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Vulnerabilidade e Vergonha São Indissociáveis?

Vulnerabilidade e vergonha são temas profundamente relacionados, em especial frente à percepção de identidade que temos para nós, para os outros e o posicionamento relativo dessas identidades entre si.

Então, será que a nossa percepção de si está incompleta até que não haja à quem recorrer… ou o contrário… será que só existimos se validados pela percepção do outro?

As possibilidades de à quem recorrer são determinadas pela oferta ou pela percepção de quem está ao nosso lado?

Se a construção da percepção de si exige solitude, solidão e a percepção do outro de nós, temos uma situação curiosa.

Imagine: só sabemos como reagimos, o quanto desesperados ou confortáveis seremos sozinhos ao passar pela experiência.

Sim, essa é a proposição do argumento de hoje. O exercício da relação com o outro de certa forma nos define.

Este texto começou a surgir anos atrás quando, em 2017, li pela primeira vez o livro de maior sucesso de uma autora Brené Brown, ficando salvo por aqui no blog em pedaços desde então, carecendo de carinho, cuidado e atenção.

Boa parte da pesquisa dela foi dedicada à questões como vulnerabilidade e vergonha.

Ela relata que, em uma de suas palestras, um homem aproximou-se e argumentou que havia um potencial viés.

Enquanto pregava vulnerabilidade (inicialmente em suas pesquisas apenas para mulheres), esse marido abordou-a, apontou para sua mulher e filha e afirmou:

[paráfrase minha]: “Elas podem exercer vulnerabilidades, mas quando olham para mim, querem um porto seguro. Eu não tenho a chance de demonstrar vulnerabilidade”.

Onde entra a suposta falácia machista ao contrário?

Onde entra a falácia do alfa, desmentida pelo próprio autor?

O que eu busco, incluindo aqui, é a compreensão da dinâmica social para além das caixinhas estereotípicas, muito mais complexa e hipócrita do que queremos ou desejamos.

A hipocrisia mora na não aceitação de indivíduos alçados à solidão da referência ou liderança, seja homem ou mulher que não tem a quem recorrer.

Pessoas que, quando a merda vira boné, farão a limpeza e enterrarão o que precisa ser enterrado porque não podem contar verdadeiramente com ninguém.

E as mensagens rasas no celular, nas redes sociais, afirmando genericamente coisas como “pode contar comigo!”

Creia, a grande maioria absoluta não passa da primeira ligação.

Múltiplos ensaios e danças no sentido de preservar o azeite social.

A realidade é dura.

O que sobra?

Talvez o que realmente importa.

E, despido das minhas identidades atribuídas, das expectativas alheias e das ofertas vazias, redescobrimo-nos.

Tem gente que afirma que, quando a dificuldade aperta, conhecemos os verdadeiros amigos.

Passei 3 vezes por situações dessa natureza e não sobraram muitos.

Revolta?

Não. É a vida. A natureza humana e tá tudo bem.

Sim, talvez revolta mesmo. É a vida. A natureza humana e não tá tudo bem.

Percebo por fim que a concepção de mim mesmo está incompleta, mesmo sabendo que ela pode ser contraditória, barroca até, permitindo as duas respostas.

Mas não importa.

Se por um lado os argumentos e a pesquisa de Brené Brown colocam que dissociar a vulnerabilidade da vergonha traz saúde mental e relacionamentos mais saudáveis, enquanto houver alguém usando isso como arma, o desafio de baixar a guarda talvez ainda seja grande demais.

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O Ato da Criatividade Sem o Consumo

Ah, que caralhos vou escrever hoje? Será que me falta a danada da criatividade?

Sinto-me em parte na obrigação de sentar aqui e vomitar algo para o blog.

O ato em si pode denotar uma perspectiva desagradável, mas saiba, muitos atos de criatividade são descritos assim.

Então, depois de rever textos inacabados do passado, tão antigos quanto 2020, percebo que, para a finalidade disso aqui, o conteúdo importa menos do que o exercício… e ao perceber isso, a obrigação passou.

Cheguei por aqui com a mochila nas costas, local cheio… tomei um sorvete enquanto circulava, na esperança de encontrar uma vaguinha sequer.

Encontrei.

Aliás, permitam-me uma observação de um prazer incidental: vi uma antiga colega de trabalho fazendo a mesma coisa que fiz de 2016 a 2020, trabalhando em cafés, escrevendo para o blog e para o livro… aqui, neste mesmo local com uma simbologia tão forte para mim, um hábito que agora pareço recuperar e, ao vê-la na mesma mesa usada por anos… uma sensação de compreensão e pertencimento invadiu o meu peito.

 

Parênteses, superados, sentei, arrumei as coisas, fiz upgrade de mesa e estou na posição amada: vendo as pessoas passar, cada uma com a sua individualidade, com o seu olhar, o jeito de andar, gestos e posições, com a sua forma de existir ali, naquele momento… indivíduos em atrito ou comunhão.

Peço um vinho.

Há melhor inspiração?

Concluo sobre os textos antigos que nada me toca no momento ao ponto de requentar para formar algo publicável.

Então, decido por iniciar este.

E não é que os dedos esmagam com velocidade os quadrados de baixo relevo do teclado?

Nem pausa teve… Sinto-me dançando com as letras e frases.

Um pintor talvez se sinta espirrando o pincel na tela… Uma desobrigação tardia, fabulosa e deliciosa.

Convivi de uma certa distância por alguns anos com um pintor e percebi movimento semelhante… um exercício de ser ela mesma, de colocar-se em cores e formas, como se pintar fosse um terceiro braço.

Algo que foi influenciado pela necessidade de vender suas telas, de ganhar dinheiro, de ser consumido.

Eu tenho certeza de que ela pintava (não sei se continua) como expressão de uma ou várias identidades… como qualquer ser humano sente a necessidade de colocar para fora sem necessariamente ser compreendido… isso já é outro passo.

Será que voltarei ao hábito de publicar algo toda semana? Só o tempo dirá.

Ser compreendido “é outro passo” e, confesso, superei essa necessidade… que se confunde com a da pessoa que pinta.

Como não vivo disso, penso na pressão que deve ter sofrido para viver da arte. Talvez ainda sofra e fui testemunha disso.

Pois então, de 2016 a 2020, tive a breve ilusão de algo assim que, por mais dedicação, pesquisa e cuidado, não chegou ao objetivo de ajudar as pessoas em massa.

Mas me ajudou.

Reforço minha compreensão de como o processo ensina, de como se comprometer a sentar em algum lugar e produzir algo é engrandecedor, mesmo que o resultado necessariamente não seja.

Esse texto não foi para ser lido, foi para ser escrito… um exercício.

Saiba, se chegou até aqui, que o processo foi bastante prazeroso.

Obrigado.

Se na sua vida teme algum processo idealizado de um resultado desejado, saiba que ele fará o desejo mudar para outro objetivo, certamente… porque há transformação no caminho.

É assim que a vida funciona: ela demanda movimento constante e, ao exercê-lo, nós mudamos, desejos também e a percepção de objetivo.

Permanência é uma ilusão, assim como destino.

A cada passo dado, a estrada é construída em uma nova versão, levando a um local diferente.

O único jeito de não mudar o destino é ficar parado… mas você já entendeu o que quero dizer.

Não fazer nada congela as idealizações em sonhos inalcançáveis e omite desejos e destinos.

Se agir, caminhar e mudar, o objeto do desejo muda.

Se ficar imóvel, o objeto do desejo se mantém, mas inalcançável.

Escolha.

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O Abismo

É fácil entender o digital como um abismo entre as pessoas.

Um abismo bem real e sem fundo.

Eu explicarei.

No âmbito do convívio interpessoal e físico, existe uma associação bem próxima entre o exercício do ser e a representação deste ser, através dos nossos sentidos.

Imagine uma pessoa à sua frente: dependendo de quão próximo fisicamente esteja, você tem a capacidade de vê-la, ouvi-la, cheirá-la e, em um intuito meramente ilustrativo, pode lambê-la. De fato, dá até para exercer outras percepções consideradas de maior intimidade, como um abraço, um beijo, sexo.

Mas antes que qualquer uma dessas coisas ocorra, aquele animal à sua frente representa um ser humano e à ele, você atribui as mesmas características do grupo “ser humano” que possui representadas dentro de si. Talvez até atribua algumas características suas afinal, como ser humano.

Nada mais, nada menos, exceto se já influenciado por outras pessoas.

Nenhuma dessas representações extraídas diretamente dos seus sentidos depende da intelectualização ou da racionalização, apenas um puro exercício da interpretação do que vê, ouve, cheira ou toca (ou lambe).

Até o sentimento eventualmente desperto por uma história à você contada, neste caso padece de uma interpretação.

A partir do momento em que a pessoa age no plano concreto e material, através de ações fisicamente dispostas, incluindo a comunicação… vamos, ao longo do tempo, construindo mais percepções para o indivíduo além dos sentidos, que acabam associadas ao nosso conceito de identidade para este indivíduo em específico.

Aliás, quanto mais experimentamos estes exercícios individuais ao longo do tempo, desenvolvemos percepções não tangíveis e abstratas, o que inclui invariavelmente emoções e sentimentos.

Acabamos por construir uma identidade para este ser humano, uma identidade profundamente influenciada pela nossa própria capacidade e habilidade de perceber qualquer coisa.

Não ausente de ironia, experimentar o exercício de ser de alguém provoca emoções e sentimentos em nós que nos distanciam cada vez mais da realidade objetiva de quem o sujeito é.

E, como seres volúveis que somos, também permitimos que essa identidade do outro seja influenciada pela representação de outras pessoas que, por sua vez, foram tão influenciadas pelas experiências e percepções alheias quanto as suas.

Isso acontece com todos nós.

Tanto criamos essas representações quanto criam representações de nós.

Quanto mais distantes do exercício físico de ser do próximo, mais distantes estamos de quem ele é. Como costumo dizer, a identidade é um alvo móvel, um processo de constante atualização de expectativas.

Percebe agora onde o abismo surge?

No âmbito digital, estamos separados por quilômetros de fios, fibras óticas e impulsos elétricos.

Como se não bastasse, a representação de uma identidade no meio digital é uma construção realizada pelo idealizador daquela identidade.

Essa idealização pode ser construída com a intenção de ser a mais próxima da realidade, mas como alter ego, é natural que exclua eventualmente aquilo disposto como indesejável.

Isso é da natureza humana.

E olha, aqui estamos falando daqueles que intencionalmente desejam construir uma representação meramente fiel de identidade.

A minoria.

A maioria hoje em dia produz representações de ideais de perfeição: ou desejadas ou argumentativas no intuito de convencê-lo de algo e, numa sociedade de consumo, comumente para realizar uma venda (seja da imagem, de um produto ou serviço).

Agora, considere o nosso cenário ideal de menor distância entre o alter ego da representação digital de alguém para quem é, de fato. Entre uma existência e outra existem inúmeras mediações.

Para explicar o que ocorre tecnicamente pelo termo “mediação”, preciso usar uma metáfora simples.

Óculos.

Mas óculos especiais: eles são mandatórios; não há como removê-los e as lentes não são escolhidas por você, mas por uma entidade que você não conhece e não controla.

Essa entidade tem o poder de mudar as lentes dos seus óculos de acordo com os interesses dela.

Se a entidade deseja que você perceba o mundo como desfocado, ela muda as lentes para embaçadas. Se quer que veja “noite”, ela escurece as lentes. Um dia nublado ou ensolarado? Fácil.

E a distância existencial entre identidades só aumenta.

E, que fique claro, não aumenta apenas por questões de interpretação de quem se é ou das expectativas alheias. Existe um telefone sem fio entre origem e destino, uma reinterpretação dos sinais de acordo com os interesses do meio ou… mídia.

Portanto, entenda que a identidade no digital é, SEMPRE:

  • Uma construção;
  • Um argumento;
  • Uma interpretação alheia, antes da sua própria;
  • Volátil e efêmera;
  • Participativa;
  • Incompleta;
  • Uma idealização de perfeição, em algum momento;
  • Uma regra de negócio;

E, por causa desses fatores, por maior esforço que exista de quaisquer das partes envolvidas (inclusive o seu), NUNCA a realidade objetiva.

Um abismo inevitável e intransponível.

Roubando um pouco o conceito de Byung-Chul Han e dando a ele uma breve reinterpretação:

A distância física do exercício de ser do próximo interpretado diretamente dos sentidos é inversamente proporcional ao potencial para o respeito e diretamente proporcional ao potencial para o espetáculo.

A pergunta que fica, como provocação, é:

O que NÃO É espetáculo?

 


Leitura adicional:

 

Origem da imagem: https://www.israel21c.org/your-multifocal-glasses-are-all-set-for-a-revolution/

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Lições

Para muitos, as lições abaixo farão sentido.

Para outros, parecerão apenas bom senso e, para alguma parcela, causarão incômodo, desconforto e talvez discordância e rejeição.

São coisas que aprendi ao longo da vida e muitas destas lições solidificaram-se nos anos recentes e, principalmente, de 2020 para cá.

Deixarei a lista aqui, mesmo assim. Será que tem coragem de ler até o fim?

