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Você Sente Culpa por Chorar?

Certa vez,

Disseram-me que “olhar para cima” faz você parar de chorar instantaneamente.

Sim, funciona.

Funciona tão bem que é desconcertante.

É como colocar uma rolha.

Mas às vezes, não quero que funcione.

Repressão emocional tem consequências profundas.

Chorar é um processo.

É uma resultante de emoções preenchendo e transbordando o nosso ser.

Quem foi a infeliz alma que criou o conceito de que chorar é vergonha?

Quem foi o ser humano que idealizou as lágrimas como uma punição social?

Quando foi que idealizamos uma existência sadia sem emoções?

Quem foi o responsável por idealizar uma sociedade onde vulnerabilidade é igual a vergonha?

Nós, como sociedade, instituímos que lágrimas são uma vergonha.

Isso é doentio e destrutivo.

Emoções não só são naturais como essenciais à nossa sobrevivência.

Precisamos urgente aprender a lidar com as nossas e com as dos outros.

E “lidar” definitivamente não significa “controlar”.

Significa “aceitar”.

O maior símbolo da gravidade da enfermidade social é perceber

Que para muitos,

Chorar só é possível dentro de quatro paredes.

Isso é um absurdo.

É literalmente desumano.

Da próxima vez que você chorar

Terá o livre arbítrio de olhar para cima e fazer parar.

Terá também a chance de compreender o que está acontecendo.

E, quem sabe,

Estabelecer um vínculo com outras pessoas tão intenso

Que olhar para cima perderá o sentido.

Chorar, para mim, é libertador.

E eu não quero ninguém perto de mim

Que pense diferente.

Aqui, vai a provocação:

Inteligência emocional NÃO É CONTROLAR EMOÇÕES.

É saber lidar com elas.

Você está em um contexto onde não pode chorar?

Onde exercer emoções é uma vergonha?

Está no lugar adequado para você?

Sente-se confortável e seguro em um lugar assim?

O que você faz quando vê alguém chorando? Reprime? Julga?

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Sobre Adjetivos, Estereótipos, Comparação e Diversidade

Depois de expor tanto ao longo dos últimos anos sobre estereótipos, preconceito, diversidade, criatividade e comparação versus cooperação em vários conteúdos, percebi que não tenho nenhum específico e unificado sobre o tema.

Chegou a hora de reuní-los.

Como Tudo (Potencialmente) Começou

Tudo começa pelo conceito do ser humano como ser social e da sua necessidade de pertencimento.

Isso não é novo, evoluiu conosco provando ser um mecanismo de sobrevivência eficaz.

Talvez o resumo mais eficiente do assunto seja afirmar que somos como grupo mais do que a soma das partes.

Imagine existir em um mundo onde praticamente tudo pode lhe matar. O indivíduo, diante deste contexto, pode pouco. Mas descobrimos em algum momento do passado que, ao ajudarmos uns aos outros, nossas chances aumentam muito.

Tenho especial apreço por um argumento atribuído à antropóloga Margaret Mead.

Sobre o início da civilização e da cultura, a sua resposta surpreendeu muita gente:

“Qual o sinal mais antigo da civilização? Um pote de barro? Ferro? A agricultura?”

Não.

“Para ela, a evidência mais antiga de uma verdadeira civilização é um fêmur curado [um osso enorme da perna, fundamental e de difícil reparo]. Ela explica que uma cura como essa nunca foi encontrada nas reminiscências de culturas competitivas ou sociedades selvagens. Pelo contrário, nestas, pistas de violência são comuns. (…) Mas um fêmur curado mostra que alguém deve ter cuidado da pessoa ferida – caçou em seu lugar, trouxe comida e serviu ela através do seu sacrifício pessoal. Sociedades selvagens não se sujeitavam a essa “pena”.”

Mas para ser soma, o grupo precisa ser formado.

É ainda um mistério parcial o entendimento dessa mecânica por completo. Algumas evidências apontam para a influência do local ou região (proximidade regional relacionada à recursos), características físicas e adequação protocultural nos primórdios da existência dos nossos ancestrais.

Como cheguei a escrever anteriormente, tínhamos uma situação nesses primórdios onde a reunião pode ter sido influenciada pelo local e o acesso a recursos (água, alimento, abrigo), mas isso também acabou por influenciar a identidade das pessoas pertencentes ao grupo (para dois exemplos extremos, imagine as diferenças entre uma pequena sociedade de esquimós no ártico e uma de beduínos vivendo no deserto).

Natural, em um contexto desses, que grupos distintos tenham se confrontado eventualmente em busca de recursos.

A partir do momento em que isso ocorre, faz-se necessário distinguir membros de cada grupo, o que provavelmente também ocorreu através de elementos como a localização, aspectos físicos e culturais, traduzidos em comportamento, vestimentas, linguagem e tantos outros meios.

Estamos falando de uma época onde a força física e violência imperavam por pura necessidade. A capacidade de exercer domínio, assim como defender-se, atacar e caçar eram fundamentais à sobrevivência não só do indivíduo como do coletivo.

Dentro do próprio grupo, surgem as primeiras hierarquias, provavelmente definidas também pela capacidade física.

Um bom sistema de sobrevivência onde os mais fortes têm acesso primário à comida e à reprodução, enquanto os não tão fortes realizam outras tarefas em troca de proteção, alimentação e sobrevivência.

Temos então um ecossistema onde há a luta pelo poder e há o surgimento de hierarquias. Em um contexto como esse, é inevitável que tenham aparecido as primeiras situações de comparação não só entre indivíduos dentro do grupo, mas com outros grupos.

Contribui-se com o trabalho ou com a força e chega-se ao topo da hierarquia através do exercício da violência e da obliteração dos adversários.

Portanto, em uma existência pautada pelo concreto e tangível, pela sobrevivência e pela força, pertencer a um grupo que provenha mais chances de manter-se vivo é um diferencial importante tanto quanto fazer com que as chances do grupo sejam maiores.

Como sistema eficaz de sobrevivência que se destacou através da evolução do ser humano como vantagem, não é de se espantar que cerca de um milhão de anos depois, tenhamos ele como uma parte profunda de todos nós e isso tenha levado à formação das nossas civilizações.

Imaginação, Criatividade e o Intangível

Mais recentemente, surgiu a habilidade de criar conceitos complexos e abstratos usando a nossa imaginação, algo provavelmente responsável pelo surgimento de grupos cada vez maiores de seres humanos.

A partir daí, mais do que nunca, conceitos abstratos passaram a ser parte essencial nessa distinção: a adição de elementos intangíveis como ideias e concepções calçadas em crenças, para os quais atribuímos valores, capazes de separar indivíduos e grupos através de um conjunto de regras de comportamento compostas em segmentos que se transformaram em cultura. Perceba, inclusive, que existem diversos exemplos de sociedades onde o topo da hierarquia deixou de ser pautado pela força física, mas pela experiência.

Hoje, vemos facilmente uma versão disso emulada nas redes sociais: temos grupos de pessoas que defendem ideologias, políticos, expressões religiosas e espirituais, dicas de bem-estar, desenvolvimento pessoal e tantas outras tribos, não ausente de conflito por crenças contraditórias ou até opostas, totalmente associadas à identidade de quem pertence por percepção própria ou reconhecimento da tribo.

Em síntese, pertencer e comparar não é forte em nós por aleatoriedade. Foi por uma questão de sobrevivência inicialmente. Mas com a adição dos conceitos abstratos que levaram ao surgimento da cultura e da linguagem, junto com a comparação natural em favor da sobrevivência, outro elemento surge também: as primeiras relações de poder associadas ao conceito de identidade.

Byung-Chul Han descreve essa mecânica de forma exemplar em “O Que é Poder“, ao versar sobre Canneti (Canneti, Massa e Poder, 1960):

“O assassinato do outro [e da sua identidade ou parte da simbologia de sua existência] termina com a relação de poder. Entre seres humanos que se matam uns aos outros, o poder não tem lugar. Há apenas uma diferença de força física. O poder autêntico ocorre, na verdade, quando um deles, seja por medo da morte possível ou antecipando a superioridade física do oponente, se submete a este [neste caso, a identidade que arbitra agir é preservada e a relação de poder também]. Não a batalha que leva à morte daquele, mas a sua ausência [escolha de não agir face à ameaça] é o que constitui o poder em sentido autêntico.”
(itens em negrito são observações minhas).

