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Texto originalmente publicado em 30 de janeiro de 2018, atualizado em 08/10/2020 e republicado. Para fins de referência, deixo o texto original inalterado.
Antes, uma breve história.
Escrevi originalmente este texto em janeiro de 2018 e ele foi parar no rascunho do livro que publiquei em maio de 2020. Entre janeiro de 2018 e fevereiro de 2020 (fechamento da versão final), sofreu um refinamento necessário e a adição de vários conceitos.
Entretanto, apesar de considerar o texto abaixo super importante na minha jornada criativa, não fez tanto sentido diante do contexto dos demais textos do livro e ele terminou não saindo na versão final e publicada. Então, resolvi republicá-lo como uma versão 2.0, contendo aquilo que foi elaborado até fevereiro de 2020.
Como ele é extenso, resolvi quebrá-lo em duas partes: esta, que trata especificamente da revolução intelectual e outra, que será publicada na próxima semana, falando sobre o ensino.
Vamos lá!
Será que a percepção que tenho da sociedade sofre influência da minha carreira na área de tecnologia?
Certamente e, por causa disso, vamos explorar um assunto que me incomoda bastante. A tecnologia faz parte da vida de todos e muitos não percebem ou pensam “isso não é comigo” ou “não preciso disso” (e esse é o problema).
Assim como meus colegas de profissão, consigo enxergar coisas que as pessoas “de fora” da área não conseguem (o que é natural em qualquer segmento) e faço a seguir um alerta sobre a tendência de caminho que se desenrola à nossa frente. Quem sabe é o establishment, alterando o formato da escravidão para se adequar a uma nova era.
Os conceitos estão sendo reciclados e atualizados, mas o fato é que até hoje se diz que “informação é poder”. Você já deve ter ouvido essa frase em algum momento da vida.
Se analisarmos a revolução industrial[1], do início do século dezoito até a metade do século vinte, veremos uma transição gradativa do “foco revolucionário” (se é que podemos chamar assim), calçado pela evolução científica e questões econômicas, para a revolução da informação[2], algo ainda cotidiano. Enquanto até a década de oitenta o conceito por trás de informação ser poder estava relacionado à captura e armazenamento da informação (ela era poder pela escassez, pois poucos tinham a capacidade de capturar, armazenar e processar quantidades suficientes de dados), hoje ele está mais ligado ao dar sentido à informação não estruturada.
Estamos falando de significado.
Praticamente todos os dispositivos móveis hoje em dia (pensei no seu celular, basicamente) não só são capazes de armazenar e processar grandes quantidades de dados como qualquer um tem acesso a estruturas compartilhadas poderosas (como a própria Internet), que permite pesquisar, de imediato, sobre praticamente tudo que vem sendo gerado pela humanidade nos últimos séculos. E ele armazena uma quantidade impensável de informações sobre cada momento seu.
Talvez informação tenha deixado de ser poder. Talvez esse poder tenha migrado para outro lugar.
Para colocar as coisas em perspectiva, imagine o seguinte cenário: a quantidade de informação produzida nos últimos dois anos é maior do que tudo que já foi produzido pela humanidade em toda a sua história anterior e o ritmo está cada vez mais acelerado.
O foco deixou de ser em “deter” (ou na custódia da informação) para estar no “fazer sentido” dela.
Desde o fim da década de noventa, a informação está virando uma commodity[3]. Estamos evoluindo de um cenário industrial, mecanizado e de força bruta para outro intelectual que requer cooperação e evolução em escala global.
Cada vez mais as questões da humanidade (e as soluções) estão deixando de caber nas mentes individuais e se tornando fruto de cooperações nacionais ou mundiais (empreitadas comparáveis a colocar o homem na lua). Situações assim estão se tornando mais comuns. Esforços que a cada dia se tornam mais distribuídos, permeando países e culturas.
As pessoas estão se dando conta de que um de nossos objetivos aqui na Terra é sermos mais do que o indivíduo. É interagir, evoluir como seres, sociedade, entregar ao universo mais do que as nossas somas individuais e obter felicidade e realização com a jornada.
Quando o ser humano coopera, coisas extraordinárias acontecem.
Antes de se perguntar como o assunto foi da revolução industrial para felicidade, note como o foco no século dezenove e meados do século vinte era econômico e vem migrando para realização e preenchimento das nossas vidas, um excelente sinal de maturidade para a humanidade: estamos saindo do operacional, do braçal, da subsistência e do mecânico para o intelecto. Esses sempre existirão (ou por um bom tempo além das nossas vidas).