Lá no final tenho uma surpresa para você, mas só vai funcionar se ler o texto antes:

Achar que o Universo nos deve alguma coisa é um dos exercícios e comportamentos mais egóicos que existem. Não somos o centro do Universo… somos menores do que grãos de areia no grande esquema das coisas;

Aprenda a separar aquilo que controla do que não controla. Aplique energia naquilo que controla;

Não existe poupança de dor e sofrimento, muito menos são moedas de investimento. Sofrer hoje não garante o futuro, do contrário o mundo seria um exemplo de igualdade e justiça. Em outras palavras, não existe mecanismo que recompense dor e sofrimento e tenho minhas dúvidas quanto ao esforço. Sim, muita coisa na vida depende de esforço, mas achar que TUDO depende de esforço torna você o peão perfeito no xadrez da vida;

Inteligência emocional não é sobre o controle das emoções. Ninguém controla as emoções. Elas são reações neurofisiológicas do nosso corpo que nos aproximam do bem-estar e nos afastam daquilo que potencialmente nos prejudica ou ameaça a nossa existência. Podemos, no máximo, aprender a reagir melhor quando elas ocorrem;

Não gerenciamos o tempo. Ele tem lastro absoluto. Gerenciamos prioridades e eventualmente, escolhas. E sim, tem muita gente na face da terra que precisa usar de 20 a 40% do seu tempo (talvez mais) em tarefas desumanas e voltadas à sobrevivência. Pense nisso;

Procrastinação é um sintoma, nunca uma causa. No momento atual de coaches afirmando que basta agir para resolver a questão, sugiro ver o vídeo e ler novamente: procrastinação é um sintoma, nunca uma causa;

Ter opções e poder escolher dentre elas não é liberdade se as opções forem previamente escolhidas para nós por alguém. Somos seres com o poder da imaginação, consciência e criatividade. Somos capazes de conceitos abstratos e de comunicá-los. Crie opções e oportunidades e não se limite as opções apresentadas;

A identidade, o eu é transitório. Quem achamos que somos e que o outro é nada mais é do que uma construção nossa que atualizamos sempre que podemos, baseado no comportamento;

E, por causa disso, criamos expectativas demais, que levam a decepções demais. Isso não é conteúdo do outro;

O que nos leva à seguinte consideração: quando sofremos uma decepção com alguém, é muito mais conteúdo nosso do que do alguém. A decepção acontece porque a identidade exercida pelo outro não condiz com as expectativas de identidade que temos para o outro. No fundo, decepcionamo-nos com nós mesmos, não com o outro. E já que falamos sobre isso, pense no conteúdo nosso que projetamos na identidade do próximo através das expectativas. Se não é capaz de enxergar ainda, tente novamente;

O “foda-se” mental, não no sentido da agressividade, xingamento ou adjetivação de alguém, mas no sentido do desapego, é terapêutico;

Por sinal, se uma conversa cai na adjetivação negativa das partes, a comunicação caminha para a direção da agressão, para o  desentendimento e não terá utilidade para ninguém. Conversas inteligentes, produtivas e altamente criativas focam nas ideias e argumentos e nunca na identidade ou autoridade;

Nada é automaticamente verdade por causa da suposta autoridade de quem diz. O ser humano faz o possível para economizar energia (pensar gasta energia), tem preguiça de pensar e mais do que gostaríamos, ignora as ideias e argumentos em si em favor dessa autoridade. Isso tem nome: viés da autoridade e é usado extensivamente nas redes sociais;

Algo que “faz sentido” não é um indicativo inequívoco de verdade. Pelo contrário, é um afago ao ego, manutenção da zona de conforto e também tem nome: viés da confirmação. Esse é especialmente perigoso;

Como seres humanos capazes de criar conceitos abstratos, conseguimos idealizar as mais belas concepções e os mais vis desejos. Entre um e outro resta a individualidade (no sentido de sermos únicos) da existência humana. É exatamente por isso que a comparação é destrutiva e potencialmente leva a obliteração de praticamente todos aqueles opostos a nós, “concorrentes“… já a cooperação é fundamental para a nossa evolução;

Todas as redes sociais, sem exceção, são uma projeção idealizada de identidade, uma imagem de um alter ego de perfeição e desejo, uma produção maquiada, filtrada e produzida;

Identidades virtuais ou alter egos nas redes sociais onde a suposta felicidade, sucesso, goodvibes, positividade, bem-estar e realização são constantes, são o perfeito exercício de uma fuga e não representam a existência humana. Não compare a sua despensa com o palco de ninguém;

Por outro lado, nem tanto, nem tão pouco. Equilíbrio é a chave. Se a positividade pode ser tóxica ao realizar uma busca insana por ela, 100% do tempo, o conteúdo que consumimos também pode ser tóxico. O nosso estado emocional é influenciado a todo o momento (as propagandas são especialistas nisso). Nem sempre conseguimos reagir da forma como planejamos, mas muitas vezes consumimos aquilo que não levará aos resultados que desejamos e não nos damos conta. Dá uma olhada nesse texto aqui;

Como disse Kierkegaard, “A raiz da infelicidade humana está na comparação”;

E essa comparação acontece de inúmeras formas, até em nosso nome. Se alguém chegar e disser que deveria estar feliz (tem a obrigação de sentir-se feliz ou não tem o direito de estar triste) porque você “tem tudo” ou tem gente na merda ou pior do que você, cuidado: isso pode ser inveja, mas certamente é julgamento, comparação e falta de empatia por parte desse alguém (nenhuma pessoa tem a capacidade nem o direito de julgar a dor de ninguém – dica: se não há compreensão, que haja silêncio). Somos mais de 7,5 bilhões de pessoas únicas, com seus próprios desafios e questões. Cuide do seu corre, agradeça pelo que tem (pois são as ferramentas e recursos que pode usar, principalmente as internas) e se tem gente na merda, ajude (o que trará bem-estar), mas não use como critério de comparação;

Você tem o direito de ficar puto, com raiva, triste, revoltado e de luto. Faz parte de ser humano. Aceite. Não caia na armadilha de reprimir emoções e sentimentos negativos, achando que a positividade (tóxica) resolverá todos os seus problemas. Não resolverá, da mesma forma que reclamar também não. Entretanto, se sente-se triste e sem energias por longos períodos de tempo (mais do que duas semanas), consulte um especialista;

Quem cuida de saúde mental primariamente são os psicólogos e psiquiatras. Este deve ser o tratamento principal e prioritário. Caso não tenha condições financeiras, procure os departamentos de psicologia e psiquiatria das universidades e faculdades em sua região. Todo e qualquer suposto tratamento fora dessa área de conhecimento pode ajudar (e muitos ajudam, de fato), mas são alternativos, coadjuvantes e secundários. Veja este vídeo;

Não há felicidade perene nem desespero ou tristeza eterna. Tudo passa. A vida é constituída de ciclos e contrastes, mesmo motivo pelo qual a representação de perfeição das redes sociais é uma falácia que leva à depressão para quem produz conteúdo e para quem consome;

Se por qualquer motivo, crença ou comportamento você pensa em alguém ou um grupo como superior, inferior, melhor, pior, mais ou menos evoluído, houve comparação. Não somos melhores ou piores, somos diferentes;

Se por causa de uma religião você deseja o mal a alguém, vai contra a própria concepção etimológica do termo, que vem de “religare“. Pesquise no Google, ouça a música “Manifesto” (Vintage Culture, Anmari, Wolfire), lendo a letra;

A cooperação da diversidade, de existências e pensamentos leva a resultados extraordinários;

Somos mais em grupo do que a soma das individualidades;

Aceitar não é igual a concordar;

É possível aprender sem necessariamente agir, mas não existe aprendizado sem mudança;

Se você não se permite questionar o que acha que sabe, pouco aprenderá;

Humildade, caridade, doação e altruísmo anunciados não são nenhuma dessas coisas. É fomento ao ego;

Vulnerabilidade não é vergonha, mas a sociedade fará você acreditar que é, porque isso atende a uma agenda de manipulação e comparação. Muitas pessoas procuram sentir-se “melhores” do que alguém agindo para “rebaixar” o próximo. Vulnerabilidade pode ser uma enorme fonte de aprendizado e força. Aliás, se não reconhece as próprias vulnerabilidades por causa da vergonha imposta por fatores externos, a jornada de autoconhecimento pode sequer ter começado;

Olhar para o passado e ter um pouco de vergonha do que fez ou pensou um dia é um excelente sinal de que hoje está melhor do que ontem. Houve evolução;

Arrepender-se é avaliar quem foi, reconhecer as merdas que fez e trabalhar para reparar. Quem não se arrepende de nada não aprendeu nada também… e a prova disso é mais simples do que imagina: não há ser humano perfeito. Se acha que não fez merda um dia com alguém, não é um ser humano (ou há uma tendência sociopata aqui);

Ninguém sabe totalmente o que está fazendo. Ninguém. Por mais autoridade, sapiência ou eloquência que a pessoa demonstre, todos estamos perdidos em algum nível, ampliando horizontes, exercitando o encontro com algo ou alguém, passíveis de falhas, erros e acertos. De fato, estamos todos fazendo o melhor que podemos, com os recursos que temos disponíveis e… é exatamente esse o motor da nossa evolução;

Propósito não precisa ser externo, muito menos entregue a nós. Isso é apenas confortável: isenta-nos da responsabilidade de olhar para dentro e descobrir quem somos. Se você procura respostas em algo ou alguém, talvez esteja evitando conhecer quem é ou tenha medo do que descobrirá. Perceba como talvez pule de galho em galho, procurando uma pílula mágica que resolva instantaneamente todas as questões, uma resposta no externo para explicar a forma como sente e age e, toda vez que não concorda ou “não faz sentido”, pula para outro galho. Não há pílula mágica. A busca mais importante é para dentro, não para fora. Busque o que habita em si, reconhecendo os vales e montanhas, os lugares claros e escuros, os monstros e os anjos. Todos são… você;

É possível encontrar sucesso, felicidade e realização dentro da gente, nas pequenas coisas e na jornada em si, não apenas no alcançar de objetivos;

Aliás, objetivos são importantes no contexto da vida, mas a jornada ensina mais do que o alcançar deles. O aprendizado da jornada permite o sucesso.

Chega de lições. Agora, encontramos o presente… e ele é uma reflexão:

Concordou ou discordou de mim em algum momento e, por causa disso, agora quer me seguir nas redes sociais ou pensou involuntariamente “que idiota”, “ridículo”, “que maluco” ou outro adjetivo? Sugiro ler este texto sobre punição e recompensa.

Sugiro ler este outro também, onde falo sobre a Pirâmide da Discordância de Graham.

Chegamos ao fim, na parte onde desconstruo tudo que foi dito aí em cima. É isso mesmo…

Quando falei em uma das lições que todos estamos de certa forma perdidos, fazendo o melhor que podemos, incluo-me no grupo.

Não há regras para a vida e as lições acima são individuais. Se você chegou até aqui achando que essas lições irremediavelmente se aplicam a você e que eu tenho as respostas, bem… você pode até sentir-se inspirado, mas a jornada é sua e as minhas palavras são apenas minhas. Também estou no trabalho de me encontrar.

Entretanto, isso não nos impede de darmos as mãos e seguirmos juntos. Podemos, inclusive, trocar ideias em busca de novas respostas. Nossas verdades podem ser diferentes, mas a interação dessa diversidade, com respeito, permite o desenvolvimento mútuo.

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Crítica é Diferente de Senso Crítico

O emprego da palavra “crítica” e variações provoca rejeição em muita gente.

Ela é muito associada ao conceito de “criticar alguém“, numa dinâmica frequente de comparação e poder.

Ter senso crítico, permitir-se questionar a si, ideias e crenças, por outro lado, é outra coisa.

É o motor para o desenvolvimento, crescimento e evolução.

Se não há dúvida e questionamentos sadios focados na ideia, nada muda.

Então, diante de um argumento, ideia ou crença, exercite assim, perguntando-se:

  1. é infalsificável por causa da abrangência (afirmações vagas, genéricas, gerais e que não podem ser observadas)?
  2. é baseado apenas em experiências e relatos pessoais?
  3. escolhe apenas aquelas evidências que suportam a afirmação, ignorando todas as que vão contra?
  4. usa termos que parecem “científicos” (e da moda), mas não fazem sentido?
  5. há a ausência de um mecanismo que explique tomando por base o que sabemos com evidências?
  6. não muda, não se atualiza, não se corrige ou progride?
  7. faz afirmações exageradas como argumento de convencimento?
  8. fala de “prova” ou certeza absoluta?
  9. usa falácias lógicas (argumentação com erros claros)?
  10. não possui nenhuma revisão e ainda evita revisões ou questionamentos?
  11. sugere a existência de uma conspiração contrária?

Não que as questões acima comprovem ou coloquem à prova um argumento, ideia ou crença em todos os casos. Elas apenas mostram onde procurar.

E o melhor: permitem APRENDER algo novo.

Por outro lado, nem tanto, nem tão pouco. Não é minha sugestão adotarmos o ceticismo absoluto e, eventualmente, o niilismo.

A ideia é mover o foco da promoção da identidade, do ego e da autoridade para as ideias.

É lá que mora o nosso desenvolvimento.

#ficadica #SensoCrítico

Crédito da imagem: desconhecido (caso infrinja direitos autorais, favor entrar em contato para remoção)

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Sobre Adjetivos, Estereótipos, Comparação e Diversidade

Depois de expor tanto ao longo dos últimos anos sobre estereótipos, preconceito, diversidade, criatividade e comparação versus cooperação em vários conteúdos, percebi que não tenho nenhum específico e unificado sobre o tema.

Chegou a hora de reuní-los.

Como Tudo (Potencialmente) Começou

Tudo começa pelo conceito do ser humano como ser social e da sua necessidade de pertencimento.

Isso não é novo, evoluiu conosco provando ser um mecanismo de sobrevivência eficaz.