Portanto, para preservar as relações de poder, a identidade através da existência é fundamental, bem como a comparação entre identidades. Ainda, como diz Byung-Chul Han no parágrafo anterior:

“O poder, contudo, é uma relação. Sem alter e ego não há poder.”

Não que a citação acima não seja conveniente. Ela é estratégica.

A Base do Preconceito

Quanto mais conceitos abstratos associamos ao longo dos séculos à identidade, mais possibilidades temos para o universo potencial do ego, ao ponto de, hoje, termos concepções totalmente intangíveis, como o conceito de posse associado não ao valor intrínseco, mas a uma marca ou dinheiro por exemplo (já pensou sobre como o dinheiro é uma história totalmente intangível na qual todos acreditam?), e o possuir como fator de fomento egóico.

Não podemos esquecer da autoridade (campo vastíssimo, incluindo a autoridade intelectual, religiosa ou espiritual, política, militar, social, governamental, institucional, familiar, moral, autoritária, hierárquica, tradicional ou cultural, carismática, legal e tantas outras).

A autoridade, por sinal, é um excepcional exemplo da questão associada à identidade. Um indivíduo pode se perceber uma autoridade em algum campo, mas é o reconhecimento deste mesmo indivíduo pela sociedade e outros grupos que valida a autoridade e reforça a identidade como tal (e o ego, por consequência). Quanto maior a autoridade, maior a concepção de que “sou melhor do que você ou do que um grupo” e o poder potencial.

Definitivamente, não estamos presos a estes conceitos apenas. Existem inúmeras características que supostamente definem as tribos atuais e as estipuladas regras de pertencimento, muitas vezes veladas.

Mais recentemente, temos o ápice (até o momento) da transferência egóica, a criação do alter quase perfeito. A identidade projetada nos avatares virtuais, em mídias eletrônicas como as redes sociais. Uma projeção muitas vezes calculada, uma idealização construída com a intenção fundamental de parecer “melhor” para sentir-se melhor.

A busca aqui é construir um alter constituído de uma identidade com as características mais próximas do desejo e da perfeição, com o máximo de autoridade possível, situação tão séria que há inúmeros exemplos onde há a intenção de que o alter substitua o ego. O eu externo passa a valer mais do que a existência humana. Alguns filósofos tratam da questão atualmente como uma potencial transição e fica a pergunta: não seria essa transferência um novo cenário da nossa existência? O desejo crescente e sem limites de se tornar a identidade idealizada… tornando-a realidade.

Chegamos então ao curioso caso da coisificação de todos esses aspectos intangíveis, assim como da própria identidade. Ela foi coisificada, transformada em algo transacionável (influência?) um produto à venda na prateleira social. Até o conceito de beleza foi coisificado.

Um passo antes, o que há?

Comparação, fundamentada em todos os aspectos acima.

Temos a comparação como a raiz para a busca pelo sucesso, felicidade e realização. Se há metas e objetivos, há a comparação. Ao invés de olharmos dentro de nós mesmos à procura de tais elementos, os três passaram a ser codependentes do sucesso, da felicidade e da realização dos outros. Metas a serem cumpridas, objetivos a serem alcançados.

Mais, através da comparação é possível, inclusive, a movimentação hierárquica e o exercício de instâncias de poder e dominação.

Ou influência, se preferir, para usar mais uma vez uma palavra na moda que até virou profissão.

Portanto, soma-se à percepção de pertencimento os conceitos de outrora às concepções intangíveis (transformadas em transacionáveis) atuais. Tudo aquilo que pode (e é) associado à identidade, é também usado para classificar e separar as pessoas em caixinhas estereotípicas.

Aliás, importante notar que fazemos um esforço sem igual de encaixar qualquer coisa “diferente” em uma caixinha. Existe até a própria caixinha do “diferente“. “Diferente” é percebido como não pertencente ao “meu” grupo e uma potencial ameaça.

Com elas, após a classificação estereotípica, atribuímos aos indivíduos pertencentes todas as características que nós mesmos temos para cada estereótipo, ignorando completamente a unicidade natural de cada ser humano e sem quaisquer interesses de saber mais. Um dos principais efeitos colaterais desse movimento é a adjetivação de pessoas e grupos.

Tememos o que não conhecemos. Tememos o diferente.

Surge então o preconceito como exercício de poder e superioridade. Compara-se, classifica-se, associa-se a um estereótipo, adjetiva-se negativamente e exerce-se o poder através do preconceito, como busca doente de um suposto bem-estar através do ser “mais ou “melhor” do que alguém ou um grupo, muitas vezes atuando ferozmente na desqualificação das demais identidades objeto de comparação.

Diante da estereotipação, surgem emoções básicas como nojo e desprezo. Enquanto o desprezo tem uma conotação intelectual de superioridade, o nojo tem uma base de sobrevivência (por exemplo, manter-se longe de algo que pode potencialmente envenená-lo).

E não é que o sentimento de envenenamento intelectual faz muito sentido?

No caso do preconceito, o nojo passa a ser intelectual também, baseado na representação da identidade formada para o alvo do estereótipo. Em ambos os casos, houve um aprendizado através dos grupos e sistemas aos quais se pertence (família, trabalho, comunidade são exemplos) onde o estereótipo é formado. Sim, trata-se de algo tão perigoso e difícil de combater por causa das suas origens e das emoções que desperta.

Essa comparação, que incentiva uma competição desenfreada em busca da felicidade, sucesso e realização, cria situações totalmente destrutivas e de insatisfação constante. Uma sociedade insatisfeita e coisificada, que deposita a felicidade, o sucesso e a realização em elementos externos, é uma sociedade de um consumo doentio e do cansaço, que busca na descarga de dopamina constante, a felicidade (aquisição, drogas lícitas ou ilícitas, competitividade, exercício de poder e superioridade), em busca de mais um suspiro de sobrevida, apesar da exaustão.

Entretanto, como disse em um texto anterior:

Não somos mais nem menos. Somos diferentes.

E nossa, não há poder maior para a humanidade do que a interação dessa diversidade.

Nossa realidade hoje é outra, pautada por conceitos cada vez mais complexos e que exigem um alto poder cognitivo e imaginativo.

Ao promover uma irremediável associação em grupos de pessoas com características supostamente semelhantes, o que traz o conforto do pertencimento, de poucas mudanças e o poderoso viés da confirmação, a realidade atual e o nosso futuro dependem da criatividade, da inovação e de pensar o novo rapidamente.

Eles dependem da nossa habilidade em focar nas ideias e não na identidade das pessoas ou estereótipos.

Perceba as forças contrárias em jogo aqui.

Um mecanismo inato e milenar de sobrevivência, apto a uma realidade dos nossos antepassados com pouca capacidade inventiva, versus o momento atual de altíssima necessidade e habilidade cognitiva e que exige a aceitação de diferenças em busca do novo. É como um quebra-cabeças: cada um de nós uma peça diferente e essencial à formação da imagem do final. Neste caso, não há fim. Há jornada e evolução.

Temos a ilusão advinda dos exercícios de poder do passado, através do embate dos grupos de indivíduos com características semelhantes, de que a maneira mais eficaz de obter resultados é o conflito.

Mas é exatamente o contrário: o extraordinário acontece quando as diferenças e individualidades são aceitas, permitindo a interação da diversidade de pensamentos, emoções e ideias, algo que incentiva a cooperação e não a comparação e competição.

E sim, o choque ocorre a toda hora, a todo momento.

Como podemos então migrar para uma abordagem mais sadia?

A Pirâmide ou Hierarquia da Discordância de Graham

Agora que exploramos vários conceitos fundamentais, apresento-lhes outro do qual sou fã, faz parte do meu livro e já mencionei por aqui. Tenho um vídeo que também aborda o tema.

Criada pelo investidor Paul Graham em 2008 meio que na brincadeira, ela fala sobre como argumentar na Internet. Entretanto, o conceito é muito mais poderoso e exprime muito bem quando há a aceitação ou não de ideias ou quando o processo de comparação está em exercício e, principalmente, se ele está no nível da identidade.

