais de notícias (como Universo Online e ZAZ no Brasil), começaram a agregar “valor” ao pacote básico, fornecendo jornais virtuais e páginas com notícias, apenas para assinantes.

Não existia o conceito de marketing digital, muito menos campanhas publicitárias em sites ou anúncios em páginas.

O custo de todo esse ecossistema de serviços era pago diretamente.

Nós, como clientes, comprávamos do provedor, que nos entregava conexão, e-mail, site e notícias (chamemos esse conjunto de ofertas de “produto”).

As margens ficaram ainda mais apertadas.

Atente-se para o fato de que, até aqui, a definição de produto entregável era clara e a relação comercial entre um usuário, como eu ou você e o fornecedor, também.

Isso mais ou menos até 2001, quando tudo mudou: acontecia o ataque às torres gêmeas, o fatídico 9/11.

A Tragédia

Considerado um dos maiores fracassos de inteligência da história, a maior potência do mundo não foi capaz de extrair informações suficientes para concluir que uma ameaça estava no horizonte (ou se concluiu, não agiu).

As consequências do evento foram inúmeras.

Não entrarei em detalhes sobre a questão, exceto em relação àquilo relevante ao tema deste texto: iniciou-se uma busca implacável por eliminar a falha, traduzindo-se na coleta de informações em massa, principalmente através dos meios eletrônicos.

Como plano para remediar a situação, o governo americano iniciou ou ampliou vários programas de vigilância eletrônica em nível mundial.

A estratégia era elementar em princípio, mas desafiadora em termos tecnológicos: coletar tudo sobre todos e cruzar todas as informações possíveis.

Em paralelo, o próprio governo aprovou uma legislação que dava o suposto aval para o plano e o dinheiro começou a fluir.

Para maiores detalhes acerca do tema, sugiro o livro de Gleen Greenwald, Sem Lugar Para Se Esconder.

Guarde essa informação. Voltaremos a ela.

A Oportunidade

Tanto o Google quanto o Facebook surgiram no meio acadêmico, pelas mãos de estudantes. Enquanto o primeiro foi desenvolvido em Stanford por volta de 1996, o Facebook ganhava vida em Harvard, cerca de 7 anos depois.

Apesar de começar antes e já ter um negócio envolvendo marketing e anúncios, o Google levou mais tempo para entender o potencial de associar estratégias de persuasão a perfis (radicalmente) pessoais.

No campo especulativo, acredito que o motivo disso esteja relacionado à capacidade técnica de realizar o cruzamento de informações em massa, ainda inviável comercialmente (mais adiante).

No início, os dois negócios eram diferentes: o primeiro, construído em torno de um sistema de busca e o segundo, em torno de uma rede social.

Até 2003, o Google já operava um programa de anúncios baseados em clique que tinha como principal característica saber quando alguém acessava o anúncio (e o anunciante pagava por clique).

Mas a partir desse ano, os anúncios passaram a ser mais relevantes ao conteúdo da própria página onde apareciam, permitindo maior taxa de conversão (cliques gerando mais venda).

Foi quando entre 2003 e 2009, ambas as empresas lançaram diversos produtos e serviços em torno de uma ideia principal: a captura e a construção da identidade de um usuário.

O conceito é simples: cada indivíduo tem, na plataforma, um login e senha que representa a sua identidade diante dos produtos e serviços integrados.

Essa é a identidade que nós usuários conhecemos, apenas a ponta do iceberg.

Abaixo da linha d’água, as duas associam a cada login não só o conteúdo que voluntariamente disponibilizamos, mas dados comportamentais.

Entenda por dado comportamental toda e qualquer ação que desempenha. Cliques, curtidas, tempo gasto em cada conteúdo, comentários e um sem número de reações.

Tudo fica armazenado.

Mas o que fazer com tantos dados?

O Desenvolvimento

Computadores são ótimos para desempenhar tarefas repetitivas, mas até 2010, cruzar enormes quantidades de dados à procura de padrões e tendências custava muito caro, principalmente em larga escala, necessitando de poder de processamento disponível apenas para poucos governos.

