Categorias
Pensamentos Com Vida Própria

Ruído

Anos atrás, li um livro que mudou minha percepção de realidade, de consciente e de inconsciente.

Alguns dias atrás, li um artigo na mesma direção.

Sem entrar nas considerações matemático-físico-filosóficas da minha limitada percepção do que foi dito, faço uma tentativa potencialmente frustrada de abordar o tema.

É isso mesmo? Começarei um texto argumentativo afirmando ser uma tentativa e, ainda por cima, frustrada?

Por que não?

Já mudei de opinião em 5 minutos de conversa e reservo-me o direito de mudar ao longo da escrita (certamente acontecerá, verá).

Aliás, esse é um dos grandes motivos pelo qual escrevo, compreensão e mudar de ideia, uma das coisas que mais prazer me traz (apesar das evidências em contrário, frase totalmente carregada de ironia e autocrítica).

Dito isso, confundo-me com a tentativa de buscar significado e sentido nas redes sociais praticada em massa atualmente.

Talvez o emprego da palavra “atualmente” seja bastante característico, afinal, falo de algo bem recente e que vem mudando o comportamento da sociedade profundamente.

Ou será o contrário? Será que as redes sociais são apenas o exercício de uma sociedade doente? Quem adoece quem?

Para todo lugar que olho, existe uma busca insistente pela verdade e entendo que ela sempre existiu (a busca, não a verdade).

E ela (a verdade, não a busca) é encontrada na fé (o conceito que usarei em todo o texto não é apenas religioso e sim mais abrangente): naquilo que faz sentido e afaga o ego.

Quantas pessoas conhece que de fato abraçam supostas verdades mesmo que elas sejam contra suas crenças? É difícil encontrar esse comportamento. Se alguém se abraça a um argumento, a probabilidade dele ser uma “verdade” para quem abraça é gigante, muitas vezes ignorando evidências.

Sim, os exemplos são inúmeros e as próprias redes sociais trazem isso de forma não só clara como, frequentemente, obliterante e magnânima (não ouse discordar meu caro).

Existe uma confusão entre fazer sentido, verdade e conforto cognitivo.

Não há necessariamente relação entre os dois primeiros. Nós acreditamos que haja em favor do terceiro, do conforto cognitivo, reforço de crenças e da identidade.

Em primeiro lugar, assumimos como verdade o que faz sentido.

O que há, no fundo e na sequência, é uma associação completa e irremediável entre sentido e propósito.

Sou a única pessoa a questionar essa percepção egóica de realidade? Dificilmente, apesar de não encontrar evidências do contrário. Se é seu caso, favor pronunciar-se. Gostaria de debater o tema.

Ninguém está interessado em questionar, em questionar-se e o argumento “faz sentido” é, basicamente, a chancela de ouro em cima do ego.

Ah, acha que não?

Pense comigo: o que é um argumento como “faz sentido” além da percepção de que a própria crença está “certa”? O que é, além do próprio tapinha nas costas, reafirmando que a sua identidade permanece inabalada e as crenças intactas?

Questionar passou a ser uma maldição reservada aos antipáticos, tidos antissociais e inconvenientes (enquadro-me desconfortavelmente). Há uma percepção insidiosa de que quem questiona destrói a empatia, para não mencionar as amizades e relacionamentos.

“Faz sentido”, “eu acredito”, “eu sou” e o alinhamento dos 3 ratifica o conceito de propósito individual, confirmando o suposto direito de ser e existir em um contexto totalmente pessoal, independente e ausente de visão sistêmica.

Mas “fazer sentido” não é sinônimo de “verdade”; “acreditar” não é sinônimo de “ter certeza” e “ser” não é sinônimo de “identidade”. Se partimos de premissas aparentemente equivocadas, por que continuamos a insistir? Conforto apenas?

Aqui, coloco um conceito sensacional que ouvi de um sacerdote, anos atrás: quem tem certeza não precisa de fé. Fé é o querer acreditar, é uma atividade, uma busca, um exercício.

Nossa, isso abre um mundo de possibilidades.

Achei a colocação de uma sabedoria sem igual, principalmente vinda de um líder religioso (apesar da própria posição dele ser no sentido de ter certeza, ironicamente). Fé permite evolução.

Se não há espaço para a desconstrução de uma crença e questionamentos, não há espaço para evolução e aprendizado.

