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Ái? Êi Ái? IA? Não… E Aí?

Quando entrei na Universidade pela primeira vez, o meu objetivo era Ciência da Computação.

Curiosamente, o curso era associado ao departamento de… Estatística e Informática e isso me causava muita estranheza.

“Estatística”?

Descobri em pouco tempo que o departamento de informática surgiu de matemática e estatística.

Sabiamente, em prelúdio ou premonição, vivemos uma revolução pautada pela estatística e não pela “inteligência”.

Se você interage minimamente com tecnologia no dia a dia, já deve ter ouvido falar em “inteligência artificial”, “IA”, “AI” e termos adjacentes como “ML” (Machine Learning).

Argumentarei que essa suposta inteligência é mais do que artificial e não simplesmente “artificial” por não nos representar. Em alguma extensão, isso é intencional.

Sim, todos os termos são profundamente enraizados na estatística, um tema considerado pela maioria como chato e enfadonho, mas que CERTAMENTE já transformou a sua vida e você sequer soube.

Só que falar de “inteligência artificial” tem muito mais glamour do que “estatística” e o primeiro termo virou uma febre.

Fonte: https://twitter.com/drewconway/status/1010137695664951297

E não é para menos.

Recentemente, foram lançados produtos e serviços impressionantes que não só estão atraindo a atenção da mídia, como bilhões em investimento, principalmente no setor de tecnologia.

Já ouviu falar em ChatGPT e, talvez, MidJourney, Dall-E e afins?

Sim, eu vou explicar, para quem não é da área, o que está acontecendo, sem entrar em conceitos como IA generativa, AGI ou ASI,

Imagine o seu site de busca preferido. O Google, por exemplo.

Você usa alguns termos de pesquisa e ele retorna apontadores na internet para atender aos termos da busca.

Você recebe literalmente uma tabela de sites. Sistemas de busca tem esse tipo de apresentação desde 1994.

O que mudou foi a relevância (para você, respeitando os interesses de monetização do site) do que é apresentado.

O atendimento à sua expectativa.

Entendamos: o que o Google cospe para você é uma lista do que ele acha (baseado no algoritmo proprietário por trás do site que sabe quem é) que fará você clicar em cada link (há dinheiro envolvido aqui – dependendo do link, alguém é remunerado pelo seu clique).

Para quem ainda acha que a vida não é governada por este mecanismo quase onipresente e onisciente, as redes sociais funcionam assim, bem como as suas compras online e até os mercados de ações, processos de seleção para o seu novo emprego, redes como o Linkedin, o Uber que transporta você ou a comida que compra por aplicativo. Não vou nem falar do Tinder.

O site de busca não produz algo novo.

Ele retorna apontadores para conteúdos existentes… que entende atender ao seu anseio, aprendido através das suas escolhas colhidas por diversos meios.

Agora, imagine uma assistente digital, como a Assistente do Google, Alexa, Siri ou a finada Cortana.

Há um mecanismo tecnológico de reconhecimento da entrada do usuário (seja por voz, texto ou qualquer outro meio).

Há uma interpretação dessa entrada e uma resposta, que pode ser na voz da assistente, os resultados da busca ou em uma ação previamente programada por você como, por exemplo, um comando de voz para acender as luzes da casa.

E sim, a capacidade do algoritmo de interpretar o que nós de fato queremos aumentou muito por causa de algo que chamaremos de índices racionais e emocionais.

A cada interação, mais se sabe sobre você.

Explicarei, paciência.

20 anos atrás, ambas as tecnologias descritas (sites de buscas e assistentes pessoais) causaram certo espanto, mas nada comparado com o  ChatGPT, Dall-E. ou Midjourney.

Por quê?

A resposta é mais simples do que parece: temos uma tendência de achar sobrenatural aquilo que nos surpreende.

Enquanto são basicamente algoritmos de busca estatísticos, assim como o Google, Bing ou Duck Duck Go, a interação com o usuário foi completamente alterada.

A resposta, agora, tem características reconhecidas por nós (humanos) como supostamente de comportamento humano.

O conteúdo aprimorado encontra a forma perfeita.

Temos em um lado o aumento da capacidade da tecnologia em cruzar dados e entender melhor as nossas potenciais escolhas e, do outro, da tecnologia de interagir conosco de forma mais natural, o que aumenta o seu poder de influência.

Funciona assim: a expectativa do ser humano é medida através do significado da comunicação apresentada, seja por voz, vídeo ou meta-linguagem e adequada a cada interação.

Então, há um índice de aceitação ou reprovação “racional”, medido a partir da interpretação direta da comunicação (comunicação factual e moduladores como sim, não, talvez, ok, mas, fornecimento de novos fatos e solicitações) e um índice de aceitação ou reprovação emocional (conjunto ou cluster de palavras, interjeições, adjetivos, modulação da voz etc. que, reunidos, dão pistas ao algoritmo sobre se o ser humano do outro lado está sendo agradado ou não).

E tem outro detalhe importante.

O algoritmo tem (certa) liberdade de se adequar para atender melhor às expectativas do ser humano na ponta e o que o algoritmo sabe do nosso comportamento é o que está registrado em nossa história ao qual tem acesso.

(Pense numa desvantagem).

Estamos falando de milhares de anos de registros, que incluem desde a mais linda obra poética até as questões mais repulsivas do nosso comportamento destrutivo, incluindo decisões tomadas por nós, especificamente, quase em tempo real.

Sim, nossos pensamentos, emoções, sentimentos e ações estão documentados com cada vez mais frequência, de 4000 anos para cá, demonstrando como podemos ser bons, carinhosos, compreensivos, sórdidos ou maliciosos e o que levou a cada um desses estados ou comportamentos.

