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A Grande Confusão sobre Liderança

Já vi e ouvi inúmeras definições pra liderança.

Já ouvi que liderança é o resultado que você obtém da equipe.

Já ouvi também que liderar é persuadir e convencer, que líder é aquele que está à frente de um grupo, que tem autoridade ou que liderar é sobre servir.

Diante da leitura de inúmeros livros sobre o tema, a palavra “liderança” parece ter propriedades mitológicas e termina com um significado diferente para cada um de nós, sem mencionar que existe uma diferença gigante entre o conceito presente em livros famosos e a prática diária.

Então.

Há anos os indivíduos são medidos por valores tangíveis, seja na vida pessoal ou profissional.

Nas corporações, temos inúmeros indicadores de desempenho e métricas que são usadas para avaliar se as pessoas estão no caminho certo, se os objetivos serão alcançados dentro do prazo, permitir detectar falhas, corrigi-las e não há nada de errado com isso.

Por outro lado, no âmbito pessoal, com o surgimento das redes sociais, temos cada vez mais a ligação de coisas materiais e quantificáveis à identidade das pessoas. Temos a associação de sucesso àquilo que é possível mostrar para os outros, àquilo que é possível contar.

Isso aparece sob as mais diversas formas, como bens, provas sociais, número de seguidores ou amigos, curtidas, cursos e formações, diplomas, certificados e dinheiro.

E, como tudo aquilo que pode ser quantificado e contado, pode ser também ordenado e classificado. Seria tudo muito simples, se funcionasse.

Surgem então os pódios e as premiações, a busca pelo desempenho através da comparação e o conceito prático de que líderes são os que estão no topo da cadeia alimentar.

Eu quero estressar o argumento do conceito prático, porque apesar de termos literatura de décadas falando o contrário, esse é o comportamento hoje.

As pessoas que são consideradas de maior valor passaram a ser as de maior performance e também… aquelas que são recompensadas.

E aqui, o estado atual da sociedade mescla a questão profissional com a pessoal, associando tudo aquilo que pode ser medido à identidade, levando a um comportamento egóico e centralizador.

E se é assim que medimos e recompensamos o sucesso, cada vez mais se foca na performance à todo custo. As relações sociais e a cooperação saem prejudicadas em favor dos números.

Com critérios bem definidos e medidos de um suposto sucesso, é claro que os indivíduos buscarão a mesma métrica para benefício próprio, procurando aprender cada vez mais o que é conhecido como hard skills, ou habilidades e competências fáceis de identificar, medir e associar ao mesmo sucesso.

Perceba a equação que está em jogo aqui:

  • O sucesso passa a ser algo bem definido;
  • O sucesso pode e deve ser medido;
  • Indivíduos são recompensados e promovidos por esse sucesso;
  • A forma de chegar lá é através das competências que podem ser ensinadas, aprendidas e também medidas.

O efeito colateral disso é que os indivíduos que avançam na vida são aqueles que entenderam como essa equação funciona e tiram o melhor proveito dela.

Então, uma confusão gigantesca se instala.

Há a associação da ideia de que um líder de valor é aquele que tem sucesso… é aquela pessoa que subiu na escada da vida usando esses critérios.

Colocamos em posições de liderança indivíduos que tem ótima performance, mas não consideramos o que realmente importa para um líder.

Pior, cobramos esses líderes usando a mesma equação de sucesso e terminamos com o conceito de que o objetivo de uma liderança é dar resultado, cobrar a equipe e medir desempenho, passando a mensagem de que para crescer e se transformar em um líder deve-se usar os mesmos critérios.

Só que liderança não é um cargo ou uma função.

Liderança não é atribuída… Liderança é conquistada.

E você acha que é só isso?

Instituímos uma cultura de punição e recompensa, a famosa dupla “cenoura e chicote’.

Se no seu trabalho hoje você ganha um bônus ao atingir suas metas, então a sua empresa acredita que essa é uma boa forma de motivá-lo.