Talvez o resumo mais eficiente do assunto seja afirmar que somos como grupo mais do que a soma das partes.

Imagine existir em um mundo onde praticamente tudo pode lhe matar. O indivíduo, diante deste contexto, pode pouco. Mas descobrimos em algum momento do passado que, ao ajudarmos uns aos outros, nossas chances aumentam muito.

Tenho especial apreço por um argumento atribuído à antropóloga Margaret Mead.

Sobre o início da civilização e da cultura, a sua resposta surpreendeu muita gente:

“Qual o sinal mais antigo da civilização? Um pote de barro? Ferro? A agricultura?”

Não.

“Para ela, a evidência mais antiga de uma verdadeira civilização é um fêmur curado [um osso enorme da perna, fundamental e de difícil reparo]. Ela explica que uma cura como essa nunca foi encontrada nas reminiscências de culturas competitivas ou sociedades selvagens. Pelo contrário, nestas, pistas de violência são comuns. (…) Mas um fêmur curado mostra que alguém deve ter cuidado da pessoa ferida – caçou em seu lugar, trouxe comida e serviu ela através do seu sacrifício pessoal. Sociedades selvagens não se sujeitavam a essa “pena”.”

Mas para ser soma, o grupo precisa ser formado.

É ainda um mistério parcial o entendimento dessa mecânica por completo. Algumas evidências apontam para a influência do local ou região (proximidade regional relacionada à recursos), características físicas e adequação protocultural nos primórdios da existência dos nossos ancestrais.

Como cheguei a escrever anteriormente, tínhamos uma situação nesses primórdios onde a reunião pode ter sido influenciada pelo local e o acesso a recursos (água, alimento, abrigo), mas isso também acabou por influenciar a identidade das pessoas pertencentes ao grupo (para dois exemplos extremos, imagine as diferenças entre uma pequena sociedade de esquimós no ártico e uma de beduínos vivendo no deserto).

Natural, em um contexto desses, que grupos distintos tenham se confrontado eventualmente em busca de recursos.

A partir do momento em que isso ocorre, faz-se necessário distinguir membros de cada grupo, o que provavelmente também ocorreu através de elementos como a localização, aspectos físicos e culturais, traduzidos em comportamento, vestimentas, linguagem e tantos outros meios.

Estamos falando de uma época onde a força física e violência imperavam por pura necessidade. A capacidade de exercer domínio, assim como defender-se, atacar e caçar eram fundamentais à sobrevivência não só do indivíduo como do coletivo.

Dentro do próprio grupo, surgem as primeiras hierarquias, provavelmente definidas também pela capacidade física.

Um bom sistema de sobrevivência onde os mais fortes têm acesso primário à comida e à reprodução, enquanto os não tão fortes realizam outras tarefas em troca de proteção, alimentação e sobrevivência.

Temos então um ecossistema onde há a luta pelo poder e há o surgimento de hierarquias. Em um contexto como esse, é inevitável que tenham aparecido as primeiras situações de comparação não só entre indivíduos dentro do grupo, mas com outros grupos.

Contribui-se com o trabalho ou com a força e chega-se ao topo da hierarquia através do exercício da violência e da obliteração dos adversários.

Portanto, em uma existência pautada pelo concreto e tangível, pela sobrevivência e pela força, pertencer a um grupo que provenha mais chances de manter-se vivo é um diferencial importante tanto quanto fazer com que as chances do grupo sejam maiores.

Como sistema eficaz de sobrevivência que se destacou através da evolução do ser humano como vantagem, não é de se espantar que cerca de um milhão de anos depois, tenhamos ele como uma parte profunda de todos nós e isso tenha levado à formação das nossas civilizações.

Imaginação, Criatividade e o Intangível

Mais recentemente, surgiu a habilidade de criar conceitos complexos e abstratos usando a nossa imaginação, algo provavelmente responsável pelo surgimento de grupos cada vez maiores de seres humanos.

A partir daí, mais do que nunca, conceitos abstratos passaram a ser parte essencial nessa distinção: a adição de elementos intangíveis como ideias e concepções calçadas em crenças, para os quais atribuímos valores, capazes de separar indivíduos e grupos através de um conjunto de regras de comportamento compostas em segmentos que se transformaram em cultura. Perceba, inclusive, que existem diversos exemplos de sociedades onde o topo da hierarquia deixou de ser pautado pela força física, mas pela experiência.

Hoje, vemos facilmente uma versão disso emulada nas redes sociais: temos grupos de pessoas que defendem ideologias, políticos, expressões religiosas e espirituais, dicas de bem-estar, desenvolvimento pessoal e tantas outras tribos, não ausente de conflito por crenças contraditórias ou até opostas, totalmente associadas à identidade de quem pertence por percepção própria ou reconhecimento da tribo.

Em síntese, pertencer e comparar não é forte em nós por aleatoriedade. Foi por uma questão de sobrevivência inicialmente. Mas com a adição dos conceitos abstratos que levaram ao surgimento da cultura e da linguagem, junto com a comparação natural em favor da sobrevivência, outro elemento surge também: as primeiras relações de poder associadas ao conceito de identidade.

Byung-Chul Han descreve essa mecânica de forma exemplar em “O Que é Poder“, ao versar sobre Canneti (Canneti, Massa e Poder, 1960):

“O assassinato do outro [e da sua identidade ou parte da simbologia de sua existência] termina com a relação de poder. Entre seres humanos que se matam uns aos outros, o poder não tem lugar. Há apenas uma diferença de força física. O poder autêntico ocorre, na verdade, quando um deles, seja por medo da morte possível ou antecipando a superioridade física do oponente, se submete a este [neste caso, a identidade que arbitra agir é preservada e a relação de poder também]. Não a batalha que leva à morte daquele, mas a sua ausência [escolha de não agir face à ameaça] é o que constitui o poder em sentido autêntico.”
(itens em negrito são observações minhas).

Portanto, para preservar as relações de poder, a identidade através da existência é fundamental, bem como a comparação entre identidades. Ainda, como diz Byung-Chul Han no parágrafo anterior:

“O poder, contudo, é uma relação. Sem alter e ego não há poder.”

Não que a citação acima não seja conveniente. Ela é estratégica.

A Base do Preconceito

Quanto mais conceitos abstratos associamos ao longo dos séculos à identidade, mais possibilidades temos para o universo potencial do ego, ao ponto de, hoje, termos concepções totalmente intangíveis, como o conceito de posse associado não ao valor intrínseco, mas a uma marca ou dinheiro por exemplo (já pensou sobre como o dinheiro é uma história totalmente intangível na qual todos acreditam?), e o possuir como fator de fomento egóico.

Não podemos esquecer da autoridade (campo vastíssimo, incluindo a autoridade intelectual, religiosa ou espiritual, política, militar, social, governamental, institucional, familiar, moral, autoritária, hierárquica, tradicional ou cultural, carismática, legal e tantas outras).

A autoridade, por sinal, é um excepcional exemplo da questão associada à identidade. Um indivíduo pode se perceber uma autoridade em algum campo, mas é o reconhecimento deste mesmo indivíduo pela sociedade e outros grupos que valida a autoridade e reforça a identidade como tal (e o ego, por consequência). Quanto maior a autoridade, maior a concepção de que “sou melhor do que você ou do que um grupo” e o poder potencial.

Definitivamente, não estamos presos a estes conceitos apenas. Existem inúmeras características que supostamente definem as tribos atuais e as estipuladas regras de pertencimento, muitas vezes veladas.

Mais recentemente, temos o ápice (até o momento) da transferência egóica, a criação do alter quase perfeito. A identidade projetada nos avatares virtuais, em mídias eletrônicas como as redes sociais. Uma projeção muitas vezes calculada, uma idealização construída com a intenção fundamental de parecer “melhor” para sentir-se melhor.

A busca aqui é construir um alter constituído de uma identidade com as características mais próximas do desejo e da perfeição, com o máximo de autoridade possível, situação tão séria que há inúmeros exemplos onde há a intenção de que o alter substitua o ego. O eu externo passa a valer mais do que a existência humana. Alguns filósofos tratam da questão atualmente como uma potencial transição e fica a pergunta: não seria essa transferência um novo cenário da nossa existência? O desejo crescente e sem limites de se tornar a identidade idealizada… tornando-a realidade.

Chegamos então ao curioso caso da coisificação de todos esses aspectos intangíveis, assim como da própria identidade. Ela foi coisificada, transformada em algo transacionável (influência?) um produto à venda na prateleira social. Até o conceito de beleza foi coisificado.

Um passo antes, o que há?

Comparação, fundamentada em todos os aspectos acima.

Temos a comparação como a raiz para a busca pelo sucesso, felicidade e realização. Se há metas e objetivos, há a comparação. Ao invés de olharmos dentro de nós mesmos à procura de tais elementos, os três passaram a ser codependentes do sucesso, da felicidade e da realização dos outros. Metas a serem cumpridas, objetivos a serem alcançados.

Mais, através da comparação é possível, inclusive, a movimentação hierárquica e o exercício de instâncias de poder e dominação.

Ou influência, se preferir, para usar mais uma vez uma palavra na moda que até virou profissão.

Portanto, soma-se à percepção de pertencimento os conceitos de outrora às concepções intangíveis (transformadas em transacionáveis) atuais. Tudo aquilo que pode (e é) associado à identidade, é também usado para classificar e separar as pessoas em caixinhas estereotípicas.

Aliás, importante notar que fazemos um esforço sem igual de encaixar qualquer coisa “diferente” em uma caixinha. Existe até a própria caixinha do “diferente“. “Diferente” é percebido como não pertencente ao “meu” grupo e uma potencial ameaça.

Com elas, após a classificação estereotípica, atribuímos aos indivíduos pertencentes todas as características que nós mesmos temos para cada estereótipo, ignorando completamente a unicidade natural de cada ser humano e sem quaisquer interesses de saber mais. Um dos principais efeitos colaterais desse movimento é a adjetivação de pessoas e grupos.

Tememos o que não conhecemos. Tememos o diferente.

Surge então o preconceito como exercício de poder e superioridade. Compara-se, classifica-se, associa-se a um estereótipo, adjetiva-se negativamente e exerce-se o poder através do preconceito, como busca doente de um suposto bem-estar através do ser “mais ou “melhor” do que alguém ou um grupo, muitas vezes atuando ferozmente na desqualificação das demais identidades objeto de comparação.

Diante da estereotipação, surgem emoções básicas como nojo e desprezo. Enquanto o desprezo tem uma conotação intelectual de superioridade, o nojo tem uma base de sobrevivência (por exemplo, manter-se longe de algo que pode potencialmente envenená-lo).

E não é que o sentimento de envenenamento intelectual faz muito sentido?

No caso do preconceito, o nojo passa a ser intelectual também, baseado na representação da identidade formada para o alvo do estereótipo. Em ambos os casos, houve um aprendizado através dos grupos e sistemas aos quais se pertence (família, trabalho, comunidade são exemplos) onde o estereótipo é formado. Sim, trata-se de algo tão perigoso e difícil de combater por causa das suas origens e das emoções que desperta.

Essa comparação, que incentiva uma competição desenfreada em busca da felicidade, sucesso e realização, cria situações totalmente destrutivas e de insatisfação constante. Uma sociedade insatisfeita e coisificada, que deposita a felicidade, o sucesso e a realização em elementos externos, é uma sociedade de um consumo doentio e do cansaço, que busca na descarga de dopamina constante, a felicidade (aquisição, drogas lícitas ou ilícitas, competitividade, exercício de poder e superioridade), em busca de mais um suspiro de sobrevida, apesar da exaustão.

Entretanto, como disse em um texto anterior:

Não somos mais nem menos. Somos diferentes.

E nossa, não há poder maior para a humanidade do que a interação dessa diversidade.

Nossa realidade hoje é outra, pautada por conceitos cada vez mais complexos e que exigem um alto poder cognitivo e imaginativo.

Ao promover uma irremediável associação em grupos de pessoas com características supostamente semelhantes, o que traz o conforto do pertencimento, de poucas mudanças e o poderoso viés da confirmação, a realidade atual e o nosso futuro dependem da criatividade, da inovação e de pensar o novo rapidamente.

Eles dependem da nossa habilidade em focar nas ideias e não na identidade das pessoas ou estereótipos.

Perceba as forças contrárias em jogo aqui.

Um mecanismo inato e milenar de sobrevivência, apto a uma realidade dos nossos antepassados com pouca capacidade inventiva, versus o momento atual de altíssima necessidade e habilidade cognitiva e que exige a aceitação de diferenças em busca do novo. É como um quebra-cabeças: cada um de nós uma peça diferente e essencial à formação da imagem do final. Neste caso, não há fim. Há jornada e evolução.

Temos a ilusão advinda dos exercícios de poder do passado, através do embate dos grupos de indivíduos com características semelhantes, de que a maneira mais eficaz de obter resultados é o conflito.

Mas é exatamente o contrário: o extraordinário acontece quando as diferenças e individualidades são aceitas, permitindo a interação da diversidade de pensamentos, emoções e ideias, algo que incentiva a cooperação e não a comparação e competição.

E sim, o choque ocorre a toda hora, a todo momento.

Como podemos então migrar para uma abordagem mais sadia?

A Pirâmide ou Hierarquia da Discordância de Graham

Agora que exploramos vários conceitos fundamentais, apresento-lhes outro do qual sou fã, faz parte do meu livro e já mencionei por aqui. Tenho um vídeo que também aborda o tema.