Questionar é invalidado, não permitido e interpretado como antagonista à um propósito criado justamente pela concepção do determinismo.

“Está escrito”.

Se está escrito, não questione, tenha certezas.

Aliás, transforme aquilo que faz sentido em crenças, fé e depois em certezas porque, do contrário, a fé não sobrevive. Pensando bem, diante da associação de fé com certeza, sem determinismo a fé perde o sentido (outra ironia). Se não faz sentido para você, é praticamente impossível ter fé.

Então, associamos o nosso comportamento ao fornecimento da fé como alicerce para a existência e questionar vira a perfeita exemplificação do indesejado.

Acho que encontrei um paradoxo.

Talvez o “receio” (palavra bonita usada por mim para substituir “medo”) seja enfrentar o próprio castelo de cartas auto-argumentativo e eventualmente olhar para um estranho no espelho.

Ser é transitório e é bem provável que, eventualmente, em alguma fase da vida, isso ocorra.

Por bem da palavra, que isso ocorra! Sem espaço para essa transformação, não há espaço para evolução, aprendizado e crescimento.

Ser é um processo. Ser é um conjunto de “estar” ao longo do tempo.

Não adianta colocar um às de ouro no topo do castelo de cartas através do sentido que faz, se não há espaço para o sopro que você mesmo quer dar na frágil base, mas não o faz em nome das certezas que constroem a identidade.

Se por algum momento que seja considera que o ser humano tem a capacidade de se adaptar, tem a capacidade de mudar. Uma coisa não existe sem a outra.

Olho para as redes sociais hoje e vejo milhares de castelos de cartas. Aliás, fotos deles.

Talvez precisemos de uma ventania, um grande sopro de existência de fato e não de movimentos egoicamente calculados e perfeitos, vazios e oferecendo um suposto valor igualmente egóico (entenda vendo este vídeo).

E não precisa ir longe para achar o vento do sopro: temos milhares de anos de conhecimento e literatura à nossa frente… temos “vento” de sobra. A questão é o desconforto evitado ao máximo. Ficamos cada vez mais rasos, evitando confrontar a si (curioso como há coragem de sobra nas redes sociais para o embate com os outros).

Talvez precisemos embaralhar as cartas e começar novamente com algo que não faça sentido, mas que permita uma existência associada ao direito não dar explicações e sentido.

Vivemos diante de um mar de argumentos plausíveis e que soam como verdade para tantos… mas a quantidade é tão grande que não passa de ruído.

Pensando bem, ruído não pela quantidade, mas pela nossa incapacidade de questionar aquilo que nos conforta, praticamente eliminando a possibilidade de criarmos.

Sinto-me com a mesma opinião do sétimo parágrafo, mas cheio de perguntas (cuido delas com carinho: sinto-me vivo).

Será apenas mais ruído em minha mente? Será apenas mais uma condição existencial tentando fazer sentido de si própria?

Sei menos que você.

Só sei que continuo no esforço de não tentar explicar aquilo que não compreendo com certezas ou fé apenas e sinto-me bastante ignorante com isso.

Por sinal, especialmente ignorante. Uma ignorância que, começo a perceber, traz o mesmo conforto da própria fé.

Há algo mais egóico? Há maior egocentrismo do que acreditar que a própria percepção de mundo e realidade é uma verdade absoluta, diante de tanta diversidade?

Corrijo-me: no momento, ironicamente, faz sentido, enquanto questiono meu próprio orgulho em ser questionador. Lá vem o ego coloquial meus caros, esse insistente inquilino.

Talvez (adoro essa palavra) eu tenha encontrado alguma informação afinal, em meio à tanto ruído e autocrítica.

Respeito o conceito de propósito determinístico que tantos têm. Está escrito, é confortável, faz-nos sentir especiais, escolhidos (algo que por si só é irônico, diante de uma argumentação igualitária presente em tantas doutrinas, que trazem estereótipos distintos e comparação para os que creem ou não).

No início da escrita deste texto, lembrei-me de inúmeras pessoas que conheço que perseguem propósitos externos e a qualidade de vida que isso traz, boa parte pela isenção e transferência de responsabilidade.

Por outro lado, enquanto escrevo, lembro também de exemplos onde propósitos assim provém a justificativa para alguns indivíduos agirem contra os demais.

Prefiro uma abordagem alternativa: em um universo caótico, não somos especiais, muito menos o centro dele. Aqui, propósito também existe, mas é construído e não atribuído.