Entre 2000 e 2010, bilhões foram investidos para transformar a estatística em algo mais abrangente, que você conhece bem hoje em dia por jargões ou termos como inteligência artificial, machine learning e analytics.

Não é que essas tecnologias já não existiam antes. Elas eram inacessíveis ou caras demais para serem empregadas em massa.

Mas o que é inacessível para corporações ou governos com virtualmente nenhum limite orçamentário e com a ajuda da evolução tecnológica?

Se nesse período, por um lado o governo americano precisava de uma maneira de coletar o maior número de dados sobre as pessoas, catalogar, classificar, cruzar e encontrar padrões, as duas gigantes de tecnologia intencionavam fazer a mesma coisa para ganhar dinheiro.

E sim, o governo americano conseguiu o que pretendia.

Será que o Google e o Facebook venceram essa etapa também?

Certamente.

Entre 2010 e 2013, as duas plataformas sofreram mudanças profundas, provavelmente pelo resultado do avanço tecnológico obtido até então.

Agora, passava a ser viável, em larga escala, personalizar o conteúdo não pelo contexto, mas pela identidade (e preferências) de quem acessava.

O mundo das redes sociais, com as características que conhecemos hoje, surgia.

Você deve estar se perguntando se, neste caso, há relação entre as iniciativas privadas e as governamentais.

Em 2013, o maior vazamento de dados confidenciais de um governo iniciava-se.

Edward Snowden, então funcionário subcontratado, alocado na Agência de Segurança Nacional (NSA), ficou mundialmente conhecido por copiar e repassar para a imprensa uma gigantesca quantidade de informações secretas, comprovando não só que o programa de espionagem e vigilância americano existia, como era vasto, estava a todo vapor e em todo lugar, incluindo dentro das grandes infraestruturas de comunicação e das redes sociais.

Não podemos, contudo, afirmar pelo material vazado que gigantes de tecnologia (BigTechs) contribuíram “conscientemente” para o programa.

Como parte da estratégia incluiu a criação e a manutenção da legislação de apoio, muitas corporações viram-se diante de um impasse jurídico: se ordenadas a participar, não poderiam legalmente revelar nenhuma informação a respeito.

Estavam obrigadas a fornecer dados e impedidas de falar qualquer coisa.

Aqui, deixo uma provocação e uma conjectura: realizar a coleta e o cruzamento em nível mundial das informações de bilhões de pessoas exigiu o desenvolvimento de novos processos e tecnologias. Podemos afirmar que isso aconteceu sem o envolvimento de interesses privados?

A Mudança de Papéis

Com uma enorme quantidade de dados sobre milhões de pessoas e a capacidade de dar sentido à toda essa informação, a prova de conceito estava pronta, mostrando que o esquema era viável e funcionava.

Uma revolução estava prestes a acontecer: a mudança de papéis que acabaria por nos transformar em produto.

No início do texto, falei sobre a relação comercial direta entre o usuário (cliente) e o provedor (fornecedor), assim como a clara distinção de produto (provimento de acesso, e-mail, site, dentre outros).

O que fazer para subverter essa relação, permitindo que a sociedade trabalhe ativamente contribuindo com conteúdo, informações pessoais e, ainda assim, ganhar dinheiro?

Qual troca pode fazer sentido, preferencialmente sem deixar evidentes as implicações sobre privacidade? O que oferecer, ao ponto de as pessoas voluntariamente quererem participar em massa?

Serviços “grátis”.

Certamente o GMail não foi o primeiro, sendo precedido pelo Hotmail. Mas enquanto esse último não tinha um plano de negócio interessante e acabou engolido pela Microsoft, o serviço gratuito de e-mail do Google tinha uma estratégia:

Serviço “de graça”, mas com anúncios. E a sociedade aderiu aos milhões.

O que não ficou claro no início da oferta é que os algoritmos leem todas as mensagens, todo o conteúdo para entender as suas preferências e ofertar propagandas específicas para cada usuário.

E não para por aí.