Criada pelo investidor Paul Graham em 2008 meio que na brincadeira, ela fala sobre como argumentar na Internet. Entretanto, o conceito é muito mais poderoso e exprime muito bem quando há a aceitação ou não de ideias ou quando o processo de comparação está em exercício e, principalmente, se ele está no nível da identidade.

Pirâmide ou Hierarquia da Discordância de Graham

Devemos fazer um esforço e mirar sempre numa argumentação de melhor qualidade (no topo da pirâmide). Perceba que lá, não tocamos na identidade ou na liberdade existencial de cada um. O foco é o argumento, a ideia, a proposição.

À medida em que se caminha para a base da pirâmide, mais percebe-se a identidade do interlocutor, chegando ao ponto da comparação ser tão extrema que há a necessidade de desqualificá-lo ou eliminá-lo. Vejamos cada etapa a seguir.

Direto Ao Ponto

Focado na ideia ou conceito. É o melhor e mais rico nível de argumentação, onde há respeito mútuo e o foco é o ponto central da ideia, conceito ou argumento que foi colocado. Tem o poder de derrubar totalmente a proposição inicial. Visa completamente o conteúdo central e em nenhum momento questiona os autores, sempre fazendo referência aos pontos de discordância e fornecendo as evidências necessárias.

Focado em Erros e Trechos

Ainda focado na ideia, mínima percepção da identidade do interlocutor. Neste nível há contribuição real para os participantes e, se a contra argumentação for feita de forma eficaz, ela deve derrubar parte da proposta inicial. No entanto, como não consegue perceber (ou não aborda) o ponto central da ideia, não refuta o raciocínio original como um todo. É útil e pode ser explorada para que chegue no nível acima, basta ampliar o conhecimento acerca do argumento de partida e do seu contexto. Existe o respeito mútuo e o foco está nos argumentos.

Contra Argumentação

Existe a visão da ideia ou conceito, mas o objetivo já passa a ser contrapor a identidade do interlocutor. Oferece uma posição contrária ao argumento original ou partes, mas não foca em nenhum deles, apenas oferecendo uma justificativa pelo qual é contra. Continua existindo respeito entre as partes. Pode ter alguma utilidade, mas dificilmente se conseguirá elevar a argumentação para o nível acima, talvez por falta de compreensão do que foi dito.

Sou do Contra

Mínima visão do conceito. O foco passou a ser a identidade do outro. É quando existe uma postura contrária à questão e não se fornece nenhuma justificativa. Mesmo que não ataque o autor original, não há utilidade alguma nesse tipo de argumentação para ninguém envolvido e ele está normalmente baseado em crenças ocultas.

Focado no Tom

Não há mais nenhuma percepção da ideia ou conceito e o objeto da argumentação é a metalinguagem: a suposta incapacidade do interlocutor de expressar-se.

Ad Hominem

Foco na identidade do interlocutor e o objetivo passou a ser desqualificá-lo. Esqueça o argumento e até o assunto em questão. Aqui, ele sequer será abordado. O foco está na desqualificação do autor, atacando a sua identidade e competência.

Xingamentos

Não há mais interesse em desqualificar o interlocutor. O objetivo passou a ser obliterá-lo. No nível mais baixo de todos, o que reina é a agressividade,  a violência, a ofensa e o desrespeito, mútuo ou não. São os xingamentos, as grosserias e talvez até as agressões físicas. Adjetivos são a regra e a comparação, junto com julgamento e conflito exercem o maior poder.

A pirâmide de Graham pode ser usada como ferramenta excepcionalmente útil por cada um de nós para detectar se estamos nos relacionando com outras pessoas através da cooperação e no nível das ideias ou se estamos indo em direção à identidade e à comparação.

Há Esperança?

Há, certamente.

E a tradução dessa esperança em realidade passa pelo entendimento e pela aceitação de que não somos melhores ou piores do que ninguém. Somos diferentes.

E isso é fantástico!

Como gosto de dizer (algo que pratico no dia a dia, mas não ausente de desafio), se somos expostos a uma ideia, conceito ou concepção e adjetivamos negativamente a pessoa que nos expôs (mesmo que mentalmente), há uma evidência de que estamos caminhando para a base da pirâmide. Neste caso, há uma fuga da aceitação das diferenças e um movimento em direção ao conflito.

O que proponho é que a mudança necessária comece dentro de cada um nós. Não podemos arbitrar sobre o que o próximo pensa ou sente. Podemos, sim, fazer a nossa parte para ter um futuro de grande evolução e paz. O que nos diferencia do nosso passado é justamente aquilo que exige uma mudança de pensamento se quisermos sobreviver como humanidade com menos conflitos.

“A raiz da infelicidade humana está na comparação”
Søren Kierkegaard


Leitura adicional:

 


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Enfim, a Hipocrisia

Ah, a hipocrisia.

É natural que idealizemos uma existência e não sejamos ela.

É natural que tenhamos um ideal de ser e estar e projetemos isso no externo, mas na realidade, sejamos pouco ou muito diferentes dessa concepção.

Esse é um movimento que sempre existiu e não foi criado junto com as redes sociais. Elas apenas evidenciaram a diferença entre quem somos e quem desejamos ser. Aliás, as redes sociais estimulam essa diferença.

Darei alguns exemplos.

Vejamos o indivíduo que vai todas as semanas ao culto e trata mal as pessoas na rua ou, ainda, a que reza por uma religião contrária ao uso de drogas ou álcool (entendo que a maioria esmagadora) e faz uso delas na balada.

Tem aqueles que acreditam na evolução do ser através do altruísmo ensinado por suas respectivas religiões ou crenças que são claras quanto ao apego material e… vivem suas vidas em função da conquista do material (ou divulgam a cocriação da abundância sentados em… abundância).

Não esqueçamos das “figuras públicas” que, nas redes sociais, dão dicas sobre organização, superação, planejamento, alcançar a sua melhor versão e têm suas vidas literalmente de cabeça para baixo, mal conseguindo aparecer para um compromisso com menos de 15 minutos de atraso.

E o sujeito que prega retidão, valores da família em todos os lugares, idoneidade, honestidade e fidelidade, mas não perde por esperar a próxima baladinha ou convenção da empresa, onde cai no puteiro com os colegas e clientes.

Não esqueçamos a verdadeira onda de positividade tóxica muito comum nas redes sociais. #Goodvibes, seja positivo, cerque-se de pessoas positivas e tá tudo bem.

Só tem um detalhe: ninguém na face da terra é feliz ou positivo o tempo todo. Ninguém é um ideal, seja ele qual for, sempre.

Se pretende cercar-se de pessoas #goodvibes e positivas o tempo todo, é provável que atraia pessoas como você: que atuam uma felicidade e um bem-estar idealizado e irreal através de um personagem.

O problema está na mentalidade por trás do “mais” ou “menos”. A questão é adjetivar pessoas como prática comum.

Pessoas mais sábias, mais fortes, mais criativas, mais engenhosas, mais competentes… ou bobas, sem criatividade, sem estrutura… Isso é comparação, repleta de julgamento.

Nenhum desses adjetivos existe sem um referencial, que acaba sendo a própria régua.

Pessoas são DIFERENTES, não mais, não menos.

E é a interação dessa diversidade que tem o potencial de, como grupo, sociedade, permitir que façamos coisas extraordinárias.

Os ideais e expectativas impossíveis junto com a comparação são umas das maiores fontes de questões de saúde mental.

Perceba como o ato de cercar-se de pessoas que supostamente nos levam a uma melhor versão tem uma decisão e um julgamento anterior: as mesmas pessoas que consideram-se positivas pregam o não-julgamento, mas foi exatamente o que fizeram ao considerar alguém “bom” ou “certo”, sempre usando a própria régua de bondade e virtude que, sem surpresas, assemelha-se a percepção de si.

Ao escolher apenas quem achamos que são “bons” (ou qualquer outra característica), somos levados a confirmar nossa identidade projetada. Nega-se a chance de contemplar a diversidade e encontrar o novo, talvez a centelha para o início de um processo de crescimento, procurado em primeiro lugar.

Pensar dessa forma absolutamente e a todo o tempo é negar a complexidade humana, o passeio entre nuances.

Não que eu esteja advogando sobre aproximar-se daquilo que faz mal, pelo contrário. Mas todo mundo no planeta já foi percebido como tóxico para alguém.

Entre possíveis extremos de suposta bondade e maldade, certo e errado, repousa a existência humana. Apesar deles existirem, não somos seres apenas de extremos: somos únicos e complexos, com uma mistura de elementos que desaguam na unicidade (o conceito de “extremo” aqui nada mais é de que os limites de algo medido subjetivamente).

Achar que somos extremos é apenas olhar para as pontas, para as extremidades do comportamento humano.

Todos nós temos questões, imperfeições e aquilo que pode ser percebido como limite ou indesejado. O segredo está na cooperação, na aceitação e na ajuda mútua.

Não trago essas questões para exercer o moralismo, defender ou atacar nenhuma religião, crença ou convicção de nenhum tipo, até porque essa suposta dualidade precede a todas e é da natureza humana (para fins de exemplo, isso é irrelevante). A questão não é a crença em si, mas usá-las como artifício de comparação.

Minha intenção é evidenciar o conflito interno que estimulamos, criado por nós mesmos.

Os indivíduos se comportam colocando forças opostas umas contra as outras e não se dão conta de que esse tremendo choque ocorrerá dentro de si.

Enfim, a hipocrisia… em seu máximo esplendor.

Mas calma.

Se olhar bem, todo ser humano é hipócrita em alguma extensão.

Exato. Todos nós somos hipócritas. E tá tudo bem (pelo menos até aqui).

Sempre existirá uma diferença entre o eu (que, por sinal, é transitório) e a identidade externa, o desejo, a idealização e a aspiração.

A questão não é a diferença existir. A questão é se a distância está aumentando ou não, se a identidade externa é uma atuação construída com uma finalidade específica que nada tem a ver com quem se é.

Pense em um elástico.

Numa ponta, temos o eu, a nossa mais precisa (tanto quanto possível) definição de quem somos.

Na outra ponta, temos uma identidade externa.

Quanto maior a distância entre os dois, quanto mais esticado o elástico estiver, maior a tensão.

Quanto maior a tensão, maior a falta de realização e a distância do bem-estar.

Agora, imagine que nem sempre sabemos quem somos.

Podemos estar inadvertidamente esticando o elástico.

Entende agora porque autoconhecimento é importante?

O problema não é a existência da hipocrisia, é o que estamos fazendo para diminuí-la.

É o que estamos fazendo para diminuir a tensão do elástico.

Como está o seu?

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Expectativas

Expectativas. Um manequim diante de um espelho representa essencialmente esse texto. Um alter ego projetado, idealizado e perseguido como objetivo existencial em um universo construído através de um padrão inalcançável.

Mas as respostas não estão fora, na projeção ou na jornada em busca desse efêmero. O exercer de uma existência externa fala muito mais sobre o ser e o estar do que qualquer alter ego.

Nos últimos 30 anos (ou até mais), a maior parte da autoajuda “nos ensinou” que conhecer a si e buscar dentro de nós é a chave para um eu evoluído (odeio essa proposição, passa a conotação e cultura de competição).

Quem é vegano, religioso, medita todos os dias ou faz yoga [insira outras práticas aqui] e se considera mais evoluído do que o próximo, não entendeu nada.

É a mesma coisa para humildade.

Quem se considera humilde, deixou de sê-lo.

Prefiro a busca pelo eu “diferente”.

Outro ponto: como conteúdo de autoajuda e suposta evolução, trata-se basicamente das expectativas de outros que aceitamos para nós como nossas achando que o que deu certo para alguém tem que dar certo para a gente também… e alguns autores dizem justamente que a chave para a felicidade é lidar com as expectativas de maneira adequada.

Uma percepção associada a autorresponsabilidade e a meritocracia, na maioria das vezes acompanhada de lemas como “se alguém já fez, você também pode fazer”, que traz outra questão: a comparação.

Confesso que falar que tudo que um ser humano consegue, eu também consigo, é uma ideia libertadora, apesar de nada realista.

Afirmar isso categoricamente e absolutamente é ignorar o mundo em que vivemos. É ingenuidade, é subjugar injustiças sociais, geo/políticas, culturais, posicionamento social, financeiro e tantas outras coisas.

Não é algo ruim. Só é. Mas é motivador em si.

Passa a ser negativo quando, junto com as expectativas, ignoramos nossas próprias fraquezas e fortalezas. Quando passamos a desejar ser iguais à manada sem considerar todo o resto. Quando projetamos uma idealização de existência inatingível e passamos a alimentar um monstro dentro de nós mesmos.

Proponho uma abordagem diferente.

Nossas limitações são insumo para um potencial danado.

Não que eu tenha idade para ser um atleta olímpico, astronauta ou cientista de foguetes, mas a ausência dessas possibilidades abre uma série de outras.

Somos animais sociais. Pertencer é forte em nós, porque nos ajuda a sobreviver no grande esquema das coisas. Portanto, pode ser necessário olhar para dentro e lidar também com as expectativas dos outros que internalizamos… mas não vejo como podemos dissociar os dois.

Aliás, mesmo em uma sociedade de cooperação, as hierarquias existem… e elas não existiriam sem julgamento e comparação, mesmo que nos remetamos aos primórdios da nossa existência como mamíferos, quando a força e a sobrevivência imediata eram critérios.

Diria até que o pertencimento é influenciado pela percepção de uma hierarquia validada socialmente e, se existe interesse numa movimentação horizontal ou vertical, existem julgamentos, expectativas e comparação fluindo para todos os lados.

