Quase 3 anos atrás, escrevi um post sobre a positividade e a sua importância.
Foi parar no livro que publiquei em maio de 2020.
Cabe revisitar o tema.
(…)
Semana passada fiz uma enquete no Instagram sobre o termo “positividade tóxica” e recebi dezenas de respostas.
A interação foi tão positiva que decidi fazer um vídeo no canal do Youtube sobre a questão.
Aqui, tenho a oportunidade de dissertar sobre o assunto.
Comecemos com uma consideração filosófica sobre o termo em si: será que podemos usá-lo? Será que “positividade tóxica” faz algum sentido, ou seja, se for “tóxico”, como pode ser “positividade” ou é apenas a forma como se percebe o comportamento do outro?
Em segundo lugar, é necessário falar um pouco sobre rapport de comportamento.
Independente da conotação positiva ou negativa de algo, existe uma tendência de nos comportarmos de forma compatível com os grupos aos quais consideramos pertencer.
Fornecerei dois exemplos típicos.
Você vai a um show e, ao final da apresentação, começam a bater palmas.
Perceba que as palmas começam em ondas… Como um contágio e, se alguém se levantar, é bem provável que outras pessoas se levantem também e até você se sinta compelido a levantar e aplaudir de pé.
Outro exemplo: você está no trabalho, em um grupo de colegas.
Alguém começa a reclamar da empresa e, em poucos segundos, várias pessoas entram na roda e iniciam um ciclo de reclamações.
De uma forma geral, os exemplos podem ser considerados opostos: um positivo e um negativo.
Existem vários estudos que apontam para duas coisas: espelhamos o comportamento dos grupos aos quais pertencemos, dos indivíduos aos quais aspiramos e não só o contágio emocional existe, como influencia nosso modo de agir.
Estar cercado de “positividade” ou “negatividade” terá um efeito sob o nosso próprio comportamento.
É fácil então concluir que, se isso de fato acontece, gerar uma espiral de coisas positivas traz a tendência de se “contaminar” e contaminar os outros com pensamentos, emoções e ações possibilitadoras.
Por outro lado, agir assim tem o potencial de nos distanciar da realidade objetiva.
Ao considerarmos o que é “negativo” em favor do que achamos ser “positivo” (ou o contrário), criamos uma bolha cognitiva em torno de nós que eventualmente prejudicará uma análise factual do que se passa.
Ferrou, então?
Pode ser.
O que acha?
Essas questões podem não ter resposta.
Não no senso comum.
Alías, podem até possuir uma média social associada a elas, mas a sua resposta é a ÚNICA que importa.
Você não é uma média até ela ser tirada.
Ops!
Seja bem vindo. Esse é o caminho.
O que é negativo para alguém, podem não ser para outro e não o é para todos. O mesmo argumento pode ser usado com aquilo considerado positivo.
Partindo desse princípio, a potencial toxicidade de uma suposta positividade não só é um campo totalmente subjetivo como resultado de julgamentos.
Em terceiro lugar, voltemos à enquete.
70% das pessoas que responderam atribuíram a positividade tóxica como sendo exercida por um elemento externo – outra pessoa. Ou seja, perceberam a si mesmas como vítimas.
30%, de uma forma direta ou indireta, admitiram fazer parte da equação – associaram o termo à fuga da realidade e a um comportamento prejudicial próprio.
Ambos os casos estão relacionados, apesar de aparentar o contrário.
O momento atual em que vivemos, do início de 2020 para cá (escrevo este texto em agosto de 2020), impôs condições de convívio social e estresse emocional há muito esquecidos.
Estamos diante de um desafio que entrará para a história; uma ameaça real à existência de cada um, um risco invisível que está presente em praticamente todos os lugares, cerceando o ir e o vir, o contato interpessoal, gerando incertezas e questionamentos sérios a respeito da própria sobrevivência, em decorrência de ameaças como o desemprego à morte.
Menciono esse fator porque ele é um perfeito exemplo aplicável à questão do conceito de positividade tóxica.
Aqui, temos a convergência e a relação das respostas da enquete.
Sentir-se com medo, ameaçado, triste, solitário e com sentimentos análogos é natural, faz parte de existir. Não reconhecer esse comportamento em si pode eventualmente gerar um afastamento da realidade. Não reconhecer esse comportamento nos outros pode classificar algumas ações como positividade tóxica.
Além do fato de que o ser humano é um ser de contrastes, somos um caldeirão de emoções.
Portanto, nada mais sadio para a nossa existência do que respeitar o que sentimos, entendendo o que vai dentro da gente e estabelecendo, através desse entendimento, um caminho possibilitador na direção do autoconhecimento.
Entretanto, prepare-se para algum desconforto. Essa jornada levanta questões e põe em dúvida crenças. De fato, se não houver desconforto e questionamentos, não há jornada, muito menos respeito ao que se sente.
Dúvidas são desconfortáveis? Certamente.
Necessárias também, assim como o ato de questionar, algo ativo, consciente, que tem o potencial de trazer mais inquietude e emoções de felicidade, tristeza, raiva e tantas outras reações totalmente naturais.