No entanto, está ocorrendo um alinhamento entre benefício econômico, produtividade, realização pessoal, profissional e a felicidade. Para as pessoas que nasceram até 1990, esse alinhamento pode parecer estranho, distante e não fazer sentido.
Serei eu um otimista (quando uso argumentos como os anteriores) ou pessimista (quando lembro que o abismo social só aumenta)?
A revolução industrial foi uma grande padronização e mecanização de ações repetitivas (que exigiu intelecto) mas focada na “produtividade” e na transformação do ser humano em um apertador de botões. Com a evolução dos processos, estamos sendo substituídos nessa tarefa.
Entre o núcleo da revolução industrial e o da informação, tivemos outras mudanças que vem servindo como “cola” e evidenciam ocorrências naturais, adaptações necessárias para que a transição ocorra e a humanidade consiga englobar pessoas, processos, métodos, tecnologias, crenças, identidades e sistemas, diferentes e em estágios distintos de evolução e maturidade, além da natural migração do velho para o novo.
Veja por exemplo como, em meados do século vinte, o emprego no varejo (inclua aqui o comércio físico em geral, como shoppings, supermercados, lojas de departamento, fast-food etc.) tornou-se o que era o chão de fábrica no século dezenove ou como o desenvolvimento de software vem se tornando o mesmo chão de fábrica desde 2005. Não importa qual a revolução de amanhã, essa “cola” em forma de transição sempre existirá e permeará os tempos e as culturas. No entanto, a transição não é perfeita e enquanto a sociedade não se adapta, desemprego é gerado.
Retornando à questão da padronização e evolução de processos, a revolução da informação teve o seu momento idêntico, onde o ser humano “apertava botões”. De forma semelhante, o advento da inteligência artificial (IA)[4] começa a mudar o panorama (Heffernan, 2019), assim como a especialização e a automação mudou a indústria. De fato, a IA já faz parte e muda diariamente a vida de todos nós e nem tomamos conhecimento.
Na revolução industrial, houve uma comoditização[5] com a criação de uma camada de abstração que hoje nos permite usar elementos a baixíssimo custo, facilidade, padronização, racionalidade e de forma tão natural que pudemos passar a nos preocupar com coisas novas. Já ultrapassamos essa barreira há muito tempo para com a revolução industrial e estamos à beira de ultrapassá-la no âmbito da revolução da informação. Chame de indústria 4.0, 5.0, período pós-industrial, pós-moderno… ou de algum outro termo. Funciona do mesmo jeito.
O nível de padronização e automação está se tornando tão profundo que a próxima revolução estará ligada a quanto tempo o ser humano consegue dedicar ao seu processo de tomada de decisão, intelectual, inovação e criatividade. Imagine isso: entraremos em uma era onde a nossa capacidade de concentração, dedicação, cooperação e evolução será uma moeda. Na verdade, já estamos entrando nela e não nos demos conta.
“Quando fazemos a mesma coisa repetidas vezes,
você constrói momento, o que é bom para eficiência, mas terrível para a inovação.”
Gus Balbontin
Sabemos que a natureza do trabalho está em franca evolução e mudança. Desde 2000, cada vez mais temos migrado para um trabalho relacionado a resultados e a produtividade e menos relacionado ao tempo dedicado. O tempo, que antes estava nas mãos do empregador e das instituições, está passando gradativamente para as mãos dos indivíduos. Chamemos de mudança do paradigma do tempo. É, através dele, que as pessoas poderão desenvolver-se intelectualmente para abraçar metas cada vez mais audaciosas.
Entretanto, com a mudança do paradigma, vem a responsabilidade de administrar o tempo adequadamente (ou, como acredito ser mais apropriado, gerenciar as prioridades), assim como a grande chance de nos alçarmos ao protagonismo.
Sendo mais direto: tempo é uma moeda com lastro absoluto. O tempo não volta e uma vez investido, ele se transforma e você tem uma perda ou um ganho, determinado por quão bem investiu. Ao contrário do dinheiro ou bens, não há como gerar mais tempo (e o tempo ocioso é a maior perda de todas: ele vai embora sem transformação alguma).
“É o tempo que você dedicou para sua rosa
que faz da sua rosa tão importante”.
Antoine de Saint-Exupéry
É aí onde entra o conceito por trás do que talvez seja o maior furto e o maior processo de enganação já realizados em larga escala em nossa história recente.
Esclarecerei.