Pirâmide ou Hierarquia da Discordância de Graham

Devemos fazer um esforço e mirar sempre numa argumentação de melhor qualidade (no topo da pirâmide). Perceba que lá, não tocamos na identidade ou na liberdade existencial de cada um. O foco é o argumento, a ideia, a proposição.

À medida em que se caminha para a base da pirâmide, mais percebe-se a identidade do interlocutor, chegando ao ponto da comparação ser tão extrema que há a necessidade de desqualificá-lo ou eliminá-lo. Vejamos cada etapa a seguir.

Direto Ao Ponto

Focado na ideia ou conceito. É o melhor e mais rico nível de argumentação, onde há respeito mútuo e o foco é o ponto central da ideia, conceito ou argumento que foi colocado. Tem o poder de derrubar totalmente a proposição inicial. Visa completamente o conteúdo central e em nenhum momento questiona os autores, sempre fazendo referência aos pontos de discordância e fornecendo as evidências necessárias.

Focado em Erros e Trechos

Ainda focado na ideia, mínima percepção da identidade do interlocutor. Neste nível há contribuição real para os participantes e, se a contra argumentação for feita de forma eficaz, ela deve derrubar parte da proposta inicial. No entanto, como não consegue perceber (ou não aborda) o ponto central da ideia, não refuta o raciocínio original como um todo. É útil e pode ser explorada para que chegue no nível acima, basta ampliar o conhecimento acerca do argumento de partida e do seu contexto. Existe o respeito mútuo e o foco está nos argumentos.

Contra Argumentação

Existe a visão da ideia ou conceito, mas o objetivo já passa a ser contrapor a identidade do interlocutor. Oferece uma posição contrária ao argumento original ou partes, mas não foca em nenhum deles, apenas oferecendo uma justificativa pelo qual é contra. Continua existindo respeito entre as partes. Pode ter alguma utilidade, mas dificilmente se conseguirá elevar a argumentação para o nível acima, talvez por falta de compreensão do que foi dito.

Sou do Contra

Mínima visão do conceito. O foco passou a ser a identidade do outro. É quando existe uma postura contrária à questão e não se fornece nenhuma justificativa. Mesmo que não ataque o autor original, não há utilidade alguma nesse tipo de argumentação para ninguém envolvido e ele está normalmente baseado em crenças ocultas.

Focado no Tom

Não há mais nenhuma percepção da ideia ou conceito e o objeto da argumentação é a metalinguagem: a suposta incapacidade do interlocutor de expressar-se.

Ad Hominem

Foco na identidade do interlocutor e o objetivo passou a ser desqualificá-lo. Esqueça o argumento e até o assunto em questão. Aqui, ele sequer será abordado. O foco está na desqualificação do autor, atacando a sua identidade e competência.

Xingamentos

Não há mais interesse em desqualificar o interlocutor. O objetivo passou a ser obliterá-lo. No nível mais baixo de todos, o que reina é a agressividade,  a violência, a ofensa e o desrespeito, mútuo ou não. São os xingamentos, as grosserias e talvez até as agressões físicas. Adjetivos são a regra e a comparação, junto com julgamento e conflito exercem o maior poder.

A pirâmide de Graham pode ser usada como ferramenta excepcionalmente útil por cada um de nós para detectar se estamos nos relacionando com outras pessoas através da cooperação e no nível das ideias ou se estamos indo em direção à identidade e à comparação.

Há Esperança?

Há, certamente.

E a tradução dessa esperança em realidade passa pelo entendimento e pela aceitação de que não somos melhores ou piores do que ninguém. Somos diferentes.

E isso é fantástico!

Como gosto de dizer (algo que pratico no dia a dia, mas não ausente de desafio), se somos expostos a uma ideia, conceito ou concepção e adjetivamos negativamente a pessoa que nos expôs (mesmo que mentalmente), há uma evidência de que estamos caminhando para a base da pirâmide. Neste caso, há uma fuga da aceitação das diferenças e um movimento em direção ao conflito.

O que proponho é que a mudança necessária comece dentro de cada um nós. Não podemos arbitrar sobre o que o próximo pensa ou sente. Podemos, sim, fazer a nossa parte para ter um futuro de grande evolução e paz. O que nos diferencia do nosso passado é justamente aquilo que exige uma mudança de pensamento se quisermos sobreviver como humanidade com menos conflitos.

“A raiz da infelicidade humana está na comparação”
Søren Kierkegaard


Leitura adicional:

 


Não consegui achar a origem da imagem usada nesse texto. Caso infrinja direitos autorais reservados, favor entrar em contato para remoção. Obrigado.

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Enfim, a Hipocrisia

Ah, a hipocrisia.

É natural que idealizemos uma existência e não sejamos ela.

É natural que tenhamos um ideal de ser e estar e projetemos isso no externo, mas na realidade, sejamos pouco ou muito diferentes dessa concepção.

Esse é um movimento que sempre existiu e não foi criado junto com as redes sociais. Elas apenas evidenciaram a diferença entre quem somos e quem desejamos ser. Aliás, as redes sociais estimulam essa diferença.

Darei alguns exemplos.

Vejamos o indivíduo que vai todas as semanas ao culto e trata mal as pessoas na rua ou, ainda, a que reza por uma religião contrária ao uso de drogas ou álcool (entendo que a maioria esmagadora) e faz uso delas na balada.

Tem aqueles que acreditam na evolução do ser através do altruísmo ensinado por suas respectivas religiões ou crenças que são claras quanto ao apego material e… vivem suas vidas em função da conquista do material (ou divulgam a cocriação da abundância sentados em… abundância).

Não esqueçamos das “figuras públicas” que, nas redes sociais, dão dicas sobre organização, superação, planejamento, alcançar a sua melhor versão e têm suas vidas literalmente de cabeça para baixo, mal conseguindo aparecer para um compromisso com menos de 15 minutos de atraso.

E o sujeito que prega retidão, valores da família em todos os lugares, idoneidade, honestidade e fidelidade, mas não perde por esperar a próxima baladinha ou convenção da empresa, onde cai no puteiro com os colegas e clientes.

Não esqueçamos a verdadeira onda de positividade tóxica muito comum nas redes sociais. #Goodvibes, seja positivo, cerque-se de pessoas positivas e tá tudo bem.

Só tem um detalhe: ninguém na face da terra é feliz ou positivo o tempo todo. Ninguém é um ideal, seja ele qual for, sempre.

Se pretende cercar-se de pessoas #goodvibes e positivas o tempo todo, é provável que atraia pessoas como você: que atuam uma felicidade e um bem-estar idealizado e irreal através de um personagem.

O problema está na mentalidade por trás do “mais” ou “menos”. A questão é adjetivar pessoas como prática comum.

Pessoas mais sábias, mais fortes, mais criativas, mais engenhosas, mais competentes… ou bobas, sem criatividade, sem estrutura… Isso é comparação, repleta de julgamento.

Nenhum desses adjetivos existe sem um referencial, que acaba sendo a própria régua.

Pessoas são DIFERENTES, não mais, não menos.

E é a interação dessa diversidade que tem o potencial de, como grupo, sociedade, permitir que façamos coisas extraordinárias.

Os ideais e expectativas impossíveis junto com a comparação são umas das maiores fontes de questões de saúde mental.

Perceba como o ato de cercar-se de pessoas que supostamente nos levam a uma melhor versão tem uma decisão e um julgamento anterior: as mesmas pessoas que consideram-se positivas pregam o não-julgamento, mas foi exatamente o que fizeram ao considerar alguém “bom” ou “certo”, sempre usando a própria régua de bondade e virtude que, sem surpresas, assemelha-se a percepção de si.

Ao escolher apenas quem achamos que são “bons” (ou qualquer outra característica), somos levados a confirmar nossa identidade projetada. Nega-se a chance de contemplar a diversidade e encontrar o novo, talvez a centelha para o início de um processo de crescimento, procurado em primeiro lugar.

Pensar dessa forma absolutamente e a todo o tempo é negar a complexidade humana, o passeio entre nuances.

Não que eu esteja advogando sobre aproximar-se daquilo que faz mal, pelo contrário. Mas todo mundo no planeta já foi percebido como tóxico para alguém.