Há décadas, achamos que a melhor forma de motivar uma equipe é através da recompensa, do medo ou aversão à perda, mas não existem evidências científicas que suportem isso para atividades complexas.

Pra falar a verdade, existem evidências apontando para o oposto.

Recompensar o desempenho, quando a atividade é simples, repetitiva e não exige muito da cognição, traz resultados positivos.

Mas quando a atividade é um pouquinho complexa e exige uma análise mais profunda, a ideia da cenoura e do chicote simplesmente não dá resultado… Pelo contrário, atrapalha!

E o que isso tem a ver com liderança?

Bem…

Falamos brevemente sobre hard skills… E você já deve ter ouvido falar em soft skills também.

Eu não gosto dos conceitos de hard skills e soft skills porque eles geram uma separação que não existe quando, na verdade, estão conectados… Mas para fins de entendimento, eles servem.

Enquanto as hard skills são mais técnicas, tangíveis, objetivas e podem ser ensinadas, quantificadas e medidas, as soft skills são intangíveis e estão diretamente relacionadas com quem somos como pessoa, como nos relacionamos e agimos.

De um lado, temos coisas como aprender uma língua, fazer um curso superior, usar um computador ou programa, aprender uma linguagem de programação ou tantos outros exemplos que estão relacionados ao potencial exercício de um ofício.

É o aprendizado utilitário bem definido e avaliado.

De outro, temos a confiança, a empatia, a capacidade de se comunicar e até a inteligência emocional.

Hoje, o sucesso é medido através do exercício de hard skills. Somos quantificados e recompensados através delas.

Mas para a liderança, o que mais importa não são as hard skills.

São as soft skills.

E a explicação é simples: eles promovem a conexão entre os seres humanos, literalmente criando uma corrente do bem.

Só que ninguém recompensa por soft skills porque são difíceis de medir.

Lembra da nossa equação do sucesso? É através dela que somos julgados e consequentemente recompensados ou punidos. É esperado que essa mecânica termine como um fator de motivação, mas o que realmente traz motivação é o exercício das soft skills e por isso são tão importantes para a liderança.

Em outras palavras, não só medimos errado, como recompensamos errado.

E o resultado disso é encontrar uma epidemia de líderes egoístas que pensam apenas na autopromoção e uma cultura de crescimento profissional calçada na comparação, onde é mais do que comum pisar na cabeça dos outros para crescer ao invés de ajudar.

Você já percebeu o estado atual das postagens numa rede profissional como o LinkedIn? A grande maioria é pura autopromoção.

É a realidade de que a comunidade serve ao suposto líder… Mas deveria ser o contrário! O líder existe para servir à comunidade.

Não adianta de nada ler O Monge e o Executivo, entender o conceito de líder servidor e a prática ser outra, recompensando quem consegue mais cenouras e foge mais rápido do chicote.

O interessante é que esse conceito tem mais de 50 anos, achamos ele fantástico, mas incentivamos as coisas erradas.

Quando entendemos isso, percebemos que a conquista de objetivos e metas deve ser o efeito colateral do emprego de soft skills, de boas práticas de liderança e ainda ganhamos o bem-estar e saúde mental de bônus.

Agora, perceba a importância de quando eu disse que liderança é conquistada.

Uma pessoa é reconhecida como líder… E não auto intitulada. Ela é eleita.

Consegue perceber o conflito que vivemos hoje?

Liderança passa longe do egocentrismo… Se o papel de um líder é servir, tornar os outros capazes, habilitar e usar soft skills que estão totalmente ligadas à nossa capacidade de nos relacionarmos, justamente por isso um líder é eleito líder… porque as pessoas confiam e sabem que podem contar com ele.

E aqui, entra o conceito mais bonito de todos.

Não há métrica para confiança, empatia e comunicação. Não há métrica para inteligência emocional, honestidade e compaixão. São todos conceitos subjetivos que estão na cabeça e no coração da ponta que recebe.