A associação das preferências e interesses de cada pessoa, baseados no conteúdo das mensagens, é ligada à conta Google do mesmo usuário.

Notadamente, onde há um login, há a coleta de dados e a respectiva associação. No navegador por exemplo, ao fazer uma pesquisa, tudo fica armazenado (as pesquisas e os cliques).

Agora, o Google passou a ter um novo (e bem melhor) produto para ofertar (aos anunciantes):

Você.

As relações entre cliente, fornecedor, produto e serviço não só mudaram como ficaram obscuras.

O Facebook não ficou atrás e fez a mesma coisa, apenas em uma plataforma diferente.

Ao saber tanto sobre as pessoas, é possível prever inclusive o comportamento de cada um com precisão assustadoramente alta.

Quando se conhece:

  • Cada clique, curtida, comentário, e-mail, página ou notícia lida, pesquisa, site acessado e até a localização do usuário;
  • Praticamente todas as suas informações pessoais (nome, data de nascimento, estado civil / status de relacionamento, profissão, área de atuação profissional, preferência sexual, religiosa, política, vícios, tristezas, alegrias e decepções);
  • Não limitado a nenhuma das informações acima;

…Ofertar anúncios passa a ser um outro jogo: os argumentos que podem ser usados numa peça publicitária se tornam pessoais, tem um poder de persuasão infinitamente maior e a efetividade das campanhas de marketing aumenta ordens de grandeza.

Mais conversão.

A grana flui através do que conhecemos hoje como marketing digital. O conceito de capitalismo de vigilância se estabelece.

O Não-Repúdio

Além da associação de inúmeros dados ao login, um plano adicional e essencial foi implantado.

Nos últimos 5 anos, está cada vez mais difícil criar uma identidade virtual (login) em qualquer plataforma, aplicativo ou site sem necessariamente fornecer dados que irremediavelmente sejam pessoais.

Hoje, para a maioria dos serviços, seja gratuito ou não, o usuário é obrigado a fornecer dados concretos de identificação, difíceis de serem desvinculados de uma pessoa no mundo real, como CPF ou número de telefone.

Em alguns casos, a plataforma chega ao ponto de apenas aprovar o registro de uma nova conta mediante o envio de foto e da imagem da documentação solicitada. Trata-se do não-repúdio, estratégia que impede o indivíduo, diante da ausência de opções, de ter a escolha de não ser rastreado, sedimentando o conceito de capitalismo de vigilância.

Onisciência, Onipresença

Quando eu lembro do estado atual das coisas, a palavra que me vem à mente é “pervasive”, talvez por ler tanto conteúdo em inglês a respeito do assunto nos últimos 15 anos.

Acho que a tradução livre seja algo como “penetrante”.

Outras palavras adequadas à situação são: “onisciência” e “onipresença”.

Se a sua intenção é saber tudo sobre o usuário, monitorá-lo em tempo real para monetizar isso e vender perfis cada vez mais precisos e segmentados, é necessário expandir seus horizontes.

20 anos atrás, quando o Google surgiu, não era uma plataforma. Era um site, um sistema de busca que nem login tinha.

Quando o Facebook apareceu, a experiência era “estanque”, um usuário válido no site e somente no site. Não havia comunicação com outras coisas e o seu concorrente direto era o Orkut (curiosamente, rede social filiada ao Google).

Mas isso mudou. E muito.

Por volta de 2007, o Facebook começou a integrar e coletar informações de outros sites: um pequeno código em cada página que você visita.

Hoje em dia, é difícil encontrar um site que não tenha esse código integrado. Através dele, o Facebook começou a ver o que você faz em praticamente qualquer lugar que visite na Internet.

Por baixo dessa funcionalidade, existe o programa de anúncios, algo que evoluiu assustadoramente e hoje permite que você use a sua conta da plataforma para ser autenticado em serviços de terceiros.

Não só isso, mas as suas informações pessoais são compartilhadas entre aplicativos também, quando você efetua o login.

Muitos fabricantes de celulares têm acordos com o Facebook, onde o app vem pré-instalado no aparelho e, em alguns casos, impossível de remover.

