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Enfim, a Hipocrisia

Ah, a hipocrisia.

É natural que idealizemos uma existência e não sejamos ela.

É natural que tenhamos um ideal de ser e estar e projetemos isso no externo, mas na realidade, sejamos pouco ou muito diferentes dessa concepção.

Esse é um movimento que sempre existiu e não foi criado junto com as redes sociais. Elas apenas evidenciaram a diferença entre quem somos e quem desejamos ser. Aliás, as redes sociais estimulam essa diferença.

Darei alguns exemplos.

Vejamos o indivíduo que vai todas as semanas ao culto e trata mal as pessoas na rua ou, ainda, a que reza por uma religião contrária ao uso de drogas ou álcool (entendo que a maioria esmagadora) e faz uso delas na balada.

Tem aqueles que acreditam na evolução do ser através do altruísmo ensinado por suas respectivas religiões ou crenças que são claras quanto ao apego material e… vivem suas vidas em função da conquista do material (ou divulgam a cocriação da abundância sentados em… abundância).

Não esqueçamos das “figuras públicas” que, nas redes sociais, dão dicas sobre organização, superação, planejamento, alcançar a sua melhor versão e têm suas vidas literalmente de cabeça para baixo, mal conseguindo aparecer para um compromisso com menos de 15 minutos de atraso.

E o sujeito que prega retidão, valores da família em todos os lugares, idoneidade, honestidade e fidelidade, mas não perde por esperar a próxima baladinha ou convenção da empresa, onde cai no puteiro com os colegas e clientes.

Não esqueçamos a verdadeira onda de positividade tóxica muito comum nas redes sociais. #Goodvibes, seja positivo, cerque-se de pessoas positivas e tá tudo bem.

Só tem um detalhe: ninguém na face da terra é feliz ou positivo o tempo todo. Ninguém é um ideal, seja ele qual for, sempre.

Se pretende cercar-se de pessoas #goodvibes e positivas o tempo todo, é provável que atraia pessoas como você: que atuam uma felicidade e um bem-estar idealizado e irreal através de um personagem.

O problema está na mentalidade por trás do “mais” ou “menos”. A questão é adjetivar pessoas como prática comum.

Pessoas mais sábias, mais fortes, mais criativas, mais engenhosas, mais competentes… ou bobas, sem criatividade, sem estrutura… Isso é comparação, repleta de julgamento.

Nenhum desses adjetivos existe sem um referencial, que acaba sendo a própria régua.

Pessoas são DIFERENTES, não mais, não menos.

E é a interação dessa diversidade que tem o potencial de, como grupo, sociedade, permitir que façamos coisas extraordinárias.

Os ideais e expectativas impossíveis junto com a comparação são umas das maiores fontes de questões de saúde mental.

Perceba como o ato de cercar-se de pessoas que supostamente nos levam a uma melhor versão tem uma decisão e um julgamento anterior: as mesmas pessoas que consideram-se positivas pregam o não-julgamento, mas foi exatamente o que fizeram ao considerar alguém “bom” ou “certo”, sempre usando a própria régua de bondade e virtude que, sem surpresas, assemelha-se a percepção de si.

Ao escolher apenas quem achamos que são “bons” (ou qualquer outra característica), somos levados a confirmar nossa identidade projetada. Nega-se a chance de contemplar a diversidade e encontrar o novo, talvez a centelha para o início de um processo de crescimento, procurado em primeiro lugar.

Pensar dessa forma absolutamente e a todo o tempo é negar a complexidade humana, o passeio entre nuances.

Não que eu esteja advogando sobre aproximar-se daquilo que faz mal, pelo contrário. Mas todo mundo no planeta já foi percebido como tóxico para alguém.

Entre possíveis extremos de suposta bondade e maldade, certo e errado, repousa a existência humana. Apesar deles existirem, não somos seres apenas de extremos: somos únicos e complexos, com uma mistura de elementos que desaguam na unicidade (o conceito de “extremo” aqui nada mais é de que os limites de algo medido subjetivamente).

Achar que somos extremos é apenas olhar para as pontas, para as extremidades do comportamento humano.

Todos nós temos questões, imperfeições e aquilo que pode ser percebido como limite ou indesejado. O segredo está na cooperação, na aceitação e na ajuda mútua.