Então, quando um líder é reconhecido e eleito, as respostas estão nos corações de cada pessoa que se relaciona com ele.

Não há esforço que um grupo ou organização faça para transformar alguém em líder se ele não for reconhecido como tal pelos demais membros do grupo.

Um indivíduo pode ocupar um cargo de chefia, de gestão e hierarquicamente alto. Mas ninguém pode ser colocado como líder forçadamente.

Se você acha que é um líder pelas qualificações mensuráveis que tem, é bem provável que não seja… Pelo menos não por esses critérios.

Novamente, mais uma coisa linda a respeito desse assunto: se um líder é reconhecido e eleito, ele pode ser qualquer pessoa em qualquer posição dentro de um grupo.

Qualquer um pode ser um líder, se esboçar as características adequadas e não existe associação mandatória entre liderança e posição hierárquica.

Mas os grupos, as empresas e organizações querem que você acredite que o seu chefe ou gerente é obrigatoriamente um líder.

Com isso, na realidade, estão apenas comprovando que não entendem absolutamente nada sobre o tema ou gestão de pessoas.

O que me deixa surpreso é que todos nós temos esse potencial, mas não exercemos… E pra ser um líder, ao contrário dos cargos de gestão, não precisa de um diploma, mestrado ou MBA.

Basta começar se importando com quem está ao seu lado.


Conteúdo Adicional

Artigos:

Punição e Recompensa
https://rmcholewa.com/2019/07/08/punicao-e-recompensa/

Das Métricas e Metas às Pessoas
https://rmcholewa.com/2017/09/13/das-metricas-e-metas-as-pessoas/

Vídeos:

Dan Pink e a surpreendente ciência da motivação
https://www.youtube.com/watch?v=rrkrvAUbU9Y

There’s NO Such Thing as “Soft Skills” | Simon Sinek
https://www.youtube.com/watch?v=o9uzJ0LgvT0

The Most Important Trait of a Leader | Simon Sinek
https://www.youtube.com/watch?v=eKQSLgtNcVo

Referências:

Ordonez, Lisa D.; Schweitzer, Maurice E.; Galinsky, Adam D.; Bazerman, Max H.: “Goals Gone Wild: The Systematic Side Effects of Over-Prescribing Goal Setting”. Harvard Business School NOM Unit Working Paper n. 09-083 [Online] // janeiro de 2009. Acesso em 08 de abril de 2021. DOI: 10.2139/ssrn.1332071

Sendjaya, Sen; Sarros, James C.: “Servant Leadership: Its Origin, Development, and Application in Organizations”. Journal of Leadership & Organizational Studies. 9 (2): 57–64. // setembro de 2002. doi:10.1177/107179190200900205

Suvorov, Anton: “Addiction to Rewards” [Online] // junho de 2013. Acesso em 09 de abril de 2021. DOI: 10.2139/ssrn.2308624

Livros:

O Monge e o Executivo, James C. Hunter: https://amzn.to/39XRVqm
Motivação 3.0, Daniel Pink: https://amzn.to/3uFHuQ8
Sociedade do Cansaço Byung-Chul Han https://amzn.to/38xRGSo
O Ego É Seu Inimigo, Ryan Holiday: https://amzn.to/3eb4BcJ
Líderes Se Servem Por Último, Simon Sinek: https://amzn.to/327pTWa

A GRANDE CONFUSÃO SOBRE LIDERANÇA

[O vídeo original está disponível em lider.oguiatardio.com]

O conceito de liderança servidora tem mais de 50 anos e é aceito como um modelo eficaz, amplamente difundido até em best-sellers conhecidíssimos como O Monge e o Executivo, fazendo parte inseparável das pautas de gestão e administração.

Entretanto, medimos e recompensamos comportamentos que vão na direção contrária ao ideal, criando um ecossistema prático tóxico e bem distante da teoria.