O que tem feito na busca por ele? Vem construindo ou esperando que uma voz apareça, diga-lhe o que fazer E faça sentido pra você?

Consegue ouvir alguma coisa útil diante de tanto ruído?

Qual a sua parcela na manutenção do ruído que hoje existe?

O Universo não está nem aí para a nossa existência. Tem gente que vai ler isso e achar uma blasfêmia. Tem gente que achará um absurdo… mas tem pessoas que encontrarão muita força nessa afirmação.

Onde acha que temos mais liberdade e autonomia? Em um contexto determinístico, onde tudo está escrito e somos peças em um tabuleiro ou em um universo caótico, onde cabe a cada um de nós construir o seu próprio propósito, transformando o ruído e o caos que o cerca em significado?

Agora, um exercício de lógica super simples: o conceito de destino, determinismo e “tudo está escrito” é incompatível com “livre arbítrio”.

São mutualmente excludentes. Não dá para ter as duas coisas.

Ou você acredita em destino ou em livre arbítrio. Se acredita nas duas coisas, ou não pensou ainda sobre o tema, ou é uma contradição viva ou está tão confortável em preservar o próprio status quo através de certezas que… tá tudo bem.

Não adianta “acreditar” naquilo que faz sentido pra você, escolhendo as questões que trazem conforto e julgar o próximo pela crença ou inexistência dela, se não dermos ao próximo o direito de arbitrar. Acho que acabo de colocar que fé e livre arbítrio também não podem existir sob a mesma concepção, pelo menos não se o conceito de fé for opressor.

E antes que surja o argumento de que estou atacando alguma religião, lembre-se: estou usando o conceito de fé abrangente.

Finalizarei com uma afirmação: se você parou pra pensar sobre quaisquer argumentos colocados aí em cima, então é sinal de que o nível de ruído finalmente ficou baixo o suficiente para escutar-se.

Caraca Romulo, nada do que falou faz sentido!

Pode ser…

Mas não prometi sentido. De fato, não prometi nada, talvez apenas passado a ideia de provocar. Este sou apenas eu, lidando com os próprios anseios, questionamentos e argumentos mentais.

Um exercício.

De fé?

Quem sabe. Espero que não opressora.


 

Recursos Adicionais:

The User Illusion, Tor Nørretranders: https://amzn.to/2CoYqED
Sapiens, Yuval Harari: https://amzn.to/3ebkWxZ
Yes To Life, Viktor Frankl: https://amzn.to/3kfaFoL
Em Busca de Sentido, Viktor Frankl: https://amzn.to/321Jozq
As Variedades da Experiência Religiosa, William James: https://amzn.to/3qLxPH7
Em Busca de Nós Mesmos, Clóvis de Barros & Pedro Calabrez: https://amzn.to/2BTjjbk
O Ego É Seu Inimigo, Ryan Holiday: https://amzn.to/3eb4BcJ

Por RMCholewa

Romulo começou a trabalhar como estagiário na área de informática aos 16 anos.

Teve a oportunidade de trabalhar com cada aspecto de tecnologia da informação, desde a implantação até a área comercial, passando pela pré-venda, consultoria, comunicação, segurança da informação e gestão de equipes espalhadas pelo território nacional.

Perdeu o emprego aos 25 e aprendeu muito com a vida a partir daí. Na verdade, aprendeu tanto que mudou de vida; entendeu da melhor forma o que é humildade e passou quinze anos reconstruindo seu lado profissional.

Lutou contra a depressão por vários anos e aprendeu ainda mais com isso.

Hoje, trabalha como diretor de negócios. Em paralelo, como Practitioner PNL e Coach, dedica-se a ler, escrever e estudar sobre desenvolvimento humano e afins.

Tem, como missão de vida, ajudar os outros de forma inteligente. Vencer a depressão ensinou, dentre tantas coisas, que a maior realização que o ser humano pode alcançar é ver o próximo crescer. É ver, acima de tudo, o próximo brilhar, superar-se e vencer.

Dê uma olhada no meu profile do Linkedin (Check my Linkedin profile):

https://www.linkedin.com/in/rmcholewa/

3 respostas em “Ruído”

Mas tu és especial e és o centro do mundo, até porque, é através da tua perspetiva, tão única, que o teu mundo é criado! :star:

Susana, você sempre trazendo perspectivas deliciosas! 🤗

Deixe uma respostaCancelar resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.