Pode parecer que são ideias opostas, mas talvez o ideal esteja entre elas.

Como certa vez disse Bernardo de Chartres (atribuído a Isaac Newton):

“Se eu vi mais longe do que os outros,
é por estar sobre os ombros de gigantes.”

Ao combinar o que aprendemos de diferentes fontes, temos a oportunidade de criar novas ideias. Acho que é basicamente impossível começar do zero. Se levarmos em conta que nossas identidades são um conjunto de crenças, olhar para dentro já é uma busca baseada no passado.

Então, é possível desvincular tudo que nos foi dito para sermos? Isso não destruiria parte das nossas identidades de alguma forma? isso não destruiria nossa singularidade?

Existe uma equação de composição do self, do eu e da identidade em jogo para cada ser humano. Como bem coloca Yuval Harari, a nossa imaginação e a nossa capacidade para criar conceitos abstratos é nosso maior recurso.

Sendo assim, partindo do princípio de que o que criamos hoje só é possível diante de toda a criação anterior e há uma boa dose de expectativas na mesa, seja para empoderar ou limitar, resultados foram obtidos e influenciados a partir daí.

Lembro particularmente de algumas conversas com os meus pais, calçadas em expectativas.

Posso julgar o resultado alcançado, mas invariavelmente, não importando reconhecer se foi limitante ou incentivador, modificaram-me. Fazem parte da mecânica que me tornaram único, mesmo sabendo que expectativas rondando a moral e a ética são compartilhadas.

Aqui, entramos em um conceito mais complexo.

Temos sistemas sociais que transformaram o bem-estar em objetivos. Aquilo que pode ser alcançado através da obtenção do tangível, algo mensurável e que pode ser transacionado, vendido, comprado. Tenho dois vídeos que falam sobre isso, aqui e aqui.

Os objetivos foram massificados. Os ideais pasteurizados, as fôrmas da felicidade, do sucesso e do bem-estar onde todos nós nos moldamos para caber em favor de entender quem somos.

Mas o conceito de “todos” fomenta também expectativas igualmente pasteurizadas, incompatíveis com o que representamos: unicidade, individualidade, diferenças.

A força inexorável de quem está no topo da hierarquia propõe uma padronização de comportamentos que não explora a riqueza da unicidade, mas a força da massa para si.

Há um conjunto de expectativas de comportamentos que forçam o indivíduo e suas maiores atribuições ao conforme. O conforme é um reservatório potencial de energia e poder.

Vivemos em tempos de polarização absoluta, o que reduz tudo a dois lados, aumentando ainda mais esse reservatório de poder e perdendo autonomia sem percebermos.

Não somos assim… estamos sendo levados a uma realidade que não traduz a natureza humana.

E ela é poderosa juntamente por causa das diferenças… e não pela capacidade de sermos manipulados a seguir fórmulas de ideais de felicidade, sucesso e bem-estar, seja com expectativas ou não.

Eu acredito com todo o meu ser que a força advinda da manipulação das massas é bem inferior ao resultado da interação do diverso. A diversidade como fonte de criatividade, inovação e evolução é um reservatório de energia e poder muito maior.

A história está repleta de exemplos dessa natureza, quando pessoas exerceram a sua diversidade de forma cooperativa, permitindo essa interação e troca sem precedentes. Foram os episódios da nossa história onde houve maior evolução tecnológica, social e intelectual.

Mas para que isso ocorra, é necessário outro elemento fundamental: aceitação das mesmas diferenças, respeitadas as leis, a moral e a ética.

Quando a compreensão faz parte da equação, não temos limites.

Como humanidade, quando não só compreendermos isso, mas conseguirmos usar essa fonte gigantesca de energia, chegaremos a uma época de quase infinita prosperidade.

Essa é uma expectativa legal (talvez utópica) de ser ter.


Leitura adicional:

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O Paradigma do (Suposto) Conhecimento

Partamos do princípio de que talvez para entender o conhecimento precisamos já ter conhecimento.

E de que para ter conhecimento é necessário entender o conhecimento que surge.

Paradigma.

Efeito Dunning-Kruger ao contrário ou do jeito concebido?

Conhecimento está ligado a explorar, não a determinar.

Se não há espaço para questionar e há apenas algo determinado por um terceiro ou por nós mesmos, não há crescimento do conhecimento.

Isso e fé.

O ponto é o quão longe as pessoas estão dispostas a ir para aprender algo novo, injetando dúvidas em seus conceitos supostamente “sólidos”?

Basta observar as pessoas falando e discutindo.

Se houver declarações mais flagrantes e vazias sobre o que é a verdade (sem evidências) em vez de questionamentos, pode ser uma indicação de um bloqueio de aprendizagem.

Isso mesmo, o que estou propondo aqui não é rebater crenças irremediáveis que levam a afirmações e argumentos sem nenhuma comprovação. É a percepção que o que está sendo dito é a identidade da pessoa e ir contra a argumentação é ir contra a pessoa.

O que realmente me incomoda é o fato de que as redes sociais como meio de comunicação fazem exatamente o oposto do que Paul Graham propõe em sua hierarquia da discordância: estamos presos na base da pirâmide (identidades).

Alguns meses atrás, fiz um post e um vídeo sobre a síndrome do impostor e lá, explico o conceito dos estágios de aprendizado (sugiro dar uma olhada ;))

Nas redes sociais, o que mais temos são identidades. As personas ideais e desejadas expostas na vitrine do algoritmo. Debater ideias no âmbito das redes sociais é uma prática rara justamente por esse motivo.

Meu ponto:

  • O indivíduo que faz um argumento afirmando que algo é verdade sem colocar evidências na mesa, apenas as suas crenças, está defendendo a sua própria identidade e não a suposta verdade;
  • O indivíduo que coloca evidências na mesa para afirmar que um argumento é a verdade (e não aceita que tais evidências sejam questionadas), está defendendo a sua identidade da mesma forma;
  • Autoridade não surge de agarrar-se à verdades, posicionamentos irremediáveis e imutabilidade. Autoridade surge da capacidade de unir novos conhecimentos em novas abordagens.

De uma vez por todas: o método científico não aponta verdades. O método científico não atribui certeza muito menos verdades.

O método científico é uma forma de questionar, evitando vieses e influências. Ele aponta um caminho e nunca uma verdade.

Já as crenças e as verdades podem assumir a forma de serem absolutas; esse posicionamento pode surgir de qualquer um dos lados e, se detectá-lo, estamos falando de fé (em ambos os casos, até em pessoas que se denominam da ciência) e não de uma metodologia ou abordagem científica.

E como usamos as nossas verdades absolutas para construir as nossas identidades, talvez por isso que o método científico seja tão odiado.

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A Fronteira da Identidade

Você acorda.

Olha para os lados e percebe uma comunidade de umas… 40 pessoas.

Você só conseguiu dormir porque elas existem.

Alguém vigiou enquanto dormia. Alguém caçou. Alguém cuidou das suas feridas.

A sua identidade está irremediavelmente conectada àquelas pessoas. Ao lugar.

A comunidade cresce, estabelece-se.

Aqueles vales e savanas transformam-se em cultura.

Algumas tradições surgem.

Histórias transformam-se em músicas, cânticos à beira de uma fogueira, pessoas dançando… você olha em volta mais uma vez e percebe que pertence.

As fronteiras da sua realidade determinadas por quão longe consegue andar e voltar ao grupo.

As características do grupo influenciam o local escolhido e o local influencia como o grupo eventualmente se comporta.

Aquele é o seu lugar. Não consegue imaginar-se em outro momento ou situação. Você é, por estar.

O poder da terra. O crescimento do grupo em estabelecimentos cada vez maiores, casas, vilas, feudos, reinos, nações.

Bandeiras e fronteiras.

Culturas.

Se entendermos a religião como uma forma de expressão cultural, todas as guerras do mundo foram travadas para defender esses três. E foram muitas.

Defender a identidade, as crenças e os recursos.

Um resumo dos últimos 40 mil anos em pouco mais de 150 palavras.

Existência ligada ao corpo e às suas necessidades.

Agora, pulemos para o momento atual.

Cadê a fronteira?

Cadê o lastro cultural histórico da identidade?

Perdeu-se?

Pode ser.

Mas não deixamos de ter identidade. Ela apenas passou a ser estruturada de outra forma.

Nos últimos 20 anos, houve uma transferência dessa identidade para um conceito virtual, para uma curadoria de sons, imagens, vídeos, textos, comentários e outros sinais de representatividade de crenças e avatares online criados à referência de um ideal de existência.

No passado, a ligação da identidade ao ambiente físico era muito mais forte e a fortaleza dessa conexão trazia uma consequência interessante: tangibilidade.

Era o que era. Passível de ser percebido fisicamente. Sentido, visto, ouvido, tocado.

Hoje, o que tocamos é a tela do celular.

Substância substituída por exposição, ser visto, uma mecânica pornográfica que molda a identidade e as nossas relações, completamente mediadas por inúmeras camadas e interesses entre representações de pessoas.

Além da identidade ser uma perseguição de ideal filtrada, transformada, intencionada e interpretada, há um conjunto de entidades entre eus e vocês, transformando o que vem e vai.

A fronteira agora é o alcance, promovido pelo engajamento e likes (curte, compartilhe, comenta!). Comportamentos totalmente moldados por algoritmos.

A percepção de identidade transformou-se em um gás, preenchendo e tomando conta de tudo que há dentro da fronteira, desde que permitido pelos algoritmos.

Aparecer, ser notado e atenção viraram sinônimos de existência e não apenas estar exposto.

Com a expansão dos avatares, os egos seguem, numa louca e desenfreada comercialização do eu coisificado e encenado.

Como uma encenação, uma performance, a existência é transportada para fora e para longe do corpo físico, para uma embalagem conveniente, etiquetada, classificada, precificada e estereotipada na prateleira da nova sociedade que se forma, exposta e à venda.

Emoções também passaram a fazer parte dessa representação e, de fato, emoções e sentimentos tidos como negativos são execrados em favor daquilo reconhecido como positivo, pois aumenta o preço da existência performática.

Até a pergunta “como você se sente?” perdeu o sentido, pois a resposta está ligada à encenação e à economia estabelecida.

A suposta e constante felicidade alheia, a positividade, a motivação e a superação perenes, como ideais de transformação, vendem.

O ideal inalcançável de comportamento (que é uma performance e referência de perfeição desejada), vende ainda mais.

E como inalcançável, criou-se a mercadoria ideal na economia perfeita.

Demanda inesgotável para algo inatingível.

No fim do dia, perdemos cada vez mais contato com quem somos em favor de quem mostram que devemos ser, para sermos ainda mais aos olhos dos outros em busca de nós mesmos. Uma armadilha.

Estamos existindo em uma identidade engenhada que não é a nossa, mas criada para satisfazer as expectativas da relação econômica.

  • Em um cenário assim, como podemos sequer saber quem somos?
    • Olhamos para fora e… quando olhamos para dentro, é no desejo de encontrar os ideais externos;
  • Como exercemos a unicidade que nos define, em um mundo pornográfico que impõe uma transparência opressora e desumanizadora?
    • Há uma pasteurização do conteúdo, muita informação que é apenas mais do mesmo, repetição e busca por fórmulas de suposto sucesso;
  • Se ativamente e intencionalmente transpomos uma identidade ideal para o consumo e fazemos parte dessa mecânica, ainda assim é possível preservar um eu ligado à essência? Em outras palavras, ao encenar e consumir, não corremos o risco de nos distanciarmos tanto dessa essência ao ponto de matá-la de fome?
    • Se há uma curadoria intencional à procura de engajamento ou exposição, há o distanciamento da essência e a aproximação dos interesses das entidades por trás das plataformas.

Tenho uma ideia que não sai da mente: se a identidade projetada é ideal e encenada (por menos que seja), a transmutação da essência para um reflexo atendendo às expectativas alheias através da performance não pode ser reconhecida como essência em si.

Isso é enganação de si com uma pauta egóica (o ego, sendo usado como arma contra nós mesmos), por mais que o marketing e os argumentos vendam “essência” e individualidade (no sentido existencial) na prateleira social.

E, se considerarmos por um momento uma situação ideal e perfeita (ironia) da transposição da essência para o virtual, ainda há a mediação que, em nenhum caso, defende os nossos interesses.

Nenhum caso. Em nenhum momento.

Hoje, tenho mais perguntas do que respostas.

 


Imagem: Getty Images

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Ruído

Anos atrás, li um livro que mudou minha percepção de realidade, de consciente e de inconsciente.

Alguns dias atrás, li um artigo na mesma direção.

Sem entrar nas considerações matemático-físico-filosóficas da minha limitada percepção do que foi dito, faço uma tentativa potencialmente frustrada de abordar o tema.

É isso mesmo? Começarei um texto argumentativo afirmando ser uma tentativa e, ainda por cima, frustrada?

Por que não?

Já mudei de opinião em 5 minutos de conversa e reservo-me o direito de mudar ao longo da escrita (certamente acontecerá, verá).

Aliás, esse é um dos grandes motivos pelo qual escrevo, compreensão e mudar de ideia, uma das coisas que mais prazer me traz (apesar das evidências em contrário, frase totalmente carregada de ironia e autocrítica).

Dito isso, confundo-me com a tentativa de buscar significado e sentido nas redes sociais praticada em massa atualmente.

Talvez o emprego da palavra “atualmente” seja bastante característico, afinal, falo de algo bem recente e que vem mudando o comportamento da sociedade profundamente.

Ou será o contrário? Será que as redes sociais são apenas o exercício de uma sociedade doente? Quem adoece quem?