Não trago essas questões para exercer o moralismo, defender ou atacar nenhuma religião, crença ou convicção de nenhum tipo, até porque essa suposta dualidade precede a todas e é da natureza humana (para fins de exemplo, isso é irrelevante). A questão não é a crença em si, mas usá-las como artifício de comparação.

Minha intenção é evidenciar o conflito interno que estimulamos, criado por nós mesmos.

Os indivíduos se comportam colocando forças opostas umas contra as outras e não se dão conta de que esse tremendo choque ocorrerá dentro de si.

Enfim, a hipocrisia… em seu máximo esplendor.

Mas calma.

Se olhar bem, todo ser humano é hipócrita em alguma extensão.

Exato. Todos nós somos hipócritas. E tá tudo bem (pelo menos até aqui).

Sempre existirá uma diferença entre o eu (que, por sinal, é transitório) e a identidade externa, o desejo, a idealização e a aspiração.

A questão não é a diferença existir. A questão é se a distância está aumentando ou não, se a identidade externa é uma atuação construída com uma finalidade específica que nada tem a ver com quem se é.

Pense em um elástico.

Numa ponta, temos o eu, a nossa mais precisa (tanto quanto possível) definição de quem somos.

Na outra ponta, temos uma identidade externa.

Quanto maior a distância entre os dois, quanto mais esticado o elástico estiver, maior a tensão.

Quanto maior a tensão, maior a falta de realização e a distância do bem-estar.

Agora, imagine que nem sempre sabemos quem somos.

Podemos estar inadvertidamente esticando o elástico.

Entende agora porque autoconhecimento é importante?

O problema não é a existência da hipocrisia, é o que estamos fazendo para diminuí-la.

É o que estamos fazendo para diminuir a tensão do elástico.

Como está o seu?

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Liderança, Empatia e Positividade Tóxica

Liderança não se trata de números, cotas, objetivos e gestão per se.

Liderança é sobre pessoas, permitindo-lhes atingir seu total potencial e, como efeito colateral, obter os resultados desejados.

Mas ser sobre pessoas envolve emoções e empatia.

Não simpatia, empatia.

Trabalhar pela simpatia apenas rejeita nossas emoções e sua compreensão. Quando isso acontece, a positividade tóxica prospera.

Ser líder significa entender as emoções das pessoas e também entender os altos e baixos emocionais.

Um líder consciente da inteligência emocional sabe que essas emoções fazem parte do dia, incluindo nossa vida pessoal e profissional.

Na verdade, quando a empatia e a consciência emocional aumentam e abrem espaço para a transparência, as pessoas deixarão de ter a necessidade de criar personas profissionais. Elas se sentirão à vontade para serem elas mesmas e a segregação da vida pessoal / profissional desaparece.

Agora deixo para você uma pergunta:

É isso que realmente queremos como líderes?

Trocar o potencial de um ambiente tóxico cheio de personas por um ecossistema são, onde os resultados são alcançados por meio de uma visão e propósito comuns, em vez dos requisitos de cotas trimestrais apenas?

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Positividade Tóxica?

Quase 3 anos atrás, escrevi um post sobre a positividade e a sua importância.

Foi parar no livro que publiquei em maio de 2020.

Cabe revisitar o tema.

(…)

Semana passada fiz uma enquete no Instagram sobre o termo “positividade tóxica” e recebi dezenas de respostas.

A interação foi tão positiva que decidi fazer um vídeo no canal do Youtube sobre a questão.

Aqui, tenho a oportunidade de dissertar sobre o assunto.

Comecemos com uma consideração filosófica sobre o termo em si: será que podemos usá-lo? Será que “positividade tóxica” faz algum sentido, ou seja, se for “tóxico”, como pode ser “positividade” ou é apenas a forma como se percebe o comportamento do outro?

Em segundo lugar, é necessário falar um pouco sobre rapport de comportamento.

Independente da conotação positiva ou negativa de algo, existe uma tendência de nos comportarmos de forma compatível com os grupos aos quais consideramos pertencer.

Fornecerei dois exemplos típicos.

Você vai a um show e, ao final da apresentação, começam a bater palmas.