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Punição e Recompensa
https://rmcholewa.com/2019/07/08/punicao-e-recompensa/

Das Métricas e Metas às Pessoas
https://rmcholewa.com/2017/09/13/das-metricas-e-metas-as-pessoas/

Vídeos:

Dan Pink e a surpreendente ciência da motivação
https://www.youtube.com/watch?v=rrkrvAUbU9Y

There’s NO Such Thing as “Soft Skills” | Simon Sinek
https://www.youtube.com/watch?v=o9uzJ0LgvT0

The Most Important Trait of a Leader | Simon Sinek
https://www.youtube.com/watch?v=eKQSLgtNcVo

Referências:

Ordonez, Lisa D.; Schweitzer, Maurice E.; Galinsky, Adam D.; Bazerman, Max H.: “Goals Gone Wild: The Systematic Side Effects of Over-Prescribing Goal Setting”. Harvard Business School NOM Unit Working Paper n. 09-083 [Online] // janeiro de 2009. Acesso em 08 de abril de 2021. DOI: 10.2139/ssrn.1332071

Sendjaya, Sen; Sarros, James C.: “Servant Leadership: Its Origin, Development, and Application in Organizations”. Journal of Leadership & Organizational Studies. 9 (2): 57–64. // setembro de 2002. doi:10.1177/107179190200900205

Suvorov, Anton: “Addiction to Rewards” [Online] // junho de 2013. Acesso em 09 de abril de 2021. DOI: 10.2139/ssrn.2308624

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O Monge e o Executivo, James C. Hunter: https://amzn.to/39XRVqm
Motivação 3.0, Daniel Pink: https://amzn.to/3uFHuQ8
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Romulo é um autodidata. Começou a lidar com tecnologia aos 16 anos e, ao longo da carreira, teve a oportunidade de conhecer profundamente cada aspecto da área e, curiosamente, da natureza humana. Diante de uma crise mundial no setor, conheceu o desemprego aos 25 anos.

Durante três anos, frequentou a melhor escola: não é à toa que dizem que a necessidade é a maior de todas elas. Aprendeu muito com a vida a partir daí, até mudar de vida: entendeu que o melhor caminho para a felicidade existencial é a prática da ressignificação, a humildade e que o fracasso é um mecanismo natural do ser humano para evoluir.

Enfrentar a depressão diversas vezes e lutar por saúde mental mostrou que o nosso maior adversário… somos nós mesmos. Vencê-la ensinou, dentre tantas coisas, que a maior realização que o ser humano pode alcançar é ver o próximo crescer. É ver, acima de tudo, o próximo brilhar, superar-se e não há melhor tratamento do que doar-se.

Hoje, como Master Practitioner em programação neurolinguística (PNL), atua na área de tecnologia da informação, vendas e tem como hobby ler, escrever e estudar sobre autoconhecimento, desenvolvimento pessoal e humano, motivação, mindset, coaching, liderança e alta performance.

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As Reais Consequências do Microgerenciamento

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Chega uma época do ano onde a pressão pelo fechamento aumenta e, com ela, o stress. Dependendo do tamanho da empresa, do seu ciclo fiscal, nacionalidade e mercado onde atua, essa pressão pode vir em qualquer mês do calendário. É o momento onde os negócios, que foram apontados como certos, precisam ser fechados para que os objetivos sejam atingidos (e, muito provavelmente, as quotas batidas). Business-as-usual para a maioria das pessoas e, principalmente, para quem trabalha na área comercial.

Se você é advogado, isso pode ocorrer diante de um caso crítico, importante ou de alto impacto. Se você é engenheiro, diante de um projeto desafiante, complexo ou de maior tamanho. Se é C-level, diante de uma época de crise, de concorrência acirrada ou de ameaças internas ou externas. O fato é que, em qualquer contexto profissional, um fenômeno comum e indesejável pode ocorrer justamente quando ele é mais prejudicial.

O Microgerenciamento

Eis que surge, talvez justificado por uma suposta necessidade de maior controle: o quase inevitável microgerenciamento.

Com ele, na tentativa de acelerar números ou a certeza de resultados, a alta gestão começa a apertar o cinto e analisar todos os movimentos de sua equipe, instituindo uma vigilância de atividades. Cada passo é documentado, analisado e questionado. Em pouco tempo, a própria atuação dos profissionais é naturalmente colocada em dúvida e o clima organizacional positivo desmorona. Em alguns casos, gestores chegam a ser vistos como déspotas e a auto confiança dos profissionais cai ao nível mais baixo. De fato, a confiança mútua é destruída.

A falta de autonomia se instala. Os colaboradores ficam totalmente dependentes e isso causa uma elevação gigante do nível de stress gerencial. O risco de burnout dos gestores aumenta assustadoramente e, dependendo da cultura da empresa, testemunham-se situações de assédio moral aqui e ali.

“A liderança não é dominação, mas a arte de persuadir as pessoas a trabalhar em direção a um objetivo comum.”
Daniel Goleman

Já viu isso acontecer em algum lugar?

Começa o ciclo vicioso: ao ter a maioria de suas decisões e ações questionadas, o profissional perde a confiança em suas ideias e posicionamentos e passa a depender totalmente de ordens da gestão, por pura insegurança. A gestão, por sua vez, cobra do profissional proatividade e inovação, posturas destruídas pelo questionamento contínuo e pela falta de confiança.

Isso aniquila as características e qualidades individuais dos colaboradores, momento onde duas coisas acontecem: profissionais com conhecimento, maturidade e grandes ideias se removerão da linha de frente, ficarão passivos e procurarão alternativas no mercado, aumentando o turnover. Os demais viram zumbis. Isso vai totalmente na contra-mão das melhores práticas de liderança, que rezam em focar nas pessoas e em empoderá-las, e não apenas em números (que deveriam ser consequência). Por fim, perde-se, em médio e longo prazo, o controle da equipe e dos resultados e, na maioria das vezes, a alta gestão sequer enxerga que isso aconteceu justamente por causa do microgerenciamento em si.

“Grandes empresas não contratam pessoas capacitadas para motivá-las. Elas contratam pessoas já motivadas e as inspiram.”
Simon Sinek

Todos estes efeitos colaterais são fartamente observados e documentados. São devastadores e tem o potencial de não só destruir resultados de longo prazo como serem permanentes, pois tornam o ambiente irreparavelmente conturbado, no aspecto das relações interpessoais profissionais. Colocando de uma outra forma, o microgerenciamento tem impacto negativo diretamente na cultura da instituição. Ele tem a característica de contaminar outros gestores e, se perpetrado top-down, em pouco tempo a cultura da companhia estará toda moldada em torno dele.

Existe ampla literatura sobre o tema e, francamente, falhei em achar qualquer evidência que justifique a prática com resultados positivos. De fato, existem bons argumentos que apontam que o microgerenciamento tem muito mais a ver com o nível de ansiedade e insegurança da alta gestão e a sua incapacidade de lidar com essas questões do que com resultados práticos. Esse ponto é extremamente importante para que não se confunda microgerenciamento com a pressão natural que se instala em momentos desafiantes. O microgerenciamento é sempre acompanhado por uma pressão exacerbada, mas não necessariamente o contrário.

Gestor: O Que Fazer?

Se você é o gestor que microgerencia, um bom começo é entender que não há resultados positivos de médio e longo prazo. Você pode pontualmente obter novos negócios e fechamentos no curto prazo (ao custo de pessoas), mas a produtividade cairá, ao limitar sua equipe e aumentar as curvas de aprendizado como consequência do alto turnover, que fatalmente ocorrerá, em um período que pode variar de 1 a 5 anos (tempo necessário à decadência da cultura).

“Quando o foco são as metas, obtém-se resultados e o custo é em pessoas e material.

Quando o foco são as pessoas, obtém-se algo extraordinário: paixão pelo que se faz, realização pessoal e profissional, resultado como efeito colateral e o custo é apenas material.”
Romulo M. Cholewa

Isso posto, é necessário entender que a função do líder não é cobrar números e atingimento de metas, mas cuidar de pessoas e estabelecer confiança. O líder dá o norte da corporação. Profissionais capacitados, respeitados, confiantes e satisfeitos lhe darão o resultado esperado. É muito importante entender também que cuidar das pessoas não significa que as metas serão inexistentes; pelo contrário, elas tem função importantíssima. Mas o seu atingimento deve ser consequência de um trabalho realizado por pessoas satisfeitas.

Não existe liderança sem confiança.

Ainda, a papel de coach e mentor do gestor é contínuo, NUNCA acaba e é totalmente compatível com o que é esperado dos líderes: habilitar e capacitar os membros de sua equipe, protegê-los e não apenas suportar a pressão e ganhar mais. Isso é biologicamente enraizado em nossa espécie! Há uma troca esperada entre líderes e liderados. Como diz Simon Sinek em seu fabuloso livro “Why Leaders Eat Last” (e também nessa apresentação), antropologicamente falando, uma das trocas esperadas é que, diante do acesso privilegiado à comida e acasalamento, é natural que o Alfa proteja seus liderados do perigo.

“O papel de um líder não é fazer o trabalho para as pessoas, mas ajudá-los a fazer por conta própria e a ter sucesso além do que consideravam ser possível.”
Simon Sinek

Curiosamente, a justificativa mais comum usada pelos gestores para começar a microgerenciar suas equipes é que seus subordinados “não executam as tarefas como esperado” ou que “os resultados não são satisfatórios”, trazendo nossa atenção mais uma vez para a questão da capacitação e do próprio papel do líder de orientar. Entretanto, é natural que as pessoas falhem e aprendam com seus erros (mais adiante).

Importante mencionar que a microgestão pode ser usada com más intenções, caso onde há uma transferência de responsabilidade para “evidenciar” a suposta “incompetência” de uma equipe, membros ou membro individualmente. Ao colocar o indivíduo ou a equipe sob o microscópio, o gestor deixa o chapéu de líder e veste o de auditor e juiz,  evidenciando quaisquer fracassos como, inclusive, justificativa para a microgestão, o que nos leva ao ponto seguinte.

A empresa que não está preparada para lidar com os erros honestos das pessoas fatalmente virará um campo de concentração e empregará um clima organizacional inquisitivo. Errar e fracassar fazem parte do processo de aprendizado e evolução da espécie. Isso evidencia ainda mais o cunho de mentor e coach do líder. Exigir perfeição é incompatível com a natureza humana! Entretanto, treinar, capacitar e orientar sim, é possível e recomendado.

Eu decidi ser um gestor mais prático | mexa o mouse, pra cima! Pra cima! Mais! Agora clique! CLIQUE! | Nããoo seu idiota!! (Eu sabia que seria um dia longo)

Gerenciado: O Que Fazer?

Ter um microgestor é uma situação desafiadora. Existem algumas estratégias que podem ser bastante úteis.

Partindo do princípio de que a microgestão tem fundamento na ansiedade e insegurança do líder em obter melhores resultados, deixá-lo à par dos seus passos e atingimentos obtidos em etapas intermediárias pode ajudar a reduzir a tensão. A ideia é tentar restabelecer a confiança aos poucos, mostrando que não há fundamento para a microgestão. Isso é possível quando a cultura da empresa ainda não está completamente deteriorada ou quando não há uma cadeia de gestores acima do seu que incorre na mesma prática (o que pode indicar, a essa altura, que a cultura está prejudicada).

Outro ponto importante é evitar o embate ou confronto à todo custo. A não ser que o seu gestor tenha plena consciência dos malefícios provocados pela microgestão e esteja disposto a reavaliar esse posicionamento (algo que pode fugir à sua percepção), apontar a microgestão em si ou rebelar-se fará com que o microgerenciamento apenas aumente.

“As emoções das pessoas raramente são colocadas em palavras, muitas vezes elas são expressas através de outras pistas. A Chave para intuir os sentimentos dos outros é a capacidade de ler canais não-verbais, tom de voz, gesto, expressão facial e similares.”
Daniel Goleman

Antecipar as necessidades da gestão também pode ajudar. Entretanto, é importante ter cuidado: se a microgestão surgiu por causa de um período crítico de fechamento de negócios para a empresa, sua agenda provavelmente estará esgotada, o que não lhe proporcionará muito tempo para pensar fora da caixa ou ser proativo. É necessário bom senso para julgar se vale à pena.

Você pode também ter uma conversa franca com a gestão e pedir para que esclareça-se o motivo por trás da microgestão (sem necessariamente abordar o tema diretamente). É muito comum que uma justificativa seja dada (algo como “estamos aumentando nossa atenção para permitir realizar o projeto X no prazo”). Isso deixa claro (para todos) que a questão não é você como profissional e pode ajudá-lo a entregar algo compatível com o objetivo, tirando o foco do microgerenciamento (e de você) e colocando em ações práticas para obtenção do resultado. Na mesma linha de raciocínio, pedir ajuda e orientação ao seu gestor pode fazer com que ele acorde e volte a usar o chapéu correto de coach / mentor.

Por fim, faça uma análise do seu trabalho e veja se o que você está fazendo realmente está alinhado com as expectativas do seu gestor e da empresa. Você já se perguntou honestamente se está fazendo um bom trabalho ou atendendo às expectativas? Elas são compatíveis com a sua visão de desenvolvimento humano?

Muitas vezes, você pode estar fazendo um excelente trabalho, mas não está apresentando-o do “jeito” que a gestão deseja ou no formato que a empresa reconhece. Isso pode indicar um pouco de imaturidade do profissional como gestor (que só aceita as coisas feitas do “seu próprio jeito”). É bem provável que pequenas mudanças na forma com a qual você comunica seus resultados e atualizações para seu gerente e empresa resolvam a questão.

“O custo da liderança é o interesse próprio.”
Simon Sinek
Why Leaders Eat Last

O microgerenciamento tem que deixar de ser visto como uma prática gerencial válida e passar a ser encarado como assédio moral. As evidências (que são inúmeras), os resultados práticos negativos, bem como as perdas provocadas pelo processo, corroboram esse posicionamento. A questão vem sendo estudada e o tema abordado de forma mais clara nos últimos dez anos e os efeitos de longo prazo na cultura da empresa são, algumas vezes, irreparáveis.

Ações efetivas no intuito de evitá-lo tem um maior efeito estratégico se implantadas em hierarquias superiores. Convido você, Gestor e C-level, a refletir sobre o tema com carinho e trabalhar em suas organizações ações efetivas para evitar que o microgerenciamento afete o que você tem de melhor hoje: seu capital humano.


Quando publiquei o texto sobre assédio moral, não tinha a ideia de que tantas pessoas fossem se identificar com ele e entrar em contato comigo novamente. As minhas suspeitas se confirmaram, bem como as pesquisas: boa parte dos profissionais com mais de 10 anos de carreira já sofreram com ele, calados.

Notadamente, pelo menos cinco profissionais de mercado, em níveis hierárquicos distintos, vieram me relatar sobre eu ter relacionado um fenômeno gerencial específico como assédio moral, confirmando o caráter danoso da prática. Conversas com três deles, que escolheram permanecer anônimos, assim como experiências próprias do passado (ainda bem, distante), foram a minha base e inspiração. Dedico esse texto a vocês, torcendo para que algo dito aqui sirva de alicerce para ajudá-los.