O que o Google fez?

Lançou dois sistemas operacionais: o Android em 2008, o ChromeOS em 2009 (e está trabalhando em um terceiro).

Outras abordagens foram e são usadas ativamente, incluindo a compra de outras empresas e aplicativos com enormes bases de usuários, como o Instagram, WhatsApp, Waze, Youtube, e o próprio Android.

Se você acha que estou de marcação com eles, saiba que usei o Google e o Facebook como exemplos até agora porque saíram na frente. Na realidade atual do capitalismo de vigilância, diversas outras corporações usam a mesmíssima estratégia.

A Microsoft, por exemplo, introduziu com o Windows 10 todo um aparato de telemetria que monitora tudo o que é feito no PC e não há como desligar, algo desenvolvido durante as duas versões anteriores.

De fato, você é obrigado a usar uma conta Microsoft para entrar no PC.

Já a Apple posiciona-se como defensora da privacidade e faz questão de promover essa posição em amplas campanhas de marketing, mas executa telemetria igualmente e toma ações tecnicamente duvidosas.

Hoje, é praticamente impossível fugir da telemetria, da vigilância e da associação de tudo que se faz eletronicamente com um perfil online.

O navegador que usamos está logado. Os aplicativos que usamos estão logados. O sistema operacional, o código que opera nossos dispositivos eletrônicos, estão logados.

A vigilância começa no código mais básico e próximo possível do hardware.

Venho escrevendo sobre o assunto desde 2014 e a situação apenas piora.

Alguns meses atrás, encontrei coisas que publiquei na Internet em 1998 e fiz um post sobre isso. Se é possível recuperar algo tão antigo, época em que a tecnologia era absurdamente diferente, o que é possível hoje e o que será possível no futuro?

A Internet não esquece e estamos sem escolha.

Não há como evitar a coleta de dados em todos os lugares onde temos uma presença online ou acompanhado de um dispositivo eletrônico conectado.

Onisciência. Onipresença.

Onipotência?

Estamos falando de algumas empresas com mais de um trilhão de dólares de valor de mercado.

Orçamentos praticamente ilimitados e uma estratégia de atuação agressiva que permite o crescimento constante talvez tenham dado a sensação de onipotência aos gigantes de tecnologia.

E, por sua vez, provocando o esquecimento momentâneo de questões éticas ou do direito à privacidade.

Com a regulamentação em todo o mundo de leis como a LGPD (Lei Geral de Proteção dos Dados) que, dentre diversos aspectos, contempla a privacidade, as BigTechs começaram a ter a estratégia e a atuação analisada e revista.

O que está sendo encontrado, além de preocupante, tem levado à produção de denúncias e processos em vários países, não só relacionadas à privacidade, mas a práticas anticompetitivas e ao estabelecimento de supostos monopólios.

É impossível prever o que acontecerá.

Outras corporações foram acusadas de praticar monopólio no passado, com resultados diversos. Algumas foram divididas, outras continuaram ou se reinventaram.

Contudo, nunca houve uma coleta maciça de dados em escala mundial e nunca empresas tiveram tanta informação, poder e dinheiro juntos.

  • Coincidência serem as empresas que detêm tanta informação, poder e dinheiro acusadas de práticas anticompetitivas e de monopólio?
  • As leis recentes que regem o conceito de privacidade e monopólio serão suficientes para nos devolver a escolha?
  • Será que essas empresas encontrarão um novo modelo de negócio tão eficaz?
  • A sociedade aceitará um novo modelo de negócio, uma nova troca, no lugar de serviços gratuitos?

Acredito que são todas questões pertinentes e sem resposta.

Estamos diante de uma cultura e uma relação de troca estabelecida e cultivada por quase 20 anos. A transição para uma nova realidade poderá ser dolorosa, exceto se a sociedade entender o que está em jogo.