Perceba que as palmas começam em ondas… Como um contágio e, se alguém se levantar, é bem provável que outras pessoas se levantem também e até você se sinta compelido a levantar e aplaudir de pé.

Outro exemplo: você está no trabalho, em um grupo de colegas.

Alguém começa a reclamar da empresa e, em poucos segundos, várias pessoas entram na roda e iniciam um ciclo de reclamações.

De uma forma geral, os exemplos podem ser considerados opostos: um positivo e um negativo.

Existem vários estudos que apontam para duas coisas: espelhamos o comportamento dos grupos aos quais pertencemos, dos indivíduos aos quais aspiramos e não só o contágio emocional existe, como influencia nosso modo de agir.

Estar cercado de “positividade” ou “negatividade” terá um efeito sob o nosso próprio comportamento.

É fácil então concluir que, se isso de fato acontece, gerar uma espiral de coisas positivas traz a tendência de se “contaminar” e contaminar os outros com pensamentos, emoções e ações possibilitadoras.

Por outro lado, agir assim tem o potencial de nos distanciar da realidade objetiva.

Ao considerarmos o que é “negativo” em favor do que achamos ser “positivo” (ou o contrário), criamos uma bolha cognitiva em torno de nós que eventualmente prejudicará uma análise factual do que se passa.

Ferrou, então?

Pode ser.

O que acha?

Essas questões podem não ter resposta.

Não no senso comum.

Senso comum são “médias”.

Alías, podem até possuir uma média social associada a elas, mas a sua resposta é a ÚNICA que importa.

Você não é uma média até ela ser tirada.

Ops!

Seja bem vindo. Esse é o caminho.

Crie o seu,

O que é negativo para alguém, podem não ser para outro e não o é para todos. O mesmo argumento pode ser usado com aquilo considerado positivo.

Partindo desse princípio, a potencial toxicidade de uma suposta positividade não só é um campo totalmente subjetivo como resultado de julgamentos.

Em terceiro lugar, voltemos à enquete.

70% das pessoas que responderam atribuíram a positividade tóxica como sendo exercida por um elemento externo – outra pessoa. Ou seja, perceberam a si mesmas como vítimas.

30%, de uma forma direta ou indireta, admitiram fazer parte da equação – associaram o termo à fuga da realidade e a um comportamento prejudicial próprio.

Ambos os casos estão relacionados, apesar de aparentar o contrário.

O momento atual em que vivemos, do início de 2020 para cá (escrevo este texto em agosto de 2020), impôs condições de convívio social e estresse emocional há muito esquecidos.

Estamos diante de um desafio que entrará para a história; uma ameaça real à existência de cada um, um risco invisível que está presente em praticamente todos os lugares, cerceando o ir e o vir, o contato interpessoal, gerando incertezas e questionamentos sérios a respeito da própria sobrevivência, em decorrência de ameaças como o desemprego à morte.

Menciono esse fator porque ele é um perfeito exemplo aplicável à questão do conceito de positividade tóxica.

Aqui, temos a convergência e a relação das respostas da enquete.

Sentir-se com medo, ameaçado, triste, solitário e com sentimentos análogos é natural, faz parte de existir. Não reconhecer esse comportamento em si pode eventualmente gerar um afastamento da realidade. Não reconhecer esse comportamento nos outros pode classificar algumas ações como positividade tóxica.

Além do fato de que o ser humano é um ser de contrastes, somos um caldeirão de emoções.

Portanto, nada mais sadio para a nossa existência do que respeitar o que sentimos, entendendo o que vai dentro da gente e estabelecendo, através desse entendimento, um caminho possibilitador na direção do autoconhecimento.

Entretanto, prepare-se para algum desconforto. Essa jornada levanta questões e põe em dúvida crenças. De fato, se não houver desconforto e questionamentos, não há jornada, muito menos respeito ao que se sente.

Dúvidas são desconfortáveis? Certamente.

Necessárias também, assim como o ato de questionar, algo ativo, consciente, que tem o potencial de trazer mais inquietude e emoções de felicidade, tristeza, raiva e tantas outras reações totalmente naturais.

Talvez você já tenha percebido aonde quero chegar.

Não somos 100% felizes, 100% do tempo, muito menos tristes. Existe muita coisa entre os dois. Portanto, um comportamento 100% do tempo positivo é incongruente com ser humano e pode, sim, ser uma fuga. Talvez daí o termo “positividade tóxica” tenha surgido.