Entre possíveis extremos de suposta bondade e maldade, certo e errado, repousa a existência humana. Apesar deles existirem, não somos seres apenas de extremos: somos únicos e complexos, com uma mistura de elementos que desaguam na unicidade (o conceito de “extremo” aqui nada mais é de que os limites de algo medido subjetivamente).

Achar que somos extremos é apenas olhar para as pontas, para as extremidades do comportamento humano.

Todos nós temos questões, imperfeições e aquilo que pode ser percebido como limite ou indesejado. O segredo está na cooperação, na aceitação e na ajuda mútua.

Não trago essas questões para exercer o moralismo, defender ou atacar nenhuma religião, crença ou convicção de nenhum tipo, até porque essa suposta dualidade precede a todas e é da natureza humana (para fins de exemplo, isso é irrelevante). A questão não é a crença em si, mas usá-las como artifício de comparação.

Minha intenção é evidenciar o conflito interno que estimulamos, criado por nós mesmos.

Os indivíduos se comportam colocando forças opostas umas contra as outras e não se dão conta de que esse tremendo choque ocorrerá dentro de si.

Enfim, a hipocrisia… em seu máximo esplendor.

Mas calma.

Se olhar bem, todo ser humano é hipócrita em alguma extensão.

Exato. Todos nós somos hipócritas. E tá tudo bem (pelo menos até aqui).

Sempre existirá uma diferença entre o eu (que, por sinal, é transitório) e a identidade externa, o desejo, a idealização e a aspiração.

A questão não é a diferença existir. A questão é se a distância está aumentando ou não, se a identidade externa é uma atuação construída com uma finalidade específica que nada tem a ver com quem se é.

Pense em um elástico.

Numa ponta, temos o eu, a nossa mais precisa (tanto quanto possível) definição de quem somos.

Na outra ponta, temos uma identidade externa.

Quanto maior a distância entre os dois, quanto mais esticado o elástico estiver, maior a tensão.

Quanto maior a tensão, maior a falta de realização e a distância do bem-estar.

Agora, imagine que nem sempre sabemos quem somos.

Podemos estar inadvertidamente esticando o elástico.

Entende agora porque autoconhecimento é importante?

O problema não é a existência da hipocrisia, é o que estamos fazendo para diminuí-la.

É o que estamos fazendo para diminuir a tensão do elástico.

Como está o seu?

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A Fronteira da Identidade

Você acorda.

Olha para os lados e percebe uma comunidade de umas… 40 pessoas.

Você só conseguiu dormir porque elas existem.

Alguém vigiou enquanto dormia. Alguém caçou. Alguém cuidou das suas feridas.

A sua identidade está irremediavelmente conectada àquelas pessoas. Ao lugar.

A comunidade cresce, estabelece-se.

Aqueles vales e savanas transformam-se em cultura.

Algumas tradições surgem.

Histórias transformam-se em músicas, cânticos à beira de uma fogueira, pessoas dançando… você olha em volta mais uma vez e percebe que pertence.

As fronteiras da sua realidade determinadas por quão longe consegue andar e voltar ao grupo.

As características do grupo influenciam o local escolhido e o local influencia como o grupo eventualmente se comporta.

Aquele é o seu lugar. Não consegue imaginar-se em outro momento ou situação. Você é, por estar.

O poder da terra. O crescimento do grupo em estabelecimentos cada vez maiores, casas, vilas, feudos, reinos, nações.

Bandeiras e fronteiras.

Culturas.

Se entendermos a religião como uma forma de expressão cultural, todas as guerras do mundo foram travadas para defender esses três. E foram muitas.

Defender a identidade, as crenças e os recursos.

Um resumo dos últimos 40 mil anos em pouco mais de 150 palavras.

Existência ligada ao corpo e às suas necessidades.

Agora, pulemos para o momento atual.

Cadê a fronteira?

Cadê o lastro cultural histórico da identidade?

Perdeu-se?

Pode ser.

Mas não deixamos de ter identidade. Ela apenas passou a ser estruturada de outra forma.

Nos últimos 20 anos, houve uma transferência dessa identidade para um conceito virtual, para uma curadoria de sons, imagens, vídeos, textos, comentários e outros sinais de representatividade de crenças e avatares online criados à referência de um ideal de existência.

No passado, a ligação da identidade ao ambiente físico era muito mais forte e a fortaleza dessa conexão trazia uma consequência interessante: tangibilidade.

Era o que era. Passível de ser percebido fisicamente. Sentido, visto, ouvido, tocado.

Hoje, o que tocamos é a tela do celular.

Substância substituída por exposição, ser visto, uma mecânica pornográfica que molda a identidade e as nossas relações, completamente mediadas por inúmeras camadas e interesses entre representações de pessoas.

Além da identidade ser uma perseguição de ideal filtrada, transformada, intencionada e interpretada, há um conjunto de entidades entre eus e vocês, transformando o que vem e vai.

A fronteira agora é o alcance, promovido pelo engajamento e likes (curte, compartilhe, comenta!). Comportamentos totalmente moldados por algoritmos.

A percepção de identidade transformou-se em um gás, preenchendo e tomando conta de tudo que há dentro da fronteira, desde que permitido pelos algoritmos.

Aparecer, ser notado e atenção viraram sinônimos de existência e não apenas estar exposto.

Com a expansão dos avatares, os egos seguem, numa louca e desenfreada comercialização do eu coisificado e encenado.

Como uma encenação, uma performance, a existência é transportada para fora e para longe do corpo físico, para uma embalagem conveniente, etiquetada, classificada, precificada e estereotipada na prateleira da nova sociedade que se forma, exposta e à venda.

Emoções também passaram a fazer parte dessa representação e, de fato, emoções e sentimentos tidos como negativos são execrados em favor daquilo reconhecido como positivo, pois aumenta o preço da existência performática.

Até a pergunta “como você se sente?” perdeu o sentido, pois a resposta está ligada à encenação e à economia estabelecida.

A suposta e constante felicidade alheia, a positividade, a motivação e a superação perenes, como ideais de transformação, vendem.

O ideal inalcançável de comportamento (que é uma performance e referência de perfeição desejada), vende ainda mais.

E como inalcançável, criou-se a mercadoria ideal na economia perfeita.

Demanda inesgotável para algo inatingível.

No fim do dia, perdemos cada vez mais contato com quem somos em favor de quem mostram que devemos ser, para sermos ainda mais aos olhos dos outros em busca de nós mesmos. Uma armadilha.

Estamos existindo em uma identidade engenhada que não é a nossa, mas criada para satisfazer as expectativas da relação econômica.

  • Em um cenário assim, como podemos sequer saber quem somos?
    • Olhamos para fora e… quando olhamos para dentro, é no desejo de encontrar os ideais externos;
  • Como exercemos a unicidade que nos define, em um mundo pornográfico que impõe uma transparência opressora e desumanizadora?
    • Há uma pasteurização do conteúdo, muita informação que é apenas mais do mesmo, repetição e busca por fórmulas de suposto sucesso;
  • Se ativamente e intencionalmente transpomos uma identidade ideal para o consumo e fazemos parte dessa mecânica, ainda assim é possível preservar um eu ligado à essência? Em outras palavras, ao encenar e consumir, não corremos o risco de nos distanciarmos tanto dessa essência ao ponto de matá-la de fome?
    • Se há uma curadoria intencional à procura de engajamento ou exposição, há o distanciamento da essência e a aproximação dos interesses das entidades por trás das plataformas.

Tenho uma ideia que não sai da mente: se a identidade projetada é ideal e encenada (por menos que seja), a transmutação da essência para um reflexo atendendo às expectativas alheias através da performance não pode ser reconhecida como essência em si.

Isso é enganação de si com uma pauta egóica (o ego, sendo usado como arma contra nós mesmos), por mais que o marketing e os argumentos vendam “essência” e individualidade (no sentido existencial) na prateleira social.

E, se considerarmos por um momento uma situação ideal e perfeita (ironia) da transposição da essência para o virtual, ainda há a mediação que, em nenhum caso, defende os nossos interesses.

Nenhum caso. Em nenhum momento.

Hoje, tenho mais perguntas do que respostas.

 


Imagem: Getty Images

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Ruído

Anos atrás, li um livro que mudou minha percepção de realidade, de consciente e de inconsciente.

Alguns dias atrás, li um artigo na mesma direção.