Talvez você já tenha percebido aonde quero chegar.
Não somos 100% felizes, 100% do tempo, muito menos tristes. Existe muita coisa entre os dois. Portanto, um comportamento 100% do tempo positivo é incongruente com ser humano e pode, sim, ser uma fuga. Talvez daí o termo “positividade tóxica” tenha surgido.
Se por um lado ser positivo permite encarar a vida de forma mais saudável e potencialmente mais feliz, por outro é necessário entender que coisas ruins, negativas e desagradáveis também acontecem, despertando emoções limitantes.
Isso só prova que estamos vivos.
Contudo, é um engano achar que uma coisa exclui a outra.
É um equívoco acreditar que reconhecer os desafios desagradáveis da vida impede alguém de ser positivo, assim como também é um erro crer que ser positivo faz com que se viva no mundo da lua.
Diversos autores abordam esse tema, inclusive contemporaneamente, como Mark Manson (em dois livros que avaliei aqui no blog) e Gabriele Oettingen, apesar de ambos aparentemente não concordarem com a ideia de que não há dicotomia entre ser positivo e fugir da realidade.
Ou seja, não aceite respostas prontas em mídias sociais, em casa ou no trabalho sobre o que é negativo e o que é positivo.
Aliás, se me permite uma sugestão mais abrangente, não aceite respostas prontas sobre nada.
Reserve-se sempre o direito de questionar. Se surgir algum incômodo, entenda a origem dos sentimentos que considera negativos e talvez descubra mais sobre si próprio do que imagina, mantendo um pé na positividade e outro na realidade.
Como disse na descrição do meu canal no Youtube:
Eu não tenho respostas, mas prometo provocar questionamentos apropriados.
Conteúdo Adicional Recomendado
Livros:
- A Sutil Arte de Ligar o Foda-se, Mark Manson
- Fodeu Geral, Mark Manson
- Rethinking Positive Thinking, Gabriele Oettingen
- Mentes Felizes, Teresa Aubele, Stan Wenck e Susan Reynolds
- Depressão: Causas e Tratamento, Aaron Beck e Brad Alford
-
Tribal Leadership, Dave Logan, John King e Halee Fischer-Wright
TEDs:
- Happiness And Its Surprises, Nancy Etcoff
- This Is Your Brain On Communication, Uri Hasson
- Why We Laugh, Sophie Scott
Pesquisas e Publicações:
- Baumeister, Roy F; Finkenauer, Catrin e Vohs, Hathleen D.: Bad Is Stronger Than Good [Artigo] // Review of General Psychology. – 2001. – 4 : Vol. 5. – pp. 323-370;
- Dimberg, Ulf; Thunberg, Monika e Grunedal, Sara: Facial Reactions to Emotional Stimuli: Automatically Controlled Emotional Responses [Artigo] // Cognition and Emotion. – 2002. – 4 : Vol. 16. – pp. 449-471;
- Gross, J.J. & Levenson, R.W. (1997): Hiding feelings: The acute effects of inhibiting negative and positive emotion. Journal of Abnormal Psychology, 107(1), 95-103. doi: 10.1037//0021-843x.106.1.95, PubMed: 9103721;
- Hasson, Uri; Stephens, Greg e Silbert, Lauren: Speaker–listener Neural Coupling Underlies Successful Communication [Online] // Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA (PNAS) / PubMed. – 26 de 07 de 2010. – 22 de 06 de 2018. – http://www.pnas.org/content/107/32/14425. – PubMed: 20660768;
- Kraft, Tara e Pressman, Sarah: Grin and Bear It: The Influence of Manipulated Facial Expression on the Stress Response [Artigo] // Psychological Science. – 24 de 09 de 2012. – 11 : Vol. 23. – pp. 1372-1378;
- Lomas, T.; Waters, L.; Williams, P.; Oades, L.G.; & Kern, M. L. (2020): Third wave positive psychology: Moving towards complexity. The Journal of Positive Psychology. doi: 10.1080/17439760.2020.1805501;
- Rozin, Paul e Royzman, Edward B.: Negativity Bias, Negativity Dominance and Contagion [Artigo] // Personality and Social Psychology Review. – 2001. – 4 : Vol. 5. – pp. 296-320;
- Strack, Fritz; Martin, Leonard e Stepper, Sabine: Inhibiting and Facilitating Conditions of the Human Smile: A Nonobtrusive Test of the Facial Feedback Hypothesis [Artigo] // Journal of Personality and Social Psychology. – 1998. – 5 : Vol. 54. – pp. 768-777;
- Wells, Gary e Petty, Richard: The Effects of Overt Head Movements on Persuasion: Compatibility and Incompatibility of Responses [Artigo] // Basic and Applied Social Psychology. – 1980. – 3 : Vol. 1. – pp. 219-230;
- Wong, P. T. P. (2011). Positive psychology 2.0: Towards a balanced interactive model of the good life. Canadian Psychology/Psychologie canadienne, 52(2), 69-81. doi: 10.1037/a0022511