Se por um lado ser positivo permite encarar a vida de forma mais saudável e potencialmente mais feliz, por outro é necessário entender que coisas ruins, negativas e desagradáveis também acontecem, despertando emoções limitantes.

Isso só prova que estamos vivos.

Contudo, é um engano achar que uma coisa exclui a outra.

É um equívoco acreditar que reconhecer os desafios desagradáveis da vida impede alguém de ser positivo, assim como também é um erro crer que ser positivo faz com que se viva no mundo da lua.

Diversos autores abordam esse tema, inclusive contemporaneamente, como Mark Manson (em dois livros que avaliei aqui no blog) e Gabriele Oettingen, apesar de ambos aparentemente não concordarem com a ideia de que não há dicotomia entre ser positivo e fugir da realidade.

Ou seja, não aceite respostas prontas em mídias sociais, em casa ou no trabalho sobre o que é negativo e o que é positivo.

Aliás, se me permite uma sugestão mais abrangente, não aceite respostas prontas sobre nada.

Reserve-se sempre o direito de questionar. Se surgir algum incômodo, entenda a origem dos sentimentos que considera negativos e talvez descubra mais sobre si próprio do que imagina, mantendo um pé na positividade e outro na realidade.

Como disse na descrição do meu canal no Youtube:

Eu não tenho respostas, mas prometo provocar questionamentos apropriados.

 


 

Conteúdo Adicional Recomendado

Livros:

TEDs:

Pesquisas e Publicações:

  • Baumeister, Roy F; Finkenauer, Catrin e Vohs, Hathleen D.: Bad Is Stronger Than Good [Artigo] // Review of General Psychology. – 2001. – 4 : Vol. 5. – pp. 323-370;
  • Dimberg, Ulf; Thunberg, Monika e Grunedal, Sara: Facial Reactions to Emotional Stimuli: Automatically Controlled Emotional Responses [Artigo] // Cognition and Emotion. – 2002. – 4 : Vol. 16. – pp. 449-471;
  • Gross, J.J. & Levenson, R.W. (1997): Hiding feelings: The acute effects of inhibiting negative and positive emotion. Journal of Abnormal Psychology, 107(1), 95-103. doi: 10.1037//0021-843x.106.1.95, PubMed: 9103721;
  • Hasson, Uri; Stephens, Greg e Silbert, Lauren: Speaker–listener Neural Coupling Underlies Successful Communication [Online] // Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA (PNAS) / PubMed. – 26 de 07 de 2010. – 22 de 06 de 2018. – http://www.pnas.org/content/107/32/14425. – PubMed: 20660768;
  • Kraft, Tara e Pressman, Sarah: Grin and Bear It: The Influence of Manipulated Facial Expression on the Stress Response [Artigo] // Psychological Science. – 24 de 09 de 2012. – 11 : Vol. 23. – pp. 1372-1378;
  • Lomas, T.; Waters, L.; Williams, P.; Oades, L.G.; & Kern, M. L. (2020): Third wave positive psychology: Moving towards complexity. The Journal of Positive Psychology. doi: 10.1080/17439760.2020.1805501;
  • Rozin, Paul e Royzman, Edward B.: Negativity Bias, Negativity Dominance and Contagion [Artigo] // Personality and Social Psychology Review. – 2001. – 4 : Vol. 5. – pp. 296-320;
  • Strack, Fritz; Martin, Leonard e Stepper, Sabine: Inhibiting and Facilitating Conditions of the Human Smile: A Nonobtrusive Test of the Facial Feedback Hypothesis [Artigo] // Journal of Personality and Social Psychology. – 1998. – 5 : Vol. 54. – pp. 768-777;
  • Wells, Gary e Petty, Richard: The Effects of Overt Head Movements on Persuasion: Compatibility and Incompatibility of Responses [Artigo] // Basic and Applied Social Psychology. – 1980. – 3 : Vol. 1. – pp. 219-230;
  • Wong, P. T. P. (2011). Positive psychology 2.0: Towards a balanced interactive model of the good life. Canadian Psychology/Psychologie canadienne, 52(2), 69-81. doi: 10.1037/a0022511