Sem entrar nas considerações matemático-físico-filosóficas da minha limitada percepção do que foi dito, faço uma tentativa potencialmente frustrada de abordar o tema.

É isso mesmo? Começarei um texto argumentativo afirmando ser uma tentativa e, ainda por cima, frustrada?

Por que não?

Já mudei de opinião em 5 minutos de conversa e reservo-me o direito de mudar ao longo da escrita (certamente acontecerá, verá).

Aliás, esse é um dos grandes motivos pelo qual escrevo, compreensão e mudar de ideia, uma das coisas que mais prazer me traz (apesar das evidências em contrário, frase totalmente carregada de ironia e autocrítica).

Dito isso, confundo-me com a tentativa de buscar significado e sentido nas redes sociais praticada em massa atualmente.

Talvez o emprego da palavra “atualmente” seja bastante característico, afinal, falo de algo bem recente e que vem mudando o comportamento da sociedade profundamente.

Ou será o contrário? Será que as redes sociais são apenas o exercício de uma sociedade doente? Quem adoece quem?

Para todo lugar que olho, existe uma busca insistente pela verdade e entendo que ela sempre existiu (a busca, não a verdade).

E ela (a verdade, não a busca) é encontrada na fé (o conceito que usarei em todo o texto não é apenas religioso e sim mais abrangente): naquilo que faz sentido e afaga o ego.

Quantas pessoas conhece que de fato abraçam supostas verdades mesmo que elas sejam contra suas crenças? É difícil encontrar esse comportamento. Se alguém se abraça a um argumento, a probabilidade dele ser uma “verdade” para quem abraça é gigante, muitas vezes ignorando evidências.

Sim, os exemplos são inúmeros e as próprias redes sociais trazem isso de forma não só clara como, frequentemente, obliterante e magnânima (não ouse discordar meu caro).

Existe uma confusão entre fazer sentido, verdade e conforto cognitivo.

Não há necessariamente relação entre os dois primeiros. Nós acreditamos que haja em favor do terceiro, do conforto cognitivo, reforço de crenças e da identidade.

Em primeiro lugar, assumimos como verdade o que faz sentido.

O que há, no fundo e na sequência, é uma associação completa e irremediável entre sentido e propósito.

Sou a única pessoa a questionar essa percepção egóica de realidade? Dificilmente, apesar de não encontrar evidências do contrário. Se é seu caso, favor pronunciar-se. Gostaria de debater o tema.

Ninguém está interessado em questionar, em questionar-se e o argumento “faz sentido” é, basicamente, a chancela de ouro em cima do ego.

Ah, acha que não?

Pense comigo: o que é um argumento como “faz sentido” além da percepção de que a própria crença está “certa”? O que é, além do próprio tapinha nas costas, reafirmando que a sua identidade permanece inabalada e as crenças intactas?

Questionar passou a ser uma maldição reservada aos antipáticos, tidos antissociais e inconvenientes (enquadro-me desconfortavelmente). Há uma percepção insidiosa de que quem questiona destrói a empatia, para não mencionar as amizades e relacionamentos.

“Faz sentido”, “eu acredito”, “eu sou” e o alinhamento dos 3 ratifica o conceito de propósito individual, confirmando o suposto direito de ser e existir em um contexto totalmente pessoal, independente e ausente de visão sistêmica.

Mas “fazer sentido” não é sinônimo de “verdade”; “acreditar” não é sinônimo de “ter certeza” e “ser” não é sinônimo de “identidade”. Se partimos de premissas aparentemente equivocadas, por que continuamos a insistir? Conforto apenas?

Aqui, coloco um conceito sensacional que ouvi de um sacerdote, anos atrás: quem tem certeza não precisa de fé. Fé é o querer acreditar, é uma atividade, uma busca, um exercício.

Nossa, isso abre um mundo de possibilidades.

Achei a colocação de uma sabedoria sem igual, principalmente vinda de um líder religioso (apesar da própria posição dele ser no sentido de ter certeza, ironicamente). Fé permite evolução.

Se não há espaço para a desconstrução de uma crença e questionamentos, não há espaço para evolução e aprendizado.

Questionar é invalidado, não permitido e interpretado como antagonista à um propósito criado justamente pela concepção do determinismo.

“Está escrito”.

Se está escrito, não questione, tenha certezas.

Aliás, transforme aquilo que faz sentido em crenças, fé e depois em certezas porque, do contrário, a fé não sobrevive. Pensando bem, diante da associação de fé com certeza, sem determinismo a fé perde o sentido (outra ironia). Se não faz sentido para você, é praticamente impossível ter fé.

Então, associamos o nosso comportamento ao fornecimento da fé como alicerce para a existência e questionar vira a perfeita exemplificação do indesejado.

Acho que encontrei um paradoxo.

Talvez o “receio” (palavra bonita usada por mim para substituir “medo”) seja enfrentar o próprio castelo de cartas auto-argumentativo e eventualmente olhar para um estranho no espelho.

Ser é transitório e é bem provável que, eventualmente, em alguma fase da vida, isso ocorra.

Por bem da palavra, que isso ocorra! Sem espaço para essa transformação, não há espaço para evolução, aprendizado e crescimento.

Ser é um processo. Ser é um conjunto de “estar” ao longo do tempo.

Não adianta colocar um às de ouro no topo do castelo de cartas através do sentido que faz, se não há espaço para o sopro que você mesmo quer dar na frágil base, mas não o faz em nome das certezas que constroem a identidade.

Se por algum momento que seja considera que o ser humano tem a capacidade de se adaptar, tem a capacidade de mudar. Uma coisa não existe sem a outra.

Olho para as redes sociais hoje e vejo milhares de castelos de cartas. Aliás, fotos deles.

Talvez precisemos de uma ventania, um grande sopro de existência de fato e não de movimentos egoicamente calculados e perfeitos, vazios e oferecendo um suposto valor igualmente egóico (entenda vendo este vídeo).

E não precisa ir longe para achar o vento do sopro: temos milhares de anos de conhecimento e literatura à nossa frente… temos “vento” de sobra. A questão é o desconforto evitado ao máximo. Ficamos cada vez mais rasos, evitando confrontar a si (curioso como há coragem de sobra nas redes sociais para o embate com os outros).

Talvez precisemos embaralhar as cartas e começar novamente com algo que não faça sentido, mas que permita uma existência associada ao direito não dar explicações e sentido.

Vivemos diante de um mar de argumentos plausíveis e que soam como verdade para tantos… mas a quantidade é tão grande que não passa de ruído.

Pensando bem, ruído não pela quantidade, mas pela nossa incapacidade de questionar aquilo que nos conforta, praticamente eliminando a possibilidade de criarmos.

Sinto-me com a mesma opinião do sétimo parágrafo, mas cheio de perguntas (cuido delas com carinho: sinto-me vivo).

Será apenas mais ruído em minha mente? Será apenas mais uma condição existencial tentando fazer sentido de si própria?

Sei menos que você.

Só sei que continuo no esforço de não tentar explicar aquilo que não compreendo com certezas ou fé apenas e sinto-me bastante ignorante com isso.

Por sinal, especialmente ignorante. Uma ignorância que, começo a perceber, traz o mesmo conforto da própria fé.

Há algo mais egóico? Há maior egocentrismo do que acreditar que a própria percepção de mundo e realidade é uma verdade absoluta, diante de tanta diversidade?

Corrijo-me: no momento, ironicamente, faz sentido, enquanto questiono meu próprio orgulho em ser questionador. Lá vem o ego coloquial meus caros, esse insistente inquilino.

Talvez (adoro essa palavra) eu tenha encontrado alguma informação afinal, em meio à tanto ruído e autocrítica.

Respeito o conceito de propósito determinístico que tantos têm. Está escrito, é confortável, faz-nos sentir especiais, escolhidos (algo que por si só é irônico, diante de uma argumentação igualitária presente em tantas doutrinas, que trazem estereótipos distintos e comparação para os que creem ou não).

No início da escrita deste texto, lembrei-me de inúmeras pessoas que conheço que perseguem propósitos externos e a qualidade de vida que isso traz, boa parte pela isenção e transferência de responsabilidade.

Por outro lado, enquanto escrevo, lembro também de exemplos onde propósitos assim provém a justificativa para alguns indivíduos agirem contra os demais.