Nunca em nossa história tivemos entidades com…

  1. recursos quase ilimitados;
  2. acesso a grandes quantidades de informação / comportamento social em tempo real, globalmente;
  3. poder quase ilimitado devido à falta de auditoria externa, regulamentação;
  4. conformidade social mundial

A conscientização em massa potencialmente influencia isso no longo prazo, mudando o item 4 (conformidade social), parte essencial da equação de poder e levando a uma legislação melhor que pode ir além da privacidade como um direito universal (item 3).

Os Contratos de Usuário ou de Licenciamento não são “lei”, nem criados em nosso melhor interesse.

Os produtos e serviços das #bigtech existem para o benefício dos stakeholders / acionistas, através da captura de tendências comportamentais, com a intenção de aumentar a persuasão e a participação no mercado.

Causalidade dos produtos e serviços das #bigtech: lucro e acionistas. Os meios para isso? Nossas identidades, por meio da coleta e agregação comportamental. “Redes sociais” não existem, mas sim aparatos de vigilância.

As Implicações

Tudo o que você faz online fica registrado, provavelmente pra sempre.

Isso inclui sua posição política, sexual, religiosa, suas fotos em festas ou bebendo, os vexames que você deu, alguém filmou e colocou na Internet, as brigas que você teve nos comentários das redes sociais, tudo.

No Brasil, nos últimos 25 anos, tivemos umas 4 alternâncias de poder, variando do mais liberal ao mais conservador.

Nos últimos 25 anos, comportamentos socialmente aceitos foram proibidos e o contrário também aconteceu.

De uns 10 anos para cá, o número de pessoas que tiveram as suas vidas destruídas por causa da Internet simplesmente explodiu.

E os motivos foram os mais diversos: desde uma opinião que não foi bem aceita pela mídia, até a exposição das maiores intimidades, como fotos comprometedoras vazadas de um celular.

Percebam como está na moda a cultura do cancelamento.

Lembre-se que, em alguns locais do planeta, tanto o anonimato quanto a privacidade são os principais instrumentos contra a injustiça e a discriminação.

Na verdade, são as ferramentas essenciais para a mudança.

E quando não há a possibilidade de privacidade e, em alguns casos, de anonimato, há a possibilidade de grupos específicos perseguirem aqueles que tem ideias diferentes.

Pense da seguinte forma: partindo do princípio de que a privacidade e o anonimato são coisas diferentes, mas tão importantes para a mudança, para a democracia, e, em alguns casos, para a justiça social, se não temos privacidade nem anonimato hoje, em nossa realidade, talvez o nosso estado atual esteja contribuindo para mais desigualdade, segregação, discriminação e injustiças.

Não é à toa que regimes ditatoriais estão totalmente ligados à falta de privacidade, anonimato e liberdade de expressão. Fico especialmente feliz que o assunto esteja ganhando cada vez mais espaço na mídia de uma forma geral e que as pessoas estejam também começando a despertar para as implicações do capitalismo de vigilância.

E esse é exatamente o ponto: em um mundo perfeito, o estado tem diversos papéis, como manter a ordem, a paz, a civilidade, promover a segurança, a educação, a saúde e tantas outras coisas, dependendo da corrente filosófica.

Mas muitas corporações têm interesses privados que podem não estar relacionados a nenhum desses papéis. Na verdade, é bem provável que não estejam.

E é para elas que estamos entregando todas as nossas informações.

Longe de mim julgar o mérito de qualquer uma dessas questões, mas se algumas delas geram desconforto, então privacidade é um assunto importante para você.

Talvez só ainda não tenha se dado conta.

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O Futuro do Trabalho Se Parecerá Com o Quê?

Texto criado e publicado originalmente para a Ace Cloud Hosting. Acesse o link abaixo e leia o artigo completo:
https://www.acecloudhosting.com/blog/future-of-work/

O argumento também foi a base para este vídeo (clique aqui).


 

A mudança pede a adaptabilidade e exige a inovação mais do que nunca (e isso requer diversidade, criatividade e empatia)… E é inegável que estamos passando não só por mudanças profundas, mas muito mais rápido.

Existe atualmente uma força que afasta as pessoas do contato físico e que pode ser prejudicial para os relacionamentos de médio e longo prazo, devido à falta de comunicação não verbal e da empatia.