Com a reconfiguração do paradigma do tempo em favor do indivíduo, as organizações e governos começaram a perder o acesso a mais de cinquenta por cento do tempo de vida das pessoas. Desconte da sua vida os intervalos do trabalho, alimentação, deslocamento e sono e o que sobra é uma dicotomia temporal entre trabalho e vida pessoal. Deixei o número em cinquenta por cento como margem para ter uma zona que acomode os fins de semana, feriados e os workaholics[6]. Com isso, passa a ser cada vez mais importante onde escolhe investir seu tempo.
“Vou ensinar como gerenciar o tempo eficientemente.
Coloque todas as suas altas prioridades em uma lista e
as baixas em outra. Depois, faça tudo das duas listas até isso te matar,
do contrário, você é um perdedor.”
Dilbert
Essa movimentação, sem dúvida alguma, tem chamado a atenção de governos e organizações. Sinta como as estratégias de marketing têm mudado nos últimos anos e se tornaram tão invasivas que passaram a fazer ainda mais parte do nosso dia a dia e nem percebemos. Eu lembro de uma época onde o debate na Internet era como empresas de tecnologia fariam para monetizar anúncios online, porque já estava ficando feio ninguém saber. Foi uma época antes do Facebook e antes do conceito do Google como motor de marketing, anúncios e notícias – o início deste século, uma época que foi assolada pelo estouro da bolha da Internet.
Desde 2005, vem sendo criado todo um ecossistema de captura da atenção do indivíduo e sua monitoração, que vai do mais básico, como a idealização do veículo em si (dispositivos móveis), passando pela categorização do ser humano e pela criação de mecanismos de apuração de resultados até chegar a novas formas de interromper o uso do tempo no fluxo planejado por mim ou você.
Quantas vezes parou no dia de hoje para olhar para seu celular? Estima-se que ficamos um total de quatro horas por dia olhando apenas para ele. Quantas vezes checou online suas mensagens e notícias? Você tem a mínima ideia do quanto isso prejudicou o que intencionava realizar ou as suas ações? Se considerarmos por um momento que… o que “intencionava realizar” era uma expressão real do seu ser, que terminou abafada por exercícios externos que tentaram a todo custo capturar a sua atenção para exercer a influência desejada, entregando escolhas de fachada que nada mais são do que… apenas as direções que interessam, estabelecendo uma ficção narrada e realizada, por você, de liberdade.
Como se sente agora?
Ocorreu a transformação do indivíduo (e seu perfil de consumo e preferências) em produto, o que faz todo sentido quando enxergamos isso aliado às consequências da exacerbação do ego e do material. Da “coisificação”, como gosto de colocar, algo que veremos em detalhes mais a frente.
Ao usar quaisquer meios eletrônicos ou a internet, serviços supostamente gratuitos e as redes sociais, seu perfil de utilização (tudo que escolhe, diz, clica, comenta, compra, coloca no carrinho, cancela ou até mesmo recomenda) é associado à você, junto com a sua localização, informações demográficas, crédito, capacidades financeiras e até ao seu salário e isso é vendido livremente entre empresas[7] que existem com a exclusiva finalidade de saber quem é, através das suas escolhas feitas desde a tela do celular até o caixa da farmácia.
Trata-se do capitalismo de vigilância[8].
Cultiva-se o ego que, por sua vez, é vendido como produto.
Como conseguem isso?
Estimulando o nosso ego, “coisificando” as pessoas e criando mecanismos para que nós mesmos estimulemos ele mutualmente. Sim, ao transformar pessoas em coisas, tudo pode ser comercializado, inclusive eu ou você.
Por que fazem isso?
Porque conseguem vender muito mais pra você e até controlar o seu comportamento (Hill, 2014) / (McCarthy-Jones, 2017). Talvez isso interesse a um ou dois indivíduos no mundo… quem sabe. E eu sequer entrarei nas implicações diretas sobre privacidade. Com toda uma indústria vendendo múltiplas características intimamente pessoais e privadas de todos nós, achamos que temos… liberdade.
Essa é uma indústria mundial totalmente sem regulamentação ou fiscalização. Dentre as seis maiores empresas de tecnologia do mundo (corporações acima dos cem bilhões de dólares de tamanho e algumas que até já quebraram a barreira do trilhão de dólares), cinco estão relacionadas à essa prática, direta ou indiretamente.
Enquanto reafirmo ser o tempo uma moeda de lastro absoluto, a atenção é o meio pelo qual o establishment retira o tempo do nosso bolso e deposita nas mãos de quem nos manipula. É furto porque a relação que temos com o mundo que nos cerca e tais instituições não é clara e a retirada ocorre sem nosso consentimento ou percepção. É enganação porque os termos e as condições aos quais nos submetemos nos levam a conclusões equivocadas.