Para todo lugar que olho, existe uma busca insistente pela verdade e entendo que ela sempre existiu (a busca, não a verdade).

E ela (a verdade, não a busca) é encontrada na fé (o conceito que usarei em todo o texto não é apenas religioso e sim mais abrangente): naquilo que faz sentido e afaga o ego.

Quantas pessoas conhece que de fato abraçam supostas verdades mesmo que elas sejam contra suas crenças? É difícil encontrar esse comportamento. Se alguém se abraça a um argumento, a probabilidade dele ser uma “verdade” para quem abraça é gigante, muitas vezes ignorando evidências.

Sim, os exemplos são inúmeros e as próprias redes sociais trazem isso de forma não só clara como, frequentemente, obliterante e magnânima (não ouse discordar meu caro).

Existe uma confusão entre fazer sentido, verdade e conforto cognitivo.

Não há necessariamente relação entre os dois primeiros. Nós acreditamos que haja em favor do terceiro, do conforto cognitivo, reforço de crenças e da identidade.

Em primeiro lugar, assumimos como verdade o que faz sentido.

O que há, no fundo e na sequência, é uma associação completa e irremediável entre sentido e propósito.

Sou a única pessoa a questionar essa percepção egóica de realidade? Dificilmente, apesar de não encontrar evidências do contrário. Se é seu caso, favor pronunciar-se. Gostaria de debater o tema.

Ninguém está interessado em questionar, em questionar-se e o argumento “faz sentido” é, basicamente, a chancela de ouro em cima do ego.

Ah, acha que não?

Pense comigo: o que é um argumento como “faz sentido” além da percepção de que a própria crença está “certa”? O que é, além do próprio tapinha nas costas, reafirmando que a sua identidade permanece inabalada e as crenças intactas?

Questionar passou a ser uma maldição reservada aos antipáticos, tidos antissociais e inconvenientes (enquadro-me desconfortavelmente). Há uma percepção insidiosa de que quem questiona destrói a empatia, para não mencionar as amizades e relacionamentos.

“Faz sentido”, “eu acredito”, “eu sou” e o alinhamento dos 3 ratifica o conceito de propósito individual, confirmando o suposto direito de ser e existir em um contexto totalmente pessoal, independente e ausente de visão sistêmica.

Mas “fazer sentido” não é sinônimo de “verdade”; “acreditar” não é sinônimo de “ter certeza” e “ser” não é sinônimo de “identidade”. Se partimos de premissas aparentemente equivocadas, por que continuamos a insistir? Conforto apenas?

Aqui, coloco um conceito sensacional que ouvi de um sacerdote, anos atrás: quem tem certeza não precisa de fé. Fé é o querer acreditar, é uma atividade, uma busca, um exercício.

Nossa, isso abre um mundo de possibilidades.

Achei a colocação de uma sabedoria sem igual, principalmente vinda de um líder religioso (apesar da própria posição dele ser no sentido de ter certeza, ironicamente). Fé permite evolução.

Se não há espaço para a desconstrução de uma crença e questionamentos, não há espaço para evolução e aprendizado.

Questionar é invalidado, não permitido e interpretado como antagonista à um propósito criado justamente pela concepção do determinismo.

“Está escrito”.

Se está escrito, não questione, tenha certezas.

Aliás, transforme aquilo que faz sentido em crenças, fé e depois em certezas porque, do contrário, a fé não sobrevive. Pensando bem, diante da associação de fé com certeza, sem determinismo a fé perde o sentido (outra ironia). Se não faz sentido para você, é praticamente impossível ter fé.

Então, associamos o nosso comportamento ao fornecimento da fé como alicerce para a existência e questionar vira a perfeita exemplificação do indesejado.

Acho que encontrei um paradoxo.

Talvez o “receio” (palavra bonita usada por mim para substituir “medo”) seja enfrentar o próprio castelo de cartas auto-argumentativo e eventualmente olhar para um estranho no espelho.

Ser é transitório e é bem provável que, eventualmente, em alguma fase da vida, isso ocorra.

Por bem da palavra, que isso ocorra! Sem espaço para essa transformação, não há espaço para evolução, aprendizado e crescimento.

Ser é um processo. Ser é um conjunto de “estar” ao longo do tempo.

Não adianta colocar um às de ouro no topo do castelo de cartas através do sentido que faz, se não há espaço para o sopro que você mesmo quer dar na frágil base, mas não o faz em nome das certezas que constroem a identidade.

Se por algum momento que seja considera que o ser humano tem a capacidade de se adaptar, tem a capacidade de mudar. Uma coisa não existe sem a outra.

Olho para as redes sociais hoje e vejo milhares de castelos de cartas. Aliás, fotos deles.

Talvez precisemos de uma ventania, um grande sopro de existência de fato e não de movimentos egoicamente calculados e perfeitos, vazios e oferecendo um suposto valor igualmente egóico (entenda vendo este vídeo).

E não precisa ir longe para achar o vento do sopro: temos milhares de anos de conhecimento e literatura à nossa frente… temos “vento” de sobra. A questão é o desconforto evitado ao máximo. Ficamos cada vez mais rasos, evitando confrontar a si (curioso como há coragem de sobra nas redes sociais para o embate com os outros).

Talvez precisemos embaralhar as cartas e começar novamente com algo que não faça sentido, mas que permita uma existência associada ao direito não dar explicações e sentido.

Vivemos diante de um mar de argumentos plausíveis e que soam como verdade para tantos… mas a quantidade é tão grande que não passa de ruído.

Pensando bem, ruído não pela quantidade, mas pela nossa incapacidade de questionar aquilo que nos conforta, praticamente eliminando a possibilidade de criarmos.

Sinto-me com a mesma opinião do sétimo parágrafo, mas cheio de perguntas (cuido delas com carinho: sinto-me vivo).

Será apenas mais ruído em minha mente? Será apenas mais uma condição existencial tentando fazer sentido de si própria?

Sei menos que você.

Só sei que continuo no esforço de não tentar explicar aquilo que não compreendo com certezas ou fé apenas e sinto-me bastante ignorante com isso.

Por sinal, especialmente ignorante. Uma ignorância que, começo a perceber, traz o mesmo conforto da própria fé.

Há algo mais egóico? Há maior egocentrismo do que acreditar que a própria percepção de mundo e realidade é uma verdade absoluta, diante de tanta diversidade?

Corrijo-me: no momento, ironicamente, faz sentido, enquanto questiono meu próprio orgulho em ser questionador. Lá vem o ego coloquial meus caros, esse insistente inquilino.

Talvez (adoro essa palavra) eu tenha encontrado alguma informação afinal, em meio à tanto ruído e autocrítica.

Respeito o conceito de propósito determinístico que tantos têm. Está escrito, é confortável, faz-nos sentir especiais, escolhidos (algo que por si só é irônico, diante de uma argumentação igualitária presente em tantas doutrinas, que trazem estereótipos distintos e comparação para os que creem ou não).

No início da escrita deste texto, lembrei-me de inúmeras pessoas que conheço que perseguem propósitos externos e a qualidade de vida que isso traz, boa parte pela isenção e transferência de responsabilidade.

Por outro lado, enquanto escrevo, lembro também de exemplos onde propósitos assim provém a justificativa para alguns indivíduos agirem contra os demais.

Prefiro uma abordagem alternativa: em um universo caótico, não somos especiais, muito menos o centro dele. Aqui, propósito também existe, mas é construído e não atribuído.

O que tem feito na busca por ele? Vem construindo ou esperando que uma voz apareça, diga-lhe o que fazer E faça sentido pra você?

Consegue ouvir alguma coisa útil diante de tanto ruído?

Qual a sua parcela na manutenção do ruído que hoje existe?

O Universo não está nem aí para a nossa existência. Tem gente que vai ler isso e achar uma blasfêmia. Tem gente que achará um absurdo… mas tem pessoas que encontrarão muita força nessa afirmação.

Onde acha que temos mais liberdade e autonomia? Em um contexto determinístico, onde tudo está escrito e somos peças em um tabuleiro ou em um universo caótico, onde cabe a cada um de nós construir o seu próprio propósito, transformando o ruído e o caos que o cerca em significado?

Agora, um exercício de lógica super simples: o conceito de destino, determinismo e “tudo está escrito” é incompatível com “livre arbítrio”.

São mutualmente excludentes. Não dá para ter as duas coisas.

Ou você acredita em destino ou em livre arbítrio. Se acredita nas duas coisas, ou não pensou ainda sobre o tema, ou é uma contradição viva ou está tão confortável em preservar o próprio status quo através de certezas que… tá tudo bem.

Não adianta “acreditar” naquilo que faz sentido pra você, escolhendo as questões que trazem conforto e julgar o próximo pela crença ou inexistência dela, se não dermos ao próximo o direito de arbitrar. Acho que acabo de colocar que fé e livre arbítrio também não podem existir sob a mesma concepção, pelo menos não se o conceito de fé for opressor.

E antes que surja o argumento de que estou atacando alguma religião, lembre-se: estou usando o conceito de fé abrangente.

Finalizarei com uma afirmação: se você parou pra pensar sobre quaisquer argumentos colocados aí em cima, então é sinal de que o nível de ruído finalmente ficou baixo o suficiente para escutar-se.

Caraca Romulo, nada do que falou faz sentido!

Pode ser…

Mas não prometi sentido. De fato, não prometi nada, talvez apenas passado a ideia de provocar. Este sou apenas eu, lidando com os próprios anseios, questionamentos e argumentos mentais.

Um exercício.

De fé?

Quem sabe. Espero que não opressora.


 

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Pensamentos Com Vida Própria Sociedade

Destruindo Identidades

Você compartilha frases de efeito ou aquilo que faz sentido, no impulso?

Então.

Permitam-me lançar mão de mais uma provocação aqui pra vocês. Como sempre, não tem certo ou errado… É pra fazer pensar.

Nem tudo o que faz sentido é o mais adequado.

Repetir o que um monte de gente fala, é facil, principalmente quando concordamos e reforçamos nossas próprias crenças. Esse conceito é a base do sucesso das fakenews e também o motivo pelo qual refutá-las causa as maiores brigas na internet.

O efeito manada (Asch, 1951), tão estudado na psicologia e que está associado à conceitos como zona de conforto e viés de confirmação tem grande participação aqui.

Ter opinião própria não é necessariamente escolher dentre as opções com as quais simpatiza.

O ideal é ir a fundo, pensar por si próprio, questionar, criar novas opções e estar aberto a novas evidências.

E aqui, a ironia: depois de achar que teve uma suposta ideia original, perceber que alguém potencialmente já chegou antes de você.

Isso é um processo… e é massa, porque provoca a interação com o diferente, promove a diversidade e nos traz benefício através do exercício da criação, ampliando os nossos horizontes.

Pensar dá trabalho e é incômodo.

Pensar mesmo é desafiar nossas próprias crenças e existe uma associação muito profunda e comum entre crenças, identidade e ego. Sem espaço para desafios assim, pouco evoluímos.

Desafiar as crenças dos outros e muito fácil e prazeroso até… Na maioria das vezes, temos dois ou mais egos brigando para vencer um argumento e, quando vencemos, o nosso ego chega brilha de felicidade.

Mas desafiar as próprias crenças é bem mais complexo.

Curtir aquilo que você vê nas redes sociais e concorda, dá uma massageada no ego e traz um senso de pertencimento, comunidade e identificação.

O desafio é encontrar algo com o qual não concorda e ter a coragem de considerar. Parar por um momento e refletir para descobrir se daí surge algo novo.

Estudos apontam (referências ao final) que passamos pelo menos 3 horas por dia nas mídias sociais e esse número aumenta a cada ano.

Pera… Mas o que isso tem a ver com ego, crenças e pensar?

TUDO.

Vamos fazer uma pausa para entender melhor o que isso significa.

Nossa presença na Internet é mediada em boa parte pelas redes sociais.

Nelas, criamos identidades, avatares que representam aquilo em que acreditamos.

É muito comum esses avatares serem representações de quem achamos que somos ou desejamos ser, um ideal de imagem e comportamento que perseguimos.

E, diante desse conteúdo, nossa faculdade crítica é naturalmente reduzida.

Quando afirmo que a nossa presença na Internet é mediada pelas redes sociais, significa que tudo aquilo que produzimos NÃO chega à quem nos interessa.

Chega a quem interessa à rede social. E o contrário também acontece. O conteúdo que chega para você é escolhido pelos interesses das redes sociais.

Além disso, toda rede social é construída em torno de uma mecânica de engajamento.

Quem gosta de algo, curte, compartilha e segue. Quem não gosta, comenta e engaja. Já percebeu aonde quero chegar?

Todos aqueles que interagem com o nosso conteúdo e concordam com a gente ampliam a nossa identidade que foi criada PARA as redes sociais. Reforçam aquele avatar que criamos e que é a nossa própria representação do ideal.

Boa parte daqueles que discordam também interagem com o nosso conteúdo… Mas consideramos qualquer discordância um ataque à identidade criada.

Somos tão preconceituosos que qualquer conteúdo nas redes sociais já é precedido de uma concordância ou discordância, baseada na identidade de quem o produz, antes até de lermos ou entendermos o que a pessoa disse.

Em qualquer um dos casos, as redes sociais saem ganhando, porque o engajamento foi gerado.

O efeito colateral disso é que temos ou o reforço do ego ou um ataque à identidade e pouquíssimo espaço para um debate no nível das ideias.