Todo o conceito de “trabalho remoto” desaparecerá em breve das nossas vidas diárias em favor de ser chamado apenas de “trabalho”.

Apesar de trabalhar remotamente na última década em grandes multinacionais, percebi que as empresas mais bem-sucedidas não faziam isso apenas para economizar dinheiro: nelas, existe uma cultura sólida onde a tecnologia é usada para permitir que os indivíduos compartilhem e aceitem também quem são, emocionalmente e entre si.

Os líderes devem criar uma plataforma onde os colaboradores se sintam livres para serem eles próprios além do aspecto profissional e técnico, base da equação e um dos pontos mais importantes para a criatividade e o intercâmbio intelectual.

Canais de comunicação que permitam essa troca são essenciais para relacionamentos de longo prazo.

Mas isso não se aplica apenas aos líderes formais – todos nós somos líderes e protagonistas das nossas próprias vidas.

Gosto bastante do conceito de liderança horizontal: se você tem a capacidade de cooperar com os seus pares no intuito de crescerem juntos.

E isso exige compreensão e aceitação das individualidades. De fato, exige que o líder seja capaz de evitar a repreensão e estimular a cooperação.

Os resultados positivos surgem muito mais do incentivo à cooperação, do estímulo daquilo que é considerado um bom resultado do que do ato de coibir divergências, erros e falhas.

A capacidade de lidar com divergências, ideias e emoções diferentes fomenta a inovação.

Sugiro que você assista esse vídeo sobre comunicação. Lá, falo da pirâmide da discordância de Graham, ferramenta fundamental para permitir que exista uma convergência de ideias diferentes.

Curioso como a sensação de compreensão mútua da diversidade (que pode ser interpretada como divergência em uma primeira impressão) resulta em convergência e em um sólido trabalho de equipe em longo prazo.

As organizações que adotarem esses conceitos serão capazes de fracassar rapidamente, promover a adaptação às demandas futuras e alcançar o sucesso, não apenas aprendendo a lidar com as mudanças que a sociedade está vivendo agora, mas também ficando preparadas pra tudo.

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Sucesso e a Epidemia de Escassez

Este texto foi publicado em vídeo no canal do Youtube. Para assistir, clique aqui.

Se você entrar em uma livraria hoje encontrará muitos livros sobre sucesso, especialmente dizendo o que é e como chegar lá.

É muito confortável cair na tentação de seguir um roteiro que já foi supostamente testado sobre como chegar ao sucesso.

Mas é bem mais desafiador olhar para dentro de si e descobrir o que é sucesso para nós mesmos e entender que cada um de nós tem a sua própria jornada.

Como se não bastasse, a sociedade, o trabalho, nossos amigos e familiares têm suas próprias definições padronizadas e existe uma associação bem direta entre cumprir metas, objetivos e como alcançar o sucesso.

Imagine: trocar o conhecido, aquilo que dá uma definição clara e mostra um caminho, versus enfrentar o desconforto do desconhecido de não saber.

Aliás, existem inúmeras definições de como “não falhar” e esconder os erros são a receita para a felicidade.

Na prática, é assim que a sociedade funciona, seja em casa ou no trabalho e esse conceito de jornada para o sucesso não poderia estar mais longe da realidade.

Para cada sucesso, existem inúmeros fracassos… E escondemos os fracassos: temos vergonha deles.

Perceba o movimento aqui.

A associação do conceito de sucesso à expectativas externas, a metas e objetivos externos.

E isso gera uma verdadeira epidemia de vazio e escassez.

O conceito prático de sucesso atual gera uma onda de tristeza e depressão porque o sucesso é externo. Vem de fora.

Cada vez que prestamos atenção a um discurso que tenta nos ensinar o que é sucesso e como alcançá-lo, estimulamos essa epidemia de escassez, olhamos para fora, esquecendo o que vai dentro da gente, lugar onde o real sucesso mora. Isso nos afasta cada vez mais da felicidade e da realização.