Prefiro uma abordagem alternativa: em um universo caótico, não somos especiais, muito menos o centro dele. Aqui, propósito também existe, mas é construído e não atribuído.

O que tem feito na busca por ele? Vem construindo ou esperando que uma voz apareça, diga-lhe o que fazer E faça sentido pra você?

Consegue ouvir alguma coisa útil diante de tanto ruído?

Qual a sua parcela na manutenção do ruído que hoje existe?

O Universo não está nem aí para a nossa existência. Tem gente que vai ler isso e achar uma blasfêmia. Tem gente que achará um absurdo… mas tem pessoas que encontrarão muita força nessa afirmação.

Onde acha que temos mais liberdade e autonomia? Em um contexto determinístico, onde tudo está escrito e somos peças em um tabuleiro ou em um universo caótico, onde cabe a cada um de nós construir o seu próprio propósito, transformando o ruído e o caos que o cerca em significado?

Agora, um exercício de lógica super simples: o conceito de destino, determinismo e “tudo está escrito” é incompatível com “livre arbítrio”.

São mutualmente excludentes. Não dá para ter as duas coisas.

Ou você acredita em destino ou em livre arbítrio. Se acredita nas duas coisas, ou não pensou ainda sobre o tema, ou é uma contradição viva ou está tão confortável em preservar o próprio status quo através de certezas que… tá tudo bem.

Não adianta “acreditar” naquilo que faz sentido pra você, escolhendo as questões que trazem conforto e julgar o próximo pela crença ou inexistência dela, se não dermos ao próximo o direito de arbitrar. Acho que acabo de colocar que fé e livre arbítrio também não podem existir sob a mesma concepção, pelo menos não se o conceito de fé for opressor.

E antes que surja o argumento de que estou atacando alguma religião, lembre-se: estou usando o conceito de fé abrangente.

Finalizarei com uma afirmação: se você parou pra pensar sobre quaisquer argumentos colocados aí em cima, então é sinal de que o nível de ruído finalmente ficou baixo o suficiente para escutar-se.

Caraca Romulo, nada do que falou faz sentido!

Pode ser…

Mas não prometi sentido. De fato, não prometi nada, talvez apenas passado a ideia de provocar. Este sou apenas eu, lidando com os próprios anseios, questionamentos e argumentos mentais.

Um exercício.

De fé?

Quem sabe. Espero que não opressora.


 

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Sobre Crenças Limitantes Autoimpostas

É inquestionável a característica de sermos seres sócio dependentes.

Nascemos incapazes de sustentar a vida autonomamente e sem o apoio dos sistemas sociais, profundas consequências ocorrerão.

Nos últimos 2 anos, emendei por um bom tempo o auto #isolamento da depressão com o isolamento da #pandemia.

Mistura perigosa.

Quem é próximo sabe que um dos recursos que mais usava era ir a um local de ampla circulação de pessoas, trabalhar e #escrever de lá.

Nossa, como sinto falta e como me fazia bem.

Cafés e shoppings eram meu ambiente preferido até a natureza da vida trazer mudanças e “sugerir” uma adaptação.

Senti a porrada. Sentimos a porrada, certamente.

Mas negar o inevitável não produz potencialmente resultados positivos.

O que produz é reconhecer o estado atual e planejar adaptações de acordo.

Caramba, como eu me impunha #comportamentos limitados sem NENHUMA base, seja prática, emocional ou racional!

Eles simplesmente estavam lá.

Hei de investigar o porquê.

Uma dessas limitações?

“Escritório não é lugar de plantas.”

Quem disse?

Outra limitação?

Conferências virtuais não são um lugar legal para fazer #brainstorm, para conversas aleatórias ou para desabafar.

Quem disse?

Quer mais uma?

“Não dá pra ter empatia através de conferências virtuais.”

Cagar regras traz um senso de mundo ordenado, algo que pode ser benéfico em um contexto desordenado.

Mas cagar regras demais pode destruir a #adaptabilidade e a #inovação.

Conheçam “Esperança”, minha mais nova companhia:

Um #Bonsai talvez seja um excepcional exemplo da capacidade de adaptação e resiliência de um ser vivo. Ele molda-se totalmente às limitações impostas, mesmo que artificiais e produz um resultado belo, elegante e duradouro.

“Não é o mais forte que sobrevive,
nem o mais inteligente,
mas o que melhor
se adapta à mudanças.”

Leon C. Megginson

Pensava que essa citação era de #Darwin?

Pois é, não é.

Questione, questione-se, reinvente-se e o número de possibilidades simplesmente explodirá.

#OGuiaTardio #Evidências #Adaptação #Depressão #Mudanças #Sociedade

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A Troca

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Como alguém que já enfrentou a depressão, tenho uma questão pessoal com o cumprimento “Olá, tudo bem?”.

Vivemos em um mundo onde, de fato, trata-se de um cumprimento e não de uma pergunta genuína.

Sintoma característico de um mundo que carece de expressões de genuidade e profundidade.

O contexto histórico, e porque não dizer o antropológico, em contraste com a atualidade, me perturbam.

Fomos adestrados socialmente a responder “tudo bem!” quando… nem sempre se está bem.

A própria pergunta é uma sugestão.

“Se você for infeliz em paz você não consegue emprego.”
Leandro Karnal / Luiz Felipe Pondé – Roda Viva

A situação é mais bizarra ainda do que se pensa. Muitas vezes, responder apenas “tudo bem” é o suficiente para o interlocutor olhar de lado e torcer o nariz.

A resposta esperada é um entusiasmado “tudo ótimo!!!!”.

Como Sheryl Sandberg bem coloca (Sandberg, S., Grant, A., 2017), não só uma resposta sincera não é aguardada, como a expectativa é de que sustentemos o ideal da felicidade permanente.

Ah amigo, não sabe ser feliz cem por cento do tempo? Será evitado, hein!

A ditadura da felicidade.

Será eventualmente excluído das redes sociais, dos chats, das agendas e do pífio convívio presencial porque, hoje, o ideal de existência é a pessoa extra power hiper supostamente motivada, feliz o tempo todo, sorriso de orelha a orelha, energética e pra cima, saltitante que não tem problemas aparentes mas vive em um mundo de ruínas… e é incapaz de pedir ajuda em favor das aparências.

Quantas pessoas que você conhece estão no grupo que diz para alguém triste algo como “deixa de ser besta…”, “se anime”, “não seja tão negativo” e coisas do gênero, como se a felicidade fosse um botão?

De que lado você está, do grupo que fala ou do grupo que sente?

Quem recrimina aqueles que assumem estar precisando de ajuda?

Quem quer saber se as coisas não vão como esperado, se há tristeza por trás de um sorriso social ou lidar com as dificuldades alheias?

Quem quer saber, de verdade?

Você?

Essa é uma ótima pergunta.

Dois meses atrás, conversando com um seguidor no Instagram, a troca de cumprimentos se iniciou como previsto.

Entretanto, senti que algo estava fora do lugar.

Perguntei: “como você está?”

A segunda resposta foi: “estou ótimo!”

Repeti a pergunta.

E a resposta foi: “Não entendi”.

Perguntei pela quarta vez: “como você está?”

Recebi um “caralho… assim você ACABA comigo…

Uma resposta bem apropriada também para mim mesmo.

Acho que a conversa foi maravilhosa para ambas as partes.

Pela primeira vez em muito tempo, eu pude falar como realmente me sinto.

Com um estranho.

A sensação de alívio foi gigante.

Troca.

De lá para cá, mudei a forma de perguntar e comecei a reparar nas pessoas que perguntam como estou e que realmente querem saber.

São poucas.

Realmente nos importamos?

Quando alguém passa por um momento difícil, o que fazemos?

Damos uma tapinha nas costas da pessoa ou enviamos uma mensagem dizendo “conta comigo”, “me liga depois” ou “gosto muito de você e estou aqui se precisar”? Muitas palavras sem ações práticas?

Mensagens confortáveis e bonitas nas redes sociais seguidas de… nada? Ausência prática, falta de tangibilidade?

Isso é afastamento.

Falta de prioridade. Isso é querer agradar a todos.

E tá tudo bem, ninguém é obrigado a lhe dar prioridade. Só tenha a consciência de depositar as expectativas no lugar apropriado e… eu jamais direi a você o que é apropriado.