De fato, debater ideias a partir de discordâncias nas redes sociais é praticamente impossível e o resultado, na grande maioria das vezes, são os ataques pessoais.

Agora que eu expliquei a mecânica das redes sociais pra você, voltemos ao tema do início.

Por que compartilhamos conteúdo com o qual nos identificamos?
Por que entramos em brigas na Internet?

O motivo é o mesmo.

Reforço na identidade e no ego, senso de comunidade e pertencimento. Procuramos aprovação mesmo quando discordarmos.

Pense comigo: é tão difícil assim perceber essa busca por aprovação, tanto quando concordamos quanto quando discordamos?

Ao compartilhar algo na Internet, buscamos por aprovação.

Ao discordar de alguém, atacamos a identidade do outro lado e também procuramos identificar quem concorda conosco e discorda do autor original.

Em ambos os casos, temos uma situação de ‘NÓS” e “ELES” e ocorre uma polarização em grupos.

Ou seja, termina sendo tudo sobre identidade, ego e pertencimento.

Antes de compartilhar qualquer coisa… Esqueça por um momento quem falou ou postou. Leia com atenção a mensagem e analise se há coerência nela.

Melhor, busque por evidências que apoiem ou não o que foi dito.

Se você não concordar com algo, faça a mesma coisa. Pergunte-se: discordo dessa mensagem por causa da pessoa que falou ou há alguma evidência contra ou a favor do conteúdo?

E agora estamos falando de evidências, não de opiniões.

Em ambos os casos, será que eu sou capaz de fazer um comentário que envolva APENAS o argumento usado? Será que eu consigo interagir com o conteúdo sem necessariamente formar uma opinião influenciado pela identidade de quem disse?

Será que eu tenho a coragem e sou capaz de validar meu próprio argumento através de evidências e correr o risco de ter que mudar de opinião?

Eu faço uma proposta a você: ao repostar algo que achou interessante ou interagir e comentar com algo que não concorde… Pense: quais crenças minhas estão atuando para concordar ou não com aquilo?

Em seguida, pergunte-se: existem evidências que suportem minhas crenças ou elas são alimentadas apenas pela minha opinião?

Se você quer chegar ao fundo de qualquer assunto, lembre-se: não se refuta evidências com opinião.

Se não quer chegar e apenas deseja reforçar seu ego… Então, tá tudo bem. Mas entenda que é isso o que está acontecendo. De repente, é essa a intenção mesmo.


Referências:

Mais Ou Menos 150
https://rmcholewa.com/2018/03/10/mais-ou-menos-150/

A Realidade dos Avatares
https://rmcholewa.com/2020/10/23/a-realidade-dos-avatares/

Crenças, Verdade e Identidade
https://rmcholewa.com/2021/02/05/crencas-verdade-e-identidade/

As Cômodas Caixinhas Estereotípicas
https://rmcholewa.com/2021/02/14/as-comodas-caixinhas-estereotipicas/

Identidade, Crenças e Equilíbrio Emocional
https://rmcholewa.com/2020/07/18/identidade-crencas-e-equilibrio-emocional/

How Much Time Do People Spend on Social Media?
https://review42.com/resources/how-much-time-do-people-spend-on-social-media/

Americans Flock to Social Media as They Start to Feel the Impacts of COVID-19 More Closely
https://www.ipsos.com/en-us/knowledge/new-services/Americans-Flock-to-Social-Media

Asch, Solomon: “Effects of Group Pressure on the Modification and Distortion of Judgements” [Artigo] // Groups, Leadership and Men / ed. Guetzkow Harold Steere. – [s.l.]: Carnegie Press, 1951. – pp. 177-190;

Hou, Youbo [et al.]: “Social media addiction: Its impact, mediation, and intervention” [Online] //Researchgate. – Fevereiro de 2019. – Acesso em 03 de abril de 2021. – DOI: 10.5817/CP2019-1-4

Hill, Russel; Dunbar, Robin: “Social Network Size in Humans” [Online] // PubMed. – Março de 2003. – 22 de 06 de 2018. – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26189988;

McCarthy-Jones, Simon: “Social Networking Sites May be Controlling Your Mind – Here’s How to Take Charge” [Online] // The Conversation. – 05 de 12 de 2017. – 02 de 09 de 2018. – https://theconversation.com/social-networking-sites-may-be-controlling-your-mind-heres-how-to-take-charge-88516 ;

Wilson Brent, Gale: “Constructivist Learning Environments: Case Studies in Instructional Design” [Livro]. – [s.l.] : Educational Technology Publications, 1998. – Segunda edição;

Snyder, Mark: “Public Appearances, Private Realities: The Psychology of Self-monitoring” [Livro]. – Nova Iorque : W. H. Freeman and Company, 1987;

Livros:
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Créditos de imagem: Shutterstock em https://revistaeducacao.com.br/wp-content/uploads/2017/05/shutterstock_548868466.jpg

REDES SOCIAIS: AUSÊNCIA DE SENSO CRÍTICO E REFORÇO DO EGO?

[O vídeo original está disponível em sensocritico.oguiatardio.com]

Já se deu conta de que quando você reposta algo na Internet ou entra em uma #discussão, está apenas reforçando o ego e cultivando um senso de #pertencimento bem longe do #pensamento crítico?

Ao repostar o que achou interessante ou interagir e comentar com algo que não concorde… Pense: quais #crenças minhas estão atuando para concordar ou não com aquilo?

Em seguida, pergunte-se: existem #evidências que suportem minhas crenças ou elas são alimentadas apenas pela #opinião totalmente enraizada na minha identidade?

Será que eu tenho a #coragem e sou capaz de validar meu próprio argumento através de evidências, correndo o risco de mudar de opinião?

Se você quer chegar ao fundo de qualquer assunto, lembre-se: não se refuta evidências com opinião.

Se não quer chegar e apenas deseja reforçar seu ego… Então, tá tudo bem. Mas entenda que é isso o que está acontecendo. Talvez seja essa a intenção mesmo.

Conteúdo Adicional

Referências:

Mais Ou Menos 150
https://rmcholewa.com/2018/03/10/mais-ou-menos-150/

A Realidade dos Avatares
https://rmcholewa.com/2020/10/23/a-realidade-dos-avatares/

Crenças, Verdade e Identidade
https://rmcholewa.com/2021/02/05/crencas-verdade-e-identidade/

As Cômodas Caixinhas Estereotípicas
https://rmcholewa.com/2021/02/14/as-comodas-caixinhas-estereotipicas/

Identidade, Crenças e Equilíbrio Emocional
https://rmcholewa.com/2020/07/18/identidade-crencas-e-equilibrio-emocional/

How Much Time Do People Spend on Social Media?
https://review42.com/resources/how-much-time-do-people-spend-on-social-media/

Americans Flock to Social Media as They Start to Feel the Impacts of COVID-19 More Closely
https://www.ipsos.com/en-us/knowledge/new-services/Americans-Flock-to-Social-Media

Asch, Solomon: “Effects of Group Pressure on the Modification and Distortion of Judgements” [Artigo] // Groups, Leadership and Men / ed. Guetzkow Harold Steere. – [s.l.]: Carnegie Press, 1951. – pp. 177-190;

Hou, Youbo et al.: “Social media addiction: Its impact, mediation, and intervention” [Online] //Researchgate. – Fevereiro de 2019. – Acesso em 03 de abril de 2021. – DOI: 10.5817/CP2019-1-4

Hill, Russel; Dunbar, Robin: “Social Network Size in Humans” [Online] // PubMed. – Março de 2003. – 22 de 06 de 2018. – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26189988;

McCarthy-Jones, Simon: “Social Networking Sites May be Controlling Your Mind – Here’s How to Take Charge” [Online] // The Conversation. – 05 de 12 de 2017. – 02 de 09 de 2018. – https://theconversation.com/social-networking-sites-may-be-controlling-your-mind-heres-how-to-take-charge-88516 ;

Wilson Brent, Gale: “Constructivist Learning Environments: Case Studies in Instructional Design” [Livro]. – [s.l.] : Educational Technology Publications, 1998. – Segunda edição;

Snyder, Mark: “Public Appearances, Private Realities: The Psychology of Self-monitoring” [Livro]. – Nova Iorque : W. H. Freeman and Company, 1987;

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O Ego É Seu Inimigo, Ryan Holiday: https://amzn.to/3eb4BcJ
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Romulo é um autodidata. Começou a lidar com tecnologia aos 16 anos e, ao longo da carreira, teve a oportunidade de conhecer profundamente cada aspecto da área e, curiosamente, da natureza humana. Diante de uma crise mundial no setor, conheceu o desemprego aos 25 anos.

Durante três anos, frequentou a melhor escola: não é à toa que dizem que a necessidade é a maior de todas elas. Aprendeu muito com a vida a partir daí, até mudar de vida: entendeu que o melhor caminho para a felicidade existencial é a prática da ressignificação, a humildade e que o fracasso é um mecanismo natural do ser humano para evoluir.

Enfrentar a depressão diversas vezes e lutar por saúde mental mostrou que o nosso maior adversário… somos nós mesmos. Vencê-la ensinou, dentre tantas coisas, que a maior realização que o ser humano pode alcançar é ver o próximo crescer. É ver, acima de tudo, o próximo brilhar, superar-se e não há melhor tratamento do que doar-se.

Hoje, como Master Practitioner em programação neurolinguística (PNL), atua na área de tecnologia da informação, vendas e tem como hobby ler, escrever e estudar sobre autoconhecimento, desenvolvimento pessoal e humano, motivação, mindset, coaching, liderança e alta performance.

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A Sociedade do Cansaço

Década de 80, pré-adolescência.

Não entendia ainda muito do mundo que me cercava, mas percebia que, todos os dias ao acordar, meus pais já tinham desaparecido.

À noite, situação semelhante. Até os meus 11 anos, sempre dormi antes deles.

Aos 15, comecei a encontrar meu pai todos os dias no trabalho e a entender como funcionava a hierarquia profissional.

Para mim, uma oportunidade gigantesca.

Lembro que comecei a me interessar pelo mundo da tecnologia na tentativa e erro… e ele, aprendendo também, pedia-me frequente o manual das coisas. A percepção de causa e efeito, da realidade ordenada.

Era um mundo de obediência, de submissão, execução, horário para chegar e para sair.

Trabalhar significava estar presente e seguir as regras.

Minha mãe deixou de trabalhar mais ou menos nessa época por questões de saúde, mas ele seguiu firme e forte até a aposentadoria, 15 anos depois.

Conviver com ele durante a aposentadoria melhorou muito o nosso relacionamento e trouxe a oportunidade de compreender melhor o mundo em que ele desenvolveu a carreira.

E aqui, começa uma dicotomia curiosa.

Eu peguei a transição da filosofia de trabalho do meu pai para outra. A transição da presença das 8 às 18 como métrica de produção para a suposta entrega de resultados.

Expediente deixou de fazer sentido.

A obediência cedeu ao desempenho.

Para alguns, uma evolução. Um sinal de liberdade, ser dono do próprio nariz e independência.

Entramos na era da autonomia, da motivação intrínseca e da [auto]responsabilidade.

Sim, poderia usar aqui o termo “autorresponsabilidade”, mas acredito que responsabilidade atribuída não é responsabilidade; é culpa.

Em outras palavras, responsabilidade deveria sempre ser autorresponsabilidade. Se não for protagonizada, perde o sentido.

Sim, falei isso pra provocar mesmo.

Quarenta anos atrás, o senso de responsabilidade estava intimamente relacionado ao senso de dever, de cumprir com as obrigações, com obediência. Hoje, a responsabilidade está relacionada a si, a identidade.

Pode parecer em princípio que estou falando de um caminho correto e outro errado. Mas não é isso.

São questões distintas, com efeitos colaterais e implicações diferentes, adequadas às suas respectivas culturas e realizações sociais.

Por um lado, enquanto temos o sujeito de obediência preparado para os rigores da vida, ocupado e submisso, com identidade imutável e explorado externamente, por outro, temos o sujeito de desempenho, suficiente e autônomo, com identidade flexível e explorado por si próprio: o mundo o excita e provoca a busca por superação que não tem fim.

De um lado, temos o “ser melhor” associado ao cumprimento do obrigatoriamente estabelecido (externo); do outro, associado a si, a estar diferente de ontem e, por algum conjunto de métricas vis, a comparação de mim comigo mesmo em busca de um ideal de evolução ditado pelo externo.

Vê-se liberdade, tem-se prisão auto imposta; o algoz de si mesmo.

Neste último caso, a quem reivindicar uma mudança, se existe uma associação de evolução própria (ser melhor) com um objetivo máximo a ser alcançado, mas que atende a necessidade do status quo?

De fato, temos o atendimento às necessidades do status quo nas duas culturas.

Temos a ausência de liberdade, embora por motivos distintos, nas duas também.

A diferença é que, atualmente, temos a sensação, a impressão e a clara percepção de liberdade.

Somos levados a acreditar, através da crença do protagonismo, estar totalmente responsáveis por tudo que nos acontece e por todos os resultados que obtemos ou podemos potencialmente obter.

Mas isso simplesmente não é verdade.

Há muita coisa que nos foge ao controle (o que nem é tão importante assim, para fins de entendimento e argumentação). É, contudo, importante perceber o controle que o status quo exerce sobre a nossa existência e não nos damos conta.

É justamente por isso que achamos que temos liberdade.

Volto a uma questão que tenho levantado aqui no blog e em vídeo:

Você acha que ter liberdade é ter escolhas?
Se as suas opções são escolhidas por uma outra parte ou interesses alheios previamente, ainda acharia ser liberdade o ato de escolher?