Eu fiz uma enquete nas redes sociais sobre o quê as pessoas entendem por sucesso, em uma frase.

As respostas variaram muito, desde a sintonia entre valores, propósito, ajudar as pessoas, até o dinheiro, passando por coisas como ser bem sucedido.

Agora, veja que curioso: apenas QUATRO pessoas disseram que o sucesso vem de dentro da gente e usaram uma metalinguagem compatível.

Ou seja, mesmo considerando questões internas como valores e propósito, apenas quatro respostas NÃO relacionaram esses fatores como dependentes direta ou indiretamente de fatores externos.

Não importa a definição de sucesso que tenha. O que realmente importa é se essa definição vem de dentro para fora ou se é algo de fora para dentro, porque é exatamente daqui que surge a epidemia de escassez, quando seguimos receitas e ideais externos apenas.

Para entender melhor essa questão, veja esse vídeo (clicando aqui) sobre felicidade material, contextual e existencial.

Não existe uma única definição de sucesso dada na enquete que não esteja adequada… porque ela deve ser individual e tá tudo bem.

O ponto é que quando abrimos mão de um conceito de sucesso próprio e abraçamos as expectativas do externo, promovemos potencialmente o desalinhamento com quem somos.

Passamos a buscar um estado idealizado pelos outros, pela sociedade e iniciamos uma corrida para querer sempre mais sucesso, sem nem saber direito o que ele significa para nós, com o terrível efeito colateral de estar sujeito a sermos manipulados pelas necessidades dos outros em favor das nossas próprias necessidades.

Aqui, abro um parêntese.

Em 2001, enfrentei dificuldades consideráveis diante do desemprego.

Uma crise de depressão que durou 3 anos e uma sensação de incompetência gigantesca.

Talvez uma das coisas que mais contribuiram para esse estado foi não poder acolher as pessoas que dependiam de mim.

E quando falo sobre isso, penso logo no sucesso e no seu antagônico clássico: o fracasso ou percepção de fracasso.

Sentia-me um inútil e, apesar de conseguir sair daquela primeira crise, apenas há pouco tempo comecei a perceber o sucesso de forma diferente.

Na verdade, comecei a percebê-los, porque só enxergava as falhas.

Considerava-me um fracasso por não atender às expectativas que eu achava que estavam depositadas em mim.

Hoje, eu olho para o passado e reconheço, como um tremendo sucesso, ter superado a depressão várias vezes.

Curioso que, ao longo dos últimos 20 anos, passei por outras crises, recebi alta e meu conceito de sucesso permaneceu o mesmo.

Sempre com foco nos fracassos ou nos conceitos de sucesso que percebia da sociedade, principalmente aqueles focados no material.

Durante tanto tempo não percebia como sucesso a superação, a reconstrução da minha carreira profissional, o alinhamento entre as minhas ações e os meus valores, o livro que publiquei, esse canal no youtube, o blog, tantos prêmios que recebi ao longo da carreira e tantos reconhecimentos, justamente por fazer aquilo que eu acho que está sintonizado com os meus valores.

Durante tanto tempo eu percebi a felicidade como obtenção do sucesso e o sucesso apenas como atingir metas, ganhar dinheiro para ter coisas, comer bem, tomar um vinho, me divertir com os amigos e eventualmente ser aplaudido.

Agora, sabe porque decidi fazer esse vídeo?

Semana passada fui caminhar cedo na praia… E vi uma praia totalmente seca… consegui andar na areia até os arrecifes sem molhar os pés.

De lá, vi o mar, vi as pedras… Vi peixes… Varas de pescar… Senti o vento forte, o cheiro de mar, o som das ondas… Dei meia volta, olhei para os prédios e pensei:

Isso é sucesso.

Foi uma das sensações de sucesso mais fortes dos últimos anos.

Então, faço um convite: que tal pensar um pouco mais sobre o que é felicidade, realização e sucesso pra você, mas com o desafio adicional de pensar nos três SEM ser algo externo, sem condicionar ao que esperam de você… Sendo algo partindo de dentro do seu peito, de dentro de você sem depender de nada ou de ninguém.