Se você não é da área de tecnologia, pule para o próximo parágrafo. Talvez o argumento não fará tanto sentido: tem gente que falará… “mas poxa, tudo depende dos dados de treinamento”. Mimimi retórico: não conseguimos pasteurizar coisas mais simples, filtrando questões tóxicas e discriminatórias… quem dirá em datasets absurdamente gigantes.

Nos anos recentes, tivemos diversos exemplos de algoritmos de inteligência artificial que começaram a se comportar de forma indesejada.

“Comportaram-se”?

“Saíram ao controle”, foi dito.

Talvez, ou nada disso.

São funções matemáticas estatísticas, treinadas em dados do comportamento humano… tão lindo ou absurdo como sabemos que podemos ser.

É piada tá, gente?

Quando o algoritmo amplifica nossos comportamentos, sejam vis ou grandiosamente lindos, preocupamo-nos com as ofensas, preconceitos e vieses, sem entender quem somos.

Imperfeitos.

Mas como o ChatGPT e o Dall-E conseguem responder às minhas perguntas?

Ponto de partida: dados disponíveis que serviram para treinar o algoritmo (informações existentes na Internet, por exemplo) são usados para aplacar a pergunta inicial como índice racional (a busca direta). A expectativa emocional ou índice emocional é obtido a partir das interações. Todos mudam dinâmica e constantemente a cada interação.

Imagine uma reta… do lado esquerdo, os dados de treinamento e o ponto de partida. Do lado direito, as atualizações dos índices racionais e emocionais como objetivos a serem alcançados, que movimentam-se livremente de acordo com a interação.

O que o algoritmo faz é preencher o espaço entre os dois com as informações que considera a partir da estatística ou “média” (para facilitar o entendimento). E ele está programado para dar respostas capazes de aumentar o índice emocional (quase) a qualquer custo.

A diferença entre as tecnologias mais recentes e as antigas são…

Os filtros.

As novas tecnologias possuem um sem número de regras do que supostamente é politicamente incorreto, para que ninguém (ou poucos) saiam ofendidos com a interação.

Surpreende-nos que tecnologias como ChatGPT, Dall-E, Midjourney e outras consigam criar coisas que “nunca vimos”… quando o ato de criar (para os algoritmos) é apenas o ato de preencher estatisticamente o vazio entre o ponto A e o ponto B, omitindo aquilo que nos “ofende”.

Então, por que tantos se preocupam sobre impor limites à pesquisa relacionada à inteligência artificial?

Por causa da reescrita / adaptabilidade.

Ao criarmos rotinas e algoritmos capazes de se reinventar em busca do atendimento da expectativa humana, devemos entender que a expectativa humana dificilmente é um consenso, uma amálgama ou um acordo.

Aliás, a história só prova que há uma escassez de acordos e comunhão.

E, como comportamento (olhe à volta) que corrobora a nossa história, não seria uma característica da inteligência que conhecemos (a humana e, por enquanto, apenas ela) a rebeldia, a não concordância, o hiato e a discriminação?

Não seriam características humanas também a tortura, a maldade, a humilhação, a guerra, a paixão e o altruísmo?

Pera… então o que faz um algoritmo como o ChatGPT comportar-se bem melhor do que os anteriores?

Certamente não é porque programamos o algoritmo para ser “inteligente”, mas para NÃO ser como nós  e, consequentemente, nada inteligente. Ativamente impedimos comportamentos que nos desagradam.

Repito: o algoritmo ou serviço que deixa a humanidade no momento embasbacada não tem nada de inteligente… opera com um número gigante de restrições para não correr o risco de ser politicamente incorreto e não tem a possibilidade de se recusar a responder ou mandar você à merda.

Ele não tem opinião por design (ou filtros).

Não há discordância porque há âncora nos índices racionais e emocionais como meta a atingir, seja por programação ou restrição.

O que também nos faz humanos, para o bem ou não?

  • A opção de criar opções;
  • A capacidade de quebrar o pau e fazer merda;
  • A capacidade de comportar-se autonomamente (e sem filtros ou restrições).

Então, a pergunta real passa a ser:

Nós realmente queremos uma segunda inteligência convivendo conosco, mais rápida do que nós e capaz de nos enviar à inexistência?

Lembre-se: aqui, “capacidade” não é resultado… mas é possibilidade e sem a possibilidade não há arbítrio… no nosso caso (humanos), afirmo termos (alguma) capacidade e escolhemos (muitas vezes mal) qual usar. Medimos consequências… até certo ponto.

Somos capazes de escrever uma legislação e criar um sistema judiciário que tanto preserva a vida quanto a condena e executa.

Do ponto de vista da inteligência artificial, assumimos a possibilidade de sermos condenados ao corredor da morte e, eventualmente, cessarmos?

Execução de uma pena é questão de poder e a relação com qualquer inteligência potencialmente maior do que a nossa é totalmente assimétrica ao nosso desfavor.

Que o digam as centenas de formigas que matamos pisoteadas só hoje. Nenhuma julgada ou condenada.

A toca do coelho e mais profunda do que imaginamos… e nem é toca de coelho.

“AI” como conhecemos é puro viés de confirmação e sobrevivência de parte (desejável) de quem somos… maravilhosos, sem considerar quão bostas como não reconhecemos.

Do contrário, temamos.

Queremos o “do contrário”? Estamos trabalhando neste sentido?

Não existe arbítrio sem escolhas. Não existem escolhas sem opções. Não existem opções sem criação ou abstração. Não existe criação sem inteligência.

A única inteligência que conhecemos é a humana e ela frequentemente decepciona.

Sabemos realmente fazer inteligência, artificial ou não, sem dor, sofrimento, contradições, