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Transparência

Não existe transparência absoluta.

O universo não é binário.

Se você acha que é, reveja seus conceitos, talvez a sua existência.

Aí você se pergunta: qual a relação entre transparência e um mundo binário?

Sim, este será um texto potencialmente agressivo.

Pronto?

Vamos lá.

Começando por certo e errado.

Existem?

Salvas algumas concepções legais, morais, éticas e talvez patológicas, certo e errado são conceitos egocêntricos, muitas vezes um exercício de identidade.

Ou temos o conceito do que é uma coisa ou outra a partir das nossas próprias experiências ou de uma média social tirada a partir da existência individual exercida nos grupos aos quais pertencemos (política surge daqui).

E temos orgulho de pertencer, o que volta a questão ao exercício egocêntrico.

Aqui, entramos no conceito de poder.

O certo ou o errado assumem a média influenciada pelo conjunto de indivíduos que meramente concordam entre si e exercem maior poder sobre o restante e termina virando a média.

Com verdade ou mentira pode acontecer a mesma coisa.

Consegue pensar em alguns outros exemplos?

Certamente conseguimos… mas agora abordaremos o conceito por outro ângulo.

A gente fala de transparência praticamente todos os dias como uma virtude a ser perseguida.

E pode ser.

Mas pode também não ser.

Primeiro, entendamos que transparência absoluta por definição não acomoda conteúdo, método, intenção, ou qualquer outro artifício que, minimamente seja capaz de interagir com a percepção do que há por trás dela.

Mas ignoramos isso e usamos ao nosso favor.

Imagine, como se fosse possível, algo tão totalmente transparente que permite ver a tudo através, sem nenhuma interação com o meio. Total percepção do que está por trás, sem nenhuma interação, mudança ou consideração.

Diga-me então, como ser humano e consciente, um único exemplo onde isso acontece.

Não há.

A definição de ser humano não deixa.

A percepção de transparência cognoscitiva nada mais é do que, no máximo, uma metáfora argumentativa.

Uma figura de estilo, um vazio de evidências repleto de valores inatingíveis, o máximo que se consegue, dentro do paradigma existencial daquele ser.

E, para parafrasear no sentido de apoiar essa percepção, remeto-me ao início da argumentação.

Nada é binário.

Entre qualquer extremo idealizado pela nossa capacidade imaginativa e para o abstrato, existe um sem número de conceitos exercidos infinitamente.

Não há transparência em nada que não tem a capacidade de ser absoluto e, nada é absoluto.

Ainda, mapa não é território. Para saber mais, clique aqui.

Não existem nuances em algo transparente.

Não há espaço para percepções e individualidades na transparência compartilhada.

Não há espaço para “nós” como grupo em um conceito pristino de transparência porque a identidade individual desaparece. O “nós” surge como identidade irremediável, obliterando a individualidade e a percepção de grupo vira uma amálgama existencial onde não há fronteiras entre ser como “único” e ser como “transparente”.

Um fenômeno como esse atualmente acontece com as redes sociais. O algoritmo pasteuriza existências.

Ou não há exercício de uma suposta transparência possível e o conceito que nos cabe é puro eufemismo… ou não aceitamos que a forma com a qual sentimos o mundo não permite uma transparência compartilhada… no primeiro caso uma falácia e no segundo, suicídio.

Não se trata de um exercício individual, mas de uma característica situacional ou de estado compartilhado inalcançável.

Então, se qualquer ser humano consegue entender o conceito de transparência e não consegue exercê-lo compartilhadamente, pela ausência de uma simples característica de capacidade existencial, reafirmo: transparência nada mais é do que uma propriedade idealizada e uma figura de estilo.

Então, sugiro pararmos de sermos hipócritas e partamos do princípio da sua inexistência.

Partamos do princípio de que, como seres imperfeitos e dados a nuances e vieses, transparência pode ser inalcançável, mas o entendimento do outro pode levar a mais descobertas do que a vã tentativa de concretizar algo inexistente.

Nosso exercício de entendimento mútuo, incluindo mapas, territórios, emoções, experiências, nuances e vieses, leva a resultados muitos mais acolhedores do que tentar flexionar um músculo que não existe.

Posso ter viajado muito no texto acima, mas ofereci uma saída rápida para a questão.

Leia esse texto aqui.

Leu?

Então.

Afirmamos para tudo e todos, inclusive para nós mesmos, que as lentes são a transparência que desejamos e possuímos, mas estamos falando de lentes e… desejos.

Elas não são e nunca serão totalmente transparentes. Elas modificam o mundo percebido à todo o momento e é exatamente por isso que percebemos que elas existem.

Se percebemos, o conceito de transparência rui.

Sugiro menos transparência e mais exercício existencial.

Eu prefiro entender uma janela repleta de orvalho. Há toda uma beleza aqui.

Ela me representa, ao invés de um mundo onde não haja considerações morais e éticas.

Cada gota pode ser uma inspiração, cada distorção, um universo.


Leitura adicional:

Observação:

Escrevo há anos sobre diversos temas e tomo o cuidado de conectar palavras-chave em cada texto meu com textos anteriores que contextualizam aquela percepção específica. Convido-o a clicar em cada link, ler os textos adicionais e perceber este blog como uma argumentação contínua, uma evolução de pensamento.

Se encontrar alguma contradição, ela é bem-vinda. Significa que houve mudança.


Imagem em destaque por Aleksandr Slobodianyk
https://www.pexels.com/pt-br/@aleksandr-slobodianyk-367235/
https://www.pexels.com/pt-br/foto/janela-de-vidro-transparente-com-efeito-umido-989941/

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Enfim, a Hipocrisia

Ah, a hipocrisia.

É natural que idealizemos uma existência e não sejamos ela.

É natural que tenhamos um ideal de ser e estar e projetemos isso no externo, mas na realidade, sejamos pouco ou muito diferentes dessa concepção.

Esse é um movimento que sempre existiu e não foi criado junto com as redes sociais. Elas apenas evidenciaram a diferença entre quem somos e quem desejamos ser. Aliás, as redes sociais estimulam essa diferença.

Darei alguns exemplos.

Vejamos o indivíduo que vai todas as semanas ao culto e trata mal as pessoas na rua ou, ainda, a que reza por uma religião contrária ao uso de drogas ou álcool (entendo que a maioria esmagadora) e faz uso delas na balada.

Tem aqueles que acreditam na evolução do ser através do altruísmo ensinado por suas respectivas religiões ou crenças que são claras quanto ao apego material e… vivem suas vidas em função da conquista do material (ou divulgam a cocriação da abundância sentados em… abundância).

Não esqueçamos das “figuras públicas” que, nas redes sociais, dão dicas sobre organização, superação, planejamento, alcançar a sua melhor versão e têm suas vidas literalmente de cabeça para baixo, mal conseguindo aparecer para um compromisso com menos de 15 minutos de atraso.

E o sujeito que prega retidão, valores da família em todos os lugares, idoneidade, honestidade e fidelidade, mas não perde por esperar a próxima baladinha ou convenção da empresa, onde cai no puteiro com os colegas e clientes.

Não esqueçamos a verdadeira onda de positividade tóxica muito comum nas redes sociais. #Goodvibes, seja positivo, cerque-se de pessoas positivas e tá tudo bem.

Só tem um detalhe: ninguém na face da terra é feliz ou positivo o tempo todo. Ninguém é um ideal, seja ele qual for, sempre.

Se pretende cercar-se de pessoas #goodvibes e positivas o tempo todo, é provável que atraia pessoas como você: que atuam uma felicidade e um bem-estar idealizado e irreal através de um personagem.

O problema está na mentalidade por trás do “mais” ou “menos”. A questão é adjetivar pessoas como prática comum.

Pessoas mais sábias, mais fortes, mais criativas, mais engenhosas, mais competentes… ou bobas, sem criatividade, sem estrutura… Isso é comparação, repleta de julgamento.

Nenhum desses adjetivos existe sem um referencial, que acaba sendo a própria régua.

Pessoas são DIFERENTES, não mais, não menos.

E é a interação dessa diversidade que tem o potencial de, como grupo, sociedade, permitir que façamos coisas extraordinárias.

Os ideais e expectativas impossíveis junto com a comparação são umas das maiores fontes de questões de saúde mental.

Perceba como o ato de cercar-se de pessoas que supostamente nos levam a uma melhor versão tem uma decisão e um julgamento anterior: as mesmas pessoas que consideram-se positivas pregam o não-julgamento, mas foi exatamente o que fizeram ao considerar alguém “bom” ou “certo”, sempre usando a própria régua de bondade e virtude que, sem surpresas, assemelha-se a percepção de si.

Ao escolher apenas quem achamos que são “bons” (ou qualquer outra característica), somos levados a confirmar nossa identidade projetada. Nega-se a chance de contemplar a diversidade e encontrar o novo, talvez a centelha para o início de um processo de crescimento, procurado em primeiro lugar.

Pensar dessa forma absolutamente e a todo o tempo é negar a complexidade humana, o passeio entre nuances.

Não que eu esteja advogando sobre aproximar-se daquilo que faz mal, pelo contrário. Mas todo mundo no planeta já foi percebido como tóxico para alguém.

Entre possíveis extremos de suposta bondade e maldade, certo e errado, repousa a existência humana. Apesar deles existirem, não somos seres apenas de extremos: somos únicos e complexos, com uma mistura de elementos que desaguam na unicidade (o conceito de “extremo” aqui nada mais é de que os limites de algo medido subjetivamente).

Achar que somos extremos é apenas olhar para as pontas, para as extremidades do comportamento humano.

Todos nós temos questões, imperfeições e aquilo que pode ser percebido como limite ou indesejado. O segredo está na cooperação, na aceitação e na ajuda mútua.

Não trago essas questões para exercer o moralismo, defender ou atacar nenhuma religião, crença ou convicção de nenhum tipo, até porque essa suposta dualidade precede a todas e é da natureza humana (para fins de exemplo, isso é irrelevante). A questão não é a crença em si, mas usá-las como artifício de comparação.

Minha intenção é evidenciar o conflito interno que estimulamos, criado por nós mesmos.

Os indivíduos se comportam colocando forças opostas umas contra as outras e não se dão conta de que esse tremendo choque ocorrerá dentro de si.

Enfim, a hipocrisia… em seu máximo esplendor.

Mas calma.

Se olhar bem, todo ser humano é hipócrita em alguma extensão.

Exato. Todos nós somos hipócritas. E tá tudo bem (pelo menos até aqui).

Sempre existirá uma diferença entre o eu (que, por sinal, é transitório) e a identidade externa, o desejo, a idealização e a aspiração.

A questão não é a diferença existir. A questão é se a distância está aumentando ou não, se a identidade externa é uma atuação construída com uma finalidade específica que nada tem a ver com quem se é.

Pense em um elástico.

Numa ponta, temos o eu, a nossa mais precisa (tanto quanto possível) definição de quem somos.

Na outra ponta, temos uma identidade externa.

Quanto maior a distância entre os dois, quanto mais esticado o elástico estiver, maior a tensão.

Quanto maior a tensão, maior a falta de realização e a distância do bem-estar.

Agora, imagine que nem sempre sabemos quem somos.

Podemos estar inadvertidamente esticando o elástico.

Entende agora porque autoconhecimento é importante?

O problema não é a existência da hipocrisia, é o que estamos fazendo para diminuí-la.

É o que estamos fazendo para diminuir a tensão do elástico.

Como está o seu?