Mas posso dar a minha opinião: quem realmente se importa vai além.

Quem realmente se importa chama para junto ou vai ao encontro. Cria a oportunidade de ajudar. Age e sai do campo de apenas desejar o melhor.

Substituímos a empatia pela aparência, ligada a um alter ego criado para satisfazer às expectativas externas e mútuas. Em um mundo de superficialidades, querer agradar a todos é plausível na mente de quem é superficial.

Troca externa e material. Melhor dizendo, barganha. Negociação.

Você me agrada eu agrado a você.

Como trata-se de um comportamento epidêmico, esperamos isso dos outros, afinal, estamos negociando.

Fico especialmente intrigado porque fielmente ainda acredito ser a empatia a cola social.

Esse descolamento ocorre cada vez mais, diante do descompasso entre as emoções reais do que é esperado socialmente.

Quando reparamos demais nesses contextos externos, esquecemos de olhar para dentro. Esquecemos de respeitar quem somos.

Opa! Belo de um paradoxo.

A empatia como cola social nos une altruisticamente, mas a expectativa navega na direção de contatos aparentes e ausentes de essência.

Mas… por que isso acontece?

Antropologicamente, chegamos aqui por sermos seres sociais.

Queremos ser aceitos.

Queremos pertencer… e o detalhe importante mora aqui:

Idealizamos quem não somos ao criar um identidade que espelha quem desejamos ser – e vivemos nessa perseguição das expectativas dos outros.

Será que a cola está gasta? Será que está falhando e, como humanidade, estamos indo em direção à desunião, ao desmoronamento das instituições humanas em favor de algo ainda indeterminado?

Não sei a resposta.

Yuval Noah Harari em Sapiens (Harari, 2015) fornece algumas evidências históricas contra e a favor deste argumento, continuando o pleito ao olhar para o futuro em Homo Deus (Harari, 2017).

Talvez estejamos nos transformando em algo que não sabemos ou seja muito cedo para saber.

Estamos manipulando a própria fábrica da nossa existência, com profundas implicações.

Ou, quem sabe, como reza a navalha de Occam onde “sendo outras coisas iguais, explicações mais simples geralmente são melhores que as mais complexas”, eu tenha chegado a uma idade onde o presente me parece estranho…

Ou esteja à procura de ser aceito.

De uma coisa eu sei.

Totalmente diferente de deixar de ser positivo, quero ter a liberdade de dizer quando não estou bem, sem ser julgado ou segregado.

Quero a troca empática, natural e não material. A troca que ocorre pelo respeito frente à doação.

Quero muito?

Outra coisa que eu descobri:

Quem realmente se importa.

Permita-me provocá-lo e concluir convidando-o a assistir esse clipe. Preste especial atenção à letra desta música:

Desconstrução.

 

Se você chegou até aqui, tem dúvidas ou não entendeu nada (e ainda assim quer entender), veja os vídeos abaixo.


Conteúdo adicional:

 

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O Conflito Ego Versus Propósito

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Grandes egos e propósito são mutualmente excludentes.

Não há como ter os dois.

Não há como ser uma pessoa egoica, egoísta e ter um propósito.

Ela pode até ter objetivos em mente e chamar de propósito… mas uma pessoa com um grande ego não consegue servir sem ganhar nada em troca, nem voltar-se a um bem maior.

Quanto maior o ego, mais se afasta do propósito… ao ponto dele ficar tão distante que não mais será percebido. Nesse momento, ele será substituído por algo totalmente compatível com o ego: recursos materiais e conquistas tangíveis. Objetivos imediatistas. Jogo finito.

Suposta realização material, felicidade material e sucesso material, numa tentativa eterna de apaziguar as dores do seu verdadeiro eu, provocadas por vergonhas e vulnerabilidades que você oculta.

Um esforço incapaz… nunca se terá sucesso. Algo que só faz crescer o próprio ego e que nunca terá fim.

Já ouviu falar em empatia? Ela é onde tudo começa, aonde a jornada afastando-se do ego, em direção a um ou mais propósitos, tem origem.

Não estou falando de simpatia. Estou falando de empatia.

É fundamental perceber que a simpatia significa que você até pode ter sentimentos sobre a situação e as pessoas, mas não haverá o seu envolvimento e não há a compreensão do que o outro está sentindo totalmente.

Já a empatia está intimamente ligada a entender os sentimentos do outro sem julgar, a se envolver com a situação e a potencialmente se esforçar para ajudar. A construção da empatia causa uma tendência comportamental de ajuda ao próximo (Eisenberg & Miller, 1987) e essa herança comportamental, na minha opinião, é a cola da sociedade.

  • Simpatia = amenidades, palavras agradáveis e apaziguadoras
  • Empatia = colocar-se no lugar do outro. Envolver-se emocionalmente, compreender a perspectiva da outra parte potencialmente contribuindo, sem julgamentos.

Bebês de até dois anos não têm bem definidos a sua identidade e, até mais ou menos essa idade, eles reagem ao impacto emocional causado a outros bebês (Goleman, 2012). Ou seja, um bebê se identifica com o sentimento demonstrado por outro bebê como se fosse dele próprio.

Melhor, é comprovado que já nascemos com uma bússola moral (Hamlin & Wynn, 2011) e isso tem íntima ligação com a empatia.

Não é de se assustar que a ausência de empatia esteja ligada a distúrbios como sociopatias e psicopatias.

Além disso, a empatia pode levar a um comportamento agressivo (e faz todo sentido). Estou falando da reação de retaliação ou proteção ao notar que alguém por quem temos empatia está sofrendo de alguma forma. Podemos esboçar um comportamento desses  ao nos identificamos com uma vítima de alguma agressão ou sofrimento.

Essa reação está ligada, mais uma vez, ao nosso senso de justiça e moral. É plausível afirmar que a moral e a ética têm um pé na empatia (Hoffman M. , 2001), o que nos leva ao ponto seguinte:

A linha que liga a empatia ao nosso propósito, passando por nossos valores.

Essa linha tem nome: altruísmo.

Talvez a colocação que melhor resuma a empatia seja afirmar que ela surge quando a emoção, o sentimento, a dor ou o sofrimento do outro é compreendido por nós, provocando o surgimento da necessidade de ajudar, nos fazendo agir em nome do próximo.

Isso não está enraizado dentro de nós porque é bonitinho.

É um sistema eficaz de sobrevivência.

Apesar disso, tem sempre alguém que vai dizer “que se dane ajudar os outros”. “Que se dane o altruísmo!”

Nosso corpo tem um mecanismo capaz de nos ligar uns aos outros simplesmente porque isso fez e faz sentido. Ao sermos seres sociais e nos ajudarmos mutualmente conseguimos uma vantagem frente às ameaças. Quanto mais usamos isso, mais nos treinamos a ter compaixão e sermos ainda mais altruístas (Weng, et al., 2013). Rapport e empatia não existem por acaso.

Ao nos ajudarmos mutualmente, nos importarmos uns com os outros e ao sermos seres sociais, conseguimos vencer os mais terríveis desafios ao longo dos milhões de anos.

Do mesmo jeito que o altruísmo surge da empatia, ele passa por nossos valores e chega ao nosso propósito influenciando-os de forma irreversível, como o magnetismo influencia o ponteiro de uma bússola.

Posso correr algum risco em afirmar isso, mas valores e propósito são como que a expressão de uma ordem cerebral mais alta do… altruísmo e da empatia.

Enquanto ambos fazem parte de algo mais irracional que evoluiu conosco (e se mostrou útil e eficaz até hoje, fazendo parte da nossa preservação e manutenção como espécie), com o desenvolvimento de funções cerebrais mais altas (consciência, raciocínio, pensamento e etc.) terminaram representados em valores e propósitos.

Valores positivos são aqueles compatíveis com a moral, a ética e, por consequência, um bom propósito tem a ver com servir aos outros e à sociedade. Quando tudo está alinhado, a mágica ocorre: ficamos ecológicos(*).

Quando a suposta missão está voltada para o eu e para o material, ela se torna egocentrismo e enchemos a nossa existência de incongruências.