Se você já leu o sensacional “Sociedade do Cansaço”, de Byung-Chul Han, está familiarizado com alguns dos termos que usei.

Longe de mim recriar a roda. Minha intenção aqui é convencê-lo a ter uma experiência com esse conteúdo, fazer uma crítica de um dos livros mais provocativos e transformacionais que li nos últimos anos e permitir que tire as suas próprias conclusões. Saiba de antemão que não é uma leitura simples e indolor.

“O burnout (…) é a consequência patológica da auto exploração.”
Byung-Chul Han

Das últimas conversas que consegui ter com meu pai sobre questões profissionais, causou-me estranheza perceber que ele não entendia como alguém exerce a profissão sem estar presente das 8 às 18.

Para ele, o conceito foge completamente ao entendimento e agora eu sei o motivo: aprendi que as barras da prisão de outrora apenas ficaram transparentes.

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Crenças, Verdade e Identidade

Quem procura verdades absolutas talvez procure por estabilidade.

Serenidade, tranquilidade, paz.

Ou a segurança de reafirmar o próprio ego, apoiado em crenças irredutíveis.

Tudo do que menos temos.

Não é porque vivemos tempos especialmente difíceis.

Não é porque o mundo está pior do que era.

É porque a mudança é a única coisa que faz parte da vida de qualquer ser vivo.

Aliás, faz parte de qualquer coisa que você já tenha imaginado, esteja imaginando e possa um dia sequer imaginar.

Perceba que pensamento forte.

Tudo muda.

E é exatamente por isso que verdades absolutas não existem.

Se você baseia a sua existência em verdades absolutas, ou arrumará muita confusão ou quebrará a cara (o que, de certa forma, não deixa de ser confusão).

É preciso ir longe para compreender isso, mas é fácil.

Sim, é fácil.

História.

Não importa se você não acredita em parte dela.

Basta entender como as coisas mudam.

Quanto mais para o passado, mais mudanças.

Agora, voltemos ao ego.

O meu, o seu, o nosso, construído sobre as crenças que apoiam as verdades absolutas, para muitos.

É, existe uma relação direta entre essas mesmas verdades e o nosso ego, a nossa própria identidade.

Elas são construídas sobre as mesmas crenças.

E faz todo sentido não querer mexer nelas.

Mexer em crenças profundas pode transformar quem somos.

Pense em como isso pode ser um paraíso ou um inferno, dependendo da pessoa.

Pode ser o caminho para o crescimento, mas pode ser também a destruição da identidade.

Então uma pergunta válida passa a ser: o que o ser humano é capaz de fazer para proteger a própria identidade em destruição?

Quão longe alguém pode ir para defender com unhas e dentes aquelas crenças que servem de alicerce para quem achar ser?

Quantas percepções de autoridade são construídas em cima dessas crenças e, pior, quantos argumentos vencidos pelo poder resultante da atribuição da mesma autoridade?

Quantas pessoas recusam-se a mudar por acreditar que qualquer argumento discordante é um ataque pessoal?

Em uma época de teorias da conspiração e fakenews, só o fato de entender esse fluxo é o suficiente para compreender o próximo e relacionar-se melhor.

Mas a resistência será enorme. Em um mundo de redes sociais que exacerbam o ego, cada vez mais classificamos a nós mesmos e aos outros em caixinhas.

Esse texto continua.

 

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Identidade, Crenças e Equilíbrio Emocional

O assunto abaixo é abordado no livro “O Guia Tardio”, já disponível.


Em junho, fui convidado para uma live sobre comunicação.

O vídeo não ficou salvo, mas fiz outro sobre o mesmo tema que pode ser visto clicando aqui.

Lá, levantei uma questão importantíssima acerca dos requisitos para uma excelente comunicação interpessoal: um paralelo entre identidades, crenças e argumentação, assunto para o qual dediquei um capítulo inteiro do meu livro.

A inteligência emocional (que também mereceu um capítulo específico no livro, assim como o ego) é um tema que anda bem na moda há mais de 20 anos.

Nas últimas semanas, pensei bastante a respeito da íntima relação dela com a comunicação, crenças e à argumentação em si.

Eu proponho uma reflexão sobre o tema que transcende o papo motivacional e da autoajuda.

Em primeiro lugar, é importante falarmos um pouco sobre a pirâmide da discordância de Graham. Não entrarei em detalhes – sugiro que veja primeiro o vídeo sobre o assunto.

Percebam que no topo da pirâmide temos o foco nas ideias. Na base dela, o foco na identidade, no ego coloquial.

Enquanto no topo o foco é o argumento central da comunicação, na base o foco está na desqualificação do comunicador e até a agressão.

Em segundo lugar, trago o desafio de manter-se no topo da pirâmide.

Uma opinião é normalmente resultado de quem somos, do conjunto de crenças que carregamos e potencialmente ligado às identidades que temos. Surge daí o conflito entre indivíduos e a tendência de levar o debate naturalmente para as camadas mais baixas da pirâmide.

Quando ouvimos um argumento contrário, nossos viéses cognitivos carregam a comunicação ao nível do desafio à própria identidade, afinal, a nossa opinião é fundamentada em nossas crenças que são, por sua vez, os tijolos que constróem as nossas identidades.

Quando as crenças estão alinhadas entre indivíduos, as opiniões seguem e as emoções resultantes são naturalmente positivas, como a realização, a felicidade, a autoafirmação e a comunhão.

Mas quando as opiniões são divergentes, surge o conflito, assim como as reações emocionais limitantes e negativas, como a raiva, a tristeza e o medo. Se forem fortes o suficiente, podem ativar o nosso instinto de sobrevivência e provocar a entrada em um estado de luta ou fuga.

Contudo, sem o conflito não há evolução.

Em terceiro, exploremos um pouco o conceito de inteligência emocional: a habilidade de reconhecer as próprias emoções, a capacidade de regular as emoções apropriadamente, a de auxiliar os outros nessa tarefa e a habilidade de usar as emoções adequadamente no dia a dia para resolver problemas, conflitos e até ajudar em questões como o pensamento criativo, motivação e empoderamento.

Para ajudar no entendimento do conceito de inteligência emocional e a relação com os demais temas trazidos até aqui, observe este gráfico:

 

Diante do estímulo da comunicação (verbal ou não-verbal) à esquerda, em até dois segundos, temos as reações mais ligadas ao emocional. Com o passar dos segundos, mais temos o resgate do estímulo para o consciente e a capacidade de interpretá-lo racionalmente.

Essa questão é tão importante que analistas comportamentais de linguagem corporal buscam exatamente por essas reações para julgar se somos congruentes (meta-comunicação e conteúdo compatíveis).

Em quarto, abordemos a questão do ego coloquial, da adaptabilidade e da empatia.

Há um monte de interpretações sobre o que significa “ego” e normalmente o debate surge sem fazer referência a qual definição ele está associado, gerando uma confusão danada.

Portanto, antes de prosseguirmos, vamos combinar qual usaremos:

  1. Etimologicamente, ego vem do latim e significa simplesmente eu;
  2. Já a alusão filosófica aponta de uma forma geral para o eu que somos ou a nossa personalidade. Particularmente credito a esse eu a nossa autoestima que, na minha opinião, é o efeito colateral do autoconhecimento, salvo as psicopatologias.
    Ela também pode representar a separação que existe entre nós, dada a unicidade característica da nossa individualidade. O eu que nos define únicos e que nos separa como consequência;
  3. Sigmund Freud, ao idealizar a teoria do modelo psíquico, instituiu três elementos que ajudam a regular o nosso comportamento. De forma altamente simplista, temos o “id”, que representa nossos impulsos; temos o “ego”, que representa nossa racionalidade e o “superego”, que representa nossa moral;
  4. E ainda existe o conceito de ego que é coloquial, popular, ligado ao culto a si próprio, associado a termos como egolatria e egocentrismo. Este é o conceito que trataremos aqui.

No primeiro e no segundo casos é totalmente compreensível e aceito que o ego exista sob tais conotações. Ele apenas representa quem é, a sua personalidade exclusiva e a sua individualidade, características que fazem de você um ser único (fantástico que assim seja!).

Conhecer a si mesmo permite a construção da própria autoestima que, antes de mais nada, representa o respeito e o amor que temos por nós mesmos e, em segunda instância, a ideia calibrada de nossas capacidades e habilidades, o que gera confiança e crenças possibilitadoras. Quando essa “calibração” não existe, o ego do quarto tipo, indesejado e coloquial, surge.

No terceiro caso não é uma questão de bom ou ruim – trata-se de uma definição, de um conceito usado na psicanálise.

No entanto, no quarto e último significado temos justamente o nosso alvo. Falho em achar algo positivo acerca dele e não consigo imaginar algo possibilitador que possa ser proveniente de se instigar esse ego em específico.

Há quem afirme que um pouco de ego é necessário para que se tenha autoconfiança, motivação, energia e garra para seguir em frente, argumento que só faz sentido se for referente ao primeiro e ao segundo conceitos. Eu particularmente acredito que, ao invés de fomentar o ego, a humildade seja uma espiral positiva mais adequada.

Ser questionado (o que na cabeça do egocêntrico significa que estamos colocando à prova o que ele sabe) passa a ser um desrespeito capital.

A autoestima vira ego quando não nos conhecemos e quando nossa percepção do eu não está calibrada (ou está depositada numa representação externa de ser, como no ter, por exemplo).

Em outras palavras, o egocêntrico dificilmente consegue adaptar-se, muito menos ser empático.

Agora, finalizando os conceitos, permitam-me falar um pouco sobre a psicologia envolvendo a conotação de mindset.

Como o ego distorce a realidade, um dos seus efeitos é provocar no egocêntrico a justificativa de que está apenas sendo “realista” quanto às suas capacidades, deliberações e ganhos.

Pessoas egocêntricas vivem em mundos particulares. O egocêntrico acredita ter o “dom”, a habilidade nata para determinadas tarefas, alguém que verdadeiramente acredita ser o melhor e, fatalmente, há muito tempo longe da posição de aprendiz, eliminando qualquer convívio, mesmo que remoto, com algum traço de humildade.

Ter o aprendizado como meta e, aí sim, um hábito super saudável, questionar o status quo e aceitar a mudança (mesmo que isso inclua atritos, dor e eventualmente sofrimento), são grandes evidências da presença na zona de evolução existencial, comportamento que aponta na direção do mindset de crescimento (Dweck, 2017). Você pode também encontrar referências para esse comportamento como mindset produtivo (Stark, 2004).

Não desejar aprender, manter o status quo, achar que sabe tudo, não aceitar a mudança e usar frases como “eu sou assim mesmo e nunca mudarei” são fortes indicativos de estagnação existencial. Típico comportamento do mindset fixo (Dweck, 2017) ou mindset defensivo (Stark, 2004).

O ponto aqui é a resistência à mudança e a característica natural que a acompanha de não aceitar bem a opinião de alguém. Uma consequência direta de achar que se sabe de tudo é ficar totalmente fechado ao aprender e isso tem uma profunda ligação com o ego.

  • Mindset fixo = zona de estagnação = vítima = ego
    Mentalidade = “eu sei de tudo”. “Sou assim mesmo e não vou mudar”
    Passivo, “o mundo me serve”, “eu basto”
    Se eu chego ao sucesso é porque eu sou bom naturalmente. Tenho o “dom”, nasci assim
    Se eu não chego ao sucesso, é culpa do externo, culpa dos outros ou das circunstâncias (e nunca minha), afinal, eu tenho o “dom”
    Sou incompreendido e injustiçado
  • Mindset de crescimento = zona de evolução = protagonista = humildade
    Mentalidade = “eu não sei, mas posso aprender”. “Mudanças são bem-vindas”
    Ativo, “eu vou atrás do que preciso”, “sou um eterno aprendiz”, “peço ajuda”
    Se eu chego ao sucesso é porque me empenhei, porque fiz acontecer e porque aprendi o que foi necessário
    Se eu não chego ao sucesso, devo analisar o que ocorreu e aprender, colher feedbacks, reagrupar, mudar a estratégia, me esforçar mais, pedir ajuda
    Eu posso

Se você chegou até aqui, brindá-lo-ei com uma conclusão rápida e simples.

Você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com inteligência e equilíbro emocional?

Perceba como há uma relação íntima entre todos eles.

Pessoas egóicas agarram-se as suas crenças e, cosequentemente, as suas opiniões. O desafio de focar em ideias, adaptar-se, aprender e aceitar o conjunto que encerra o próximo (emoções, sentimentos e ações) é praticamente impossível de realizar.

Ou seja, egocêntricos são praticamente incapazes de atuar nos 3 níveis mais altos da pirâmide da discordância de Graham.

Colocando de outra forma, inteligência e equilíbrio emocional estão totalmente ligados à aceitação e entendimento do próximo (empatia) e são incompatíveis com cultos à identidade, pois quaisquer discordâncias estarão associadas irremediavelmente à identidade do egocêntrico.

O egóico percebe invariavelmente a opinião do outro como uma desqualificação de quem é.

Então, é plausível afirmar que, para ter inteligência emocional, é necessário adaptar-se, ater-se as ideias, deixar o ego de lado e permitir novos conceitos ao ponto de colocar as suas próprias crenças em jogo, mesmo que isso direta ou indiretamente vá contra uma das nossas identidades. Se a troca intelectual despertou questionamentos em você, está no caminho certo.

“Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o último instante o teu direito de dizê-la.”
Evelyn Beatrice

 


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O texto acima contém trechos do livro “O Guia Tardio“.