Estamos diante de uma nova forma de escravidão. Quanto mais você usa esse maquinário digital, mais sabem sobre você. Mais cedemos quem somos. Mais nos transformamos em coisas e em transações. Mais conseguem colocar opções na nossa frente que atendem aos interesses do establishment e… ao ter a possibilidade de escolher dentre tais opções, reforçamos nossa sensação de liberdade.
Em uma era que se inaugura diante de nós, onde o intelecto, a capacidade de tomar decisões, de inovar e a responsabilidade do indivíduo aumentam, bem como o seu potencial de protagonismo, podemos fazer mais no que diz respeito a questões como crescimento, evolução e desenvolvimento humano.
Estamos diante de um alinhamento substancial entre a era que se inicia e o empoderamento individual, bem como a possibilidade, agora real, do ser humano se desenvolver pessoalmente e profissionalmente com as mesmas iniciativas e, na jornada, ajudar o próximo e ser de fato feliz existencialmente.
Já olhou ao seu redor e se deu conta de quantas pessoas não aguentam mais os seus empregos atuais tradicionais ou, sob outra ótica, como a quantidade de empreendedores tem aumentado vertiginosamente nos últimos anos, mesmo diante de tantas dificuldades?
Pare por um momento e pense: vivemos em um país totalmente hostil ao empreendedorismo e, mesmo assim, temos mais empreendedores. Nunca se viu uma onda tão grande de treinamentos de desenvolvimento humano, pessoal e de autoconhecimento. Nunca houve uma procura tão grande por alinhar, conscientemente, a realização pessoal e profissional com a felicidade e as atividades do dia a dia que cada indivíduo ama realizar. Todos esses são excelentes indicadores de que estamos tentando. Mas a escravidão do establishment está mudando também e acompanhando a evolução dos tempos para continuar fabricando escravos. Temos muito espaço, conhecimento e ferramentas para sair dela, mas estamos falhando em perceber o todo.
O nosso poder através do foco e da atenção é tanto que nossas escolhas determinam o sucesso ou o fracasso de produtos, serviços, empresas, governos, pessoas, políticos e tudo aquilo que compete por eles. Ao que damos atenção, realizamos. Qual o valor que tem dado a sua atenção e tempo? Quem os usa?
Percebe-se frequentemente estar “sem tempo” para ler um livro, ligar para um amigo, brincar com seus filhos, comer direito, se exercitar ou sair com seu par, mas os likes e comentários nas redes sociais estão em dia assim como as séries e filmes?
Ah, entendo, no seu caso é “diferente”… está “sem tempo” por causa do trabalho.
Está na hora de fazermos algo a respeito disso. Está na hora de gerenciarmos melhor nossas escolhas, tornando-as conscientes. Está na hora de criar escolhas; de gerenciar melhor quem tem acesso ao nosso foco, atenção e tempo. Está na hora de nos fazermos mais “presentes” e acordados, quebrar o ciclo e questionar.
Questionar?
[Esse texto é divivido em duas partes. A segunda parte pode ser acessada clicando aqui.]
- [1] A revolução industrial foi a transição do método de produção manual e artesanal para a produção em larga escala utilizando máquinas, insumos de melhor qualidade produzidos pela própria indústria e novas fontes de energia (elétrica, vapor, combustíveis fósseis, dentre outras). Ela foi um divisor de águas por modificar profundamente a sociedade, a educação e as relações de trabalho.
- [2] Com o surgimento e o crescimento dos sistemas computacionais na década de sessenta, aliado a uma fusão generalizada de áreas do conhecimento que provocaram o avanço e o surgimento de inúmeras tecnologias, a matéria prima passou a ser a informação em si e como usá-la adequadamente.
- [3] Mercadoria comum ou amplamente disponível.
- [4] A Inteligência Artificial (IA ou também conhecida como aprendizagem de máquina ou machine learning) é a exibição da característica de inteligência humana exercida por máquinas ou software. O conceito é muito amplo mas, de uma forma geral, significa empregar recursos artificiais (máquinas e software) para executar tarefas outrora apenas realizadas com a participação da inteligência humana.
- [5] Comoditização vem da palavra inglesa “commodity” e significa “qualquer mercadoria”. Em termos práticos, é quando não há diferença entre produtos, sob a ótica do cliente.
- [6] Termo usado para definir pessoas viciadas em trabalho.
- [7] Os data-brokers são empresas especializadas em compilar informações da sua vida digital, do seu perfil de consumo e preferências pessoais, vendendo o resultado como inteligência para outras organizações.
- [8] O termo original em inglês é “surveillance capitalism”.
Recursos Adicionais: