Já vi e ouvi inúmeras definições pra liderança.
Já ouvi que liderança é o resultado que você obtém da equipe.
Já ouvi também que liderar é persuadir e convencer, que líder é aquele que está à frente de um grupo, que tem autoridade ou que liderar é sobre servir.
Diante da leitura de inúmeros livros sobre o tema, a palavra “liderança” parece ter propriedades mitológicas e termina com um significado diferente para cada um de nós, sem mencionar que existe uma diferença gigante entre o conceito presente em livros famosos e a prática diária.
Então.
Há anos os indivíduos são medidos por valores tangíveis, seja na vida pessoal ou profissional.
Nas corporações, temos inúmeros indicadores de desempenho e métricas que são usadas para avaliar se as pessoas estão no caminho certo, se os objetivos serão alcançados dentro do prazo, permitir detectar falhas, corrigi-las e não há nada de errado com isso.
Por outro lado, no âmbito pessoal, com o surgimento das redes sociais, temos cada vez mais a ligação de coisas materiais e quantificáveis à identidade das pessoas. Temos a associação de sucesso àquilo que é possível mostrar para os outros, àquilo que é possível contar.
Isso aparece sob as mais diversas formas, como bens, provas sociais, número de seguidores ou amigos, curtidas, cursos e formações, diplomas, certificados e dinheiro.
E, como tudo aquilo que pode ser quantificado e contado, pode ser também ordenado e classificado. Seria tudo muito simples, se funcionasse.
Surgem então os pódios e as premiações, a busca pelo desempenho através da comparação e o conceito prático de que líderes são os que estão no topo da cadeia alimentar.
Eu quero estressar o argumento do conceito prático, porque apesar de termos literatura de décadas falando o contrário, esse é o comportamento hoje.
As pessoas que são consideradas de maior valor passaram a ser as de maior performance e também… aquelas que são recompensadas.
E aqui, o estado atual da sociedade mescla a questão profissional com a pessoal, associando tudo aquilo que pode ser medido à identidade, levando a um comportamento egóico e centralizador.
E se é assim que medimos e recompensamos o sucesso, cada vez mais se foca na performance à todo custo. As relações sociais e a cooperação saem prejudicadas em favor dos números.
Com critérios bem definidos e medidos de um suposto sucesso, é claro que os indivíduos buscarão a mesma métrica para benefício próprio, procurando aprender cada vez mais o que é conhecido como hard skills, ou habilidades e competências fáceis de identificar, medir e associar ao mesmo sucesso.
Perceba a equação que está em jogo aqui:
- O sucesso passa a ser algo bem definido;
- O sucesso pode e deve ser medido;
- Indivíduos são recompensados e promovidos por esse sucesso;
- A forma de chegar lá é através das competências que podem ser ensinadas, aprendidas e também medidas.
O efeito colateral disso é que os indivíduos que avançam na vida são aqueles que entenderam como essa equação funciona e tiram o melhor proveito dela.
Então, uma confusão gigantesca se instala.
Há a associação da ideia de que um líder de valor é aquele que tem sucesso… é aquela pessoa que subiu na escada da vida usando esses critérios.
Colocamos em posições de liderança indivíduos que tem ótima performance, mas não consideramos o que realmente importa para um líder.
Pior, cobramos esses líderes usando a mesma equação de sucesso e terminamos com o conceito de que o objetivo de uma liderança é dar resultado, cobrar a equipe e medir desempenho, passando a mensagem de que para crescer e se transformar em um líder deve-se usar os mesmos critérios.
Só que liderança não é um cargo ou uma função.
Liderança não é atribuída… Liderança é conquistada.
E você acha que é só isso?
Instituímos uma cultura de punição e recompensa, a famosa dupla “cenoura e chicote’.
Se no seu trabalho hoje você ganha um bônus ao atingir suas metas, então a sua empresa acredita que essa é uma boa forma de motivá-lo.
Há décadas, achamos que a melhor forma de motivar uma equipe é através da recompensa, do medo ou aversão à perda, mas não existem evidências científicas que suportem isso para atividades complexas.
Pra falar a verdade, existem evidências apontando para o oposto.
Recompensar o desempenho, quando a atividade é simples, repetitiva e não exige muito da cognição, traz resultados positivos.
Mas quando a atividade é um pouquinho complexa e exige uma análise mais profunda, a ideia da cenoura e do chicote simplesmente não dá resultado… Pelo contrário, atrapalha!
E o que isso tem a ver com liderança?
Bem…
Falamos brevemente sobre hard skills… E você já deve ter ouvido falar em soft skills também.
Eu não gosto dos conceitos de hard skills e soft skills porque eles geram uma separação que não existe quando, na verdade, estão conectados… Mas para fins de entendimento, eles servem.
Enquanto as hard skills são mais técnicas, tangíveis, objetivas e podem ser ensinadas, quantificadas e medidas, as soft skills são intangíveis e estão diretamente relacionadas com quem somos como pessoa, como nos relacionamos e agimos.
De um lado, temos coisas como aprender uma língua, fazer um curso superior, usar um computador ou programa, aprender uma linguagem de programação ou tantos outros exemplos que estão relacionados ao potencial exercício de um ofício.
É o aprendizado utilitário bem definido e avaliado.
De outro, temos a confiança, a empatia, a capacidade de se comunicar e até a inteligência emocional.
Hoje, o sucesso é medido através do exercício de hard skills. Somos quantificados e recompensados através delas.
Mas para a liderança, o que mais importa não são as hard skills.