Eu tenho a certeza de que ficará surpreso e verá que você experimenta muito mais sucessos do que imagina.

Talvez a gestão das expectativas, as próprias e as dos outros, seja o fator mais importante para a felicidade, a realização e o sucesso.

Muita gente acha que o sucesso é feito uma poupança onde a gente deposita dor e sofrimento para colher juros mais pra frente.

Culturalmente somos levados a crer que não há sucesso sem dor e sofrimento e não consigo pensar em coisa mais distante do bem-estar.

O sucesso pode ser encontrado em pequenas coisas do dia a dia.

Aliás, se você conseguir encontrar sucesso nas pequenas coisas do dia a dia, a felicidade e a realização certamente lhe farão companhia.

Sucesso é uma descoberta de autoconhecimento, totalmente relativa, individual e muda assim como a vida.

Não confunda metas e objetivos com sucesso. É muito comum que o lado profissional queira que a confusão ocorra simplesmente porque isso é favorável aos interesses alheios.

É assim que nós somos transformados em números.

Você deve estar se perguntando… Então perseguir metas e objetivos não é sucesso?

Eu não vou dizer o que é sucesso e acredito que ninguém pode fazer isso. Você tem que descobrir o que é sucesso pra você e se isso é compatível com quem é.

Preste bastante atenção: depende de como reconhece o objetivo a ser alcançado.

Se for imposto e não idealizado em conjunto, sem estar sintonizado com quem somos, uma descoberta que deve acontecer antes, você pode estar indo numa direção que não trará nem felicidade nem sucesso.

E é por isso que é tão conveniente achar que sucesso depende de dor e sofrimento. Quando buscamos metas e objetivos desalinhados e fora de sintonia com nós mesmos, passamos a achar que o sacrifício de hoje é a felicidade de amanhã.

Se você pensar bem, perceberá que faz muito sentido.

Veja por exemplo este gráfico que trago no meu livro, explicado em detalhes. Perceba que ele não fala sobre o que é sucesso, apenas ajuda a classificá-lo:

Quanto mais a percepção de sucesso estiver atrelada ao material, mais ele estará relacionado ao ego coloquial e mais rápido ele desaparece, como um vício, uma droga…

Quanto mais essa percepção estiver associada ao todo e ao altruísmo, mais duradoura será sensação de sucesso, maior será a contribuição, a cooperação e as sensações de felicidade e realização.

Uma mesma situação na vida da gente pode ser percebida em qualquer lugar do gráfico, ou seja, como sucesso material, contextual ou existencial.

Darei um exemplo prático.

Em 2017, atuava como consultor na área de vendas para uma multinacional de tecnologia. Participei de um projeto para o governo de um estado aqui no Brasil, onde foi possivel economizar milhões em aquisições.

Por esse projeto e como parte do meu trabalho, eu fui remunerado e recebi uma comissão.

Eu poderia ter olhado para esse projeto apenas pelo aspecto financeiro, o que seria qualificado como sucesso material.

Mas o meu trabalho foi reconhecido e eu ganhei um prêmio por causa dele. A sensação de reconhecimento é fantástica.

Mas ao longo do tempo, enquanto o projeto era executado, eu percebi também o quanto a economia trazida beneficiou a população de uma forma geral.

A economia viabilizada pôde ser empregada em outros projetos de cunho social e isso está diretamente sintonizado com o propósito de ajudar as pessoas.

Veja como uma mesma situação, um mesmo evento gerador, pode ser percebido de diversas formas.

Se for percebido apenas como sucesso material, a sensação duraria pouco tempo.

Se usando a ótica do reconhecimento, talvez um pouco mais… Faria apenas bem ao meu ego.

Mas 3 anos após a venda do projeto, ainda sinto o bem estar de ter contribuído para algo maior.

Quero finalizar deixando as perguntas:

Quantas vezes perseguiu metas e objetivos e analisou se eles estão de acordo com quem é, com os seus valores e com o quê acredita?

Quantas vezes trabalhou para que o sucesso de fato seja uma contribuição para algo maior?