Talvez agora deseje reler a primeira frase que compartilhei com você aqui e perceber que…

Ego = voltado para si
Propósito = voltado para o bem maior

Se o que você faz é construir carros elétricos, criar ou vender software, bicicletas ou casas, consertar encanamentos, apagar incêndios, limpar o chão, bater pregos, dar palestras ou cozinhar, como você percebe isso faz toda a diferença.

Pergunte-se: como posso considerar o que eu faço sob uma perspectiva que me permita ver como uma contribuição para um bem maior? Ao realizar essa consideração, consegue reparar no bem, na felicidade e satisfação que traz aos outros ao agir?

Você é palhaço no circo ou contribui diretamente para a felicidade das pessoas? Prescreve remédios ou salva vidas? Passa dietas / treinos ou é responsável pela qualidade de vida e longevidade de tantos? Defende leis ou contribui para uma sociedade mais justa? É funcionário público pela estabilidade ou desempenha um papel fundamental para o bem-estar da população? Faz cálculos estruturais ou auxilia na construção de nossa civilização sustentável? Escreve programas ou contribui para o funcionamento da sociedade moderna? Escreve livros ou ajuda as pessoas de forma inteligente, promovendo o autoconhecimento?

Em todos os casos acima… perceba como essas noções não combinam com o ego coloquial.

Surpreso como podemos encarar o que fazemos como algo para um bem maior?

Já ouvi tantas vezes perguntas em torno de “como lidar com o ego”, “descobrir propósito” e afins.

Dedico um capítulo inteiro do meu livro para falar de ego e outro de propósito.

Mas tem uma coisa simples (porém um desafio gigante) que pode ser feito de imediato e que leva à jornada do ego ao propósito.

Trabalhe a empatia. Seja empático. Importe-se. Envolva-se. Não julgue.

Resgate esse recurso que nasceu com você e que foi escondido por anos e anos de proteções e repressões da vergonha e da vulnerabilidade.

O resto virá.

QUer saber mais?

Dá uma olhada nesse vídeo.

Leituras recomendadas:


(*)Ecologia é um termo usado na PNL que representa o pertencimento do ser humano em um contexto de troca com a natureza e em harmonia com ambiente que o cerca. Indo além, obtemos a ecologia interna quando estamos alinhados: valores, propósito(s), pensamentos, emoções, sentimentos e ações compatíveis com quem somos.


Esse texto faz parte do livro “O Guia Tardio“.

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Mais ou Menos 150

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Você certamente é usuário de redes sociais.

Veja quantos amigos possui em cada uma.

Se você respondeu que tem algo acima de 150 amigos, precisa revisitar a definição de “amizade”.

Uma que gosto bastante, como ponto de partida, é de que uma amizade é, pelo menos, uma relação social estável.

Você consegue dizer isso dos mais de mil contatos que possui ou, como a maioria das pessoas, tem gente lá que nunca viu na vida?

Se você é feito eu, tem uma distinção mental entre contatos em redes sociais e amigos. Isso abre espaço e coerência mental, social e até antropológica para ter pessoas que fazem parte do seu “networking”, mas que não são, necessariamente, amigos.

E isso é muito importante, porque o ser humano precisa de relacionamentos estáveis em qualquer esfera, seja pessoal ou profissional. Temos a necessidade de pertencer a grupos onde nos sintamos seguros.

É, ao pertencer a contextos sociais de segurança, que as pessoas conseguem ousar, sair da caixinha e se tornarem extraordinárias. É, ao não precisar lidar com a sua sobrevivência e outras questões básicas, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, que nos transformamos em nossas melhores versões.

Isso acontece quando estamos dentro de um contexto social ou um grupo onde as pessoas se ajudam mutualmente. É o equivalente, em nosso passado, à troca saudável (e inteligente) entre os que dormem enquanto alguns vigiam.

Quando nos entregamos à efemeridade das redes sociais, estamos sujeitos a esquecer disso. Pior, estamos usando um artifício tecnológico incompetente (uma trapaça) para substituir um mecanismo antropológico construído por milhões de anos de evolução.  Se o nosso foco é uma vida virtual, longe do contato físico, o nosso senso de pertencimento a um grupo, onde existe segurança, se esvai, promovendo o stress contínuo e suas consequências.

As redes sociais fomentam o contato virtual, que é estabelecido sem uma série de elementos essenciais à construção de relacionamentos duradouros.

Para citar alguns, apenas no aspecto estritamente individual, observe que através das redes sociais não olhamos nos olhos, não sentimos cheiro, não percebemos micro expressões faciais, o posicionamento do corpo, a cor da pele ou mudanças suaves de tonalidade. Tão pouco ouvimos o tom, a força e outras características da voz.

Falta a maior parte da comunicação e, sem ela, relacionamentos sólidos não são estabelecidos. Tudo o que eu falei acima e tantos outros sinais são interpretados pelo seu corpo, sua mente e levados em consideração na hora de se relacionar com alguém.

É por esse motivo que algumas pessoas despertam, de início, ou desconfiança ou o contrário, mesmo você não tendo tanta certeza do porquê. Parece ser um feeling, um sentimento ou um sexto sentido quando, na verdade, é o seu corpo tentando se comunicar com você, dando uma resposta a uma análise criteriosa, através da “intuição”.

Mas e o número 150?

Como animais que somos, existe um número limite de pessoas com as quais conseguimos nos relacionar e formar laços estáveis de relacionamento, diante de limitações cognitivas e biológicas.

Esse número varia um pouco, mas se remete à quantidade de indivíduos formando um grupo onde, de uma forma simplista, o senso de pertencimento se estabelece ou onde de fato conhecemos e nos relacionamos ao ponto de lembrar de cada um, incluindo características individuais mais detalhadas. Acima dessa quantidade, os laços se enfraquecem e um novo grupo se forma (ou, pelo menos, deveria).

Conhecido como o número de Dunbar, foi descoberto pelo antropólogo e psicólogo Robin Dunbar na década de 90 e tem servido de base e inspiração para um sem número de descobertas. Mas o mais curioso é que a sua hipótese tem resistido bravamente ao tempo e as múltiplas tentativas de derrubá-la (e, registre-se, não são poucas).

Ele tem sido usado, intencionalmente ou empiricamente, em aplicações que vão desde o âmbito militar até pequenas e grandes corporações, com implicações profundas no que diz respeito às questões de liderança.

Estamos inseridos em contextos pessoais e profissionais globalizados, onde as ferramentas de comunicação permitem contato com um número cada vez maior de indivíduos. As próprias redes sociais são uma boa forma de comunicação. O efeito colateral disso é a tendência de que mais pessoas estejam envolvidas em projetos cada vez maiores.

De acordo com Dunbar, de uma forma geral, essa não é uma boa estratégia. Ter células de até 150 pessoas promove toda uma série de benefícios, que vão desde uma comunicação mais eficaz, uma proximidade entre as partes e um entendimento ímpar, incluindo a ausência de conflitos e discriminação típicos e inevitáveis da natureza humana.

Isto não significa que o número máximo de pessoas envolvidas em um projeto deva ser 150. Podemos ter múltiplas células de até 150 pessoas e uma interface de comunicação e gestão entre elas.

Mas o mais interessante é que o número de Dunbar tem sido efetivamente usado ao longo da história repetidas vezes, muito antes da sua “descoberta” ou dos estudos que o envolvem.

Desde a organização de aldeias primitivas a unidades militares, agrupamentos de até 150 pessoas são uma constante ao redor do mundo, nas mais diversas culturas. E o motivo por trás é simples: são estruturas sociais sólidas, que funcionam muito bem na prática.

Antes de finalizar, permitam-me mencionar dois excepcionais livros sobre liderança que são quase que complementares: “Líderes se Servem por Último” de Simon Sinek e “Tribal Leadership“, de Dave Logan, John King e Halee Fischer-Wright.

Enquanto o primeiro estuda as raízes que fazem alguém se tornar um líder e como construir as bases de uma equipe de sucesso, o segundo é um tratado sobre a maturidade de equipes (seus líderes) e como evoluí-la. Em ambos, o número de Dunbar não só é fundamental como parte prática da história.

Portanto, agora que você conhece o número de Dunbar, ignorá-lo pode não ser uma boa ideia. Se você for um gestor ou líder, agradecerá. Aliás, agradeça ao Robin 🙂