São as soft skills.
E a explicação é simples: eles promovem a conexão entre os seres humanos, literalmente criando uma corrente do bem.
Só que ninguém recompensa por soft skills porque são difíceis de medir.
Lembra da nossa equação do sucesso? É através dela que somos julgados e consequentemente recompensados ou punidos. É esperado que essa mecânica termine como um fator de motivação, mas o que realmente traz motivação é o exercício das soft skills e por isso são tão importantes para a liderança.
Em outras palavras, não só medimos errado, como recompensamos errado.
E o resultado disso é encontrar uma epidemia de líderes egoístas que pensam apenas na autopromoção e uma cultura de crescimento profissional calçada na comparação, onde é mais do que comum pisar na cabeça dos outros para crescer ao invés de ajudar.
Você já percebeu o estado atual das postagens numa rede profissional como o LinkedIn? A grande maioria é pura autopromoção.
É a realidade de que a comunidade serve ao suposto líder… Mas deveria ser o contrário! O líder existe para servir à comunidade.
Não adianta de nada ler O Monge e o Executivo, entender o conceito de líder servidor e a prática ser outra, recompensando quem consegue mais cenouras e foge mais rápido do chicote.
O interessante é que esse conceito tem mais de 50 anos, achamos ele fantástico, mas incentivamos as coisas erradas.
Quando entendemos isso, percebemos que a conquista de objetivos e metas deve ser o efeito colateral do emprego de soft skills, de boas práticas de liderança e ainda ganhamos o bem-estar e saúde mental de bônus.
Agora, perceba a importância de quando eu disse que liderança é conquistada.
Uma pessoa é reconhecida como líder… E não auto intitulada. Ela é eleita.
Consegue perceber o conflito que vivemos hoje?
Liderança passa longe do egocentrismo… Se o papel de um líder é servir, tornar os outros capazes, habilitar e usar soft skills que estão totalmente ligadas à nossa capacidade de nos relacionarmos, justamente por isso um líder é eleito líder… porque as pessoas confiam e sabem que podem contar com ele.
E aqui, entra o conceito mais bonito de todos.
Não há métrica para confiança, empatia e comunicação. Não há métrica para inteligência emocional, honestidade e compaixão. São todos conceitos subjetivos que estão na cabeça e no coração da ponta que recebe.
Não há esforço que um grupo ou organização faça para transformar alguém em líder se ele não for reconhecido como tal pelos demais membros do grupo.
Um indivíduo pode ocupar um cargo de chefia, de gestão e hierarquicamente alto. Mas ninguém pode ser colocado como líder forçadamente.
Se você acha que é um líder pelas qualificações mensuráveis que tem, é bem provável que não seja… Pelo menos não por esses critérios.
Novamente, mais uma coisa linda a respeito desse assunto: se um líder é reconhecido e eleito, ele pode ser qualquer pessoa em qualquer posição dentro de um grupo.
Qualquer um pode ser um líder, se esboçar as características adequadas e não existe associação mandatória entre liderança e posição hierárquica.
Mas os grupos, as empresas e organizações querem que você acredite que o seu chefe ou gerente é obrigatoriamente um líder.
Com isso, na realidade, estão apenas comprovando que não entendem absolutamente nada sobre o tema ou gestão de pessoas.
O que me deixa surpreso é que todos nós temos esse potencial, mas não exercemos… E pra ser um líder, ao contrário dos cargos de gestão, não precisa de um diploma, mestrado ou MBA.
Basta começar se importando com quem está ao seu lado.
Conteúdo Adicional
Artigos:
Punição e Recompensa
https://rmcholewa.com/2019/07/08/punicao-e-recompensa/
Das Métricas e Metas às Pessoas
https://rmcholewa.com/2017/09/13/das-metricas-e-metas-as-pessoas/
Vídeos:
Dan Pink e a surpreendente ciência da motivação
https://www.youtube.com/watch?v=rrkrvAUbU9Y
There’s NO Such Thing as “Soft Skills” | Simon Sinek
https://www.youtube.com/watch?v=o9uzJ0LgvT0
The Most Important Trait of a Leader | Simon Sinek
https://www.youtube.com/watch?v=eKQSLgtNcVo
Referências:
Ordonez, Lisa D.; Schweitzer, Maurice E.; Galinsky, Adam D.; Bazerman, Max H.: “Goals Gone Wild: The Systematic Side Effects of Over-Prescribing Goal Setting”. Harvard Business School NOM Unit Working Paper n. 09-083 [Online] // janeiro de 2009. Acesso em 08 de abril de 2021. DOI: 10.2139/ssrn.1332071
Sendjaya, Sen; Sarros, James C.: “Servant Leadership: Its Origin, Development, and Application in Organizations”. Journal of Leadership & Organizational Studies. 9 (2): 57–64. // setembro de 2002. doi:10.1177/107179190200900205
Suvorov, Anton: “Addiction to Rewards” [Online] // junho de 2013. Acesso em 09 de abril de 2021. DOI: 10.2139/ssrn.2308624
Livros:
O Monge e o Executivo, James C. Hunter: https://amzn.to/39XRVqm
Motivação 3.0, Daniel Pink: https://amzn.to/3uFHuQ8
Sociedade do Cansaço Byung-Chul Han https://amzn.to/38xRGSo
O Ego É Seu Inimigo, Ryan Holiday: https://amzn.to/3eb4BcJ
Líderes Se Servem Por Último, Simon Sinek: https://amzn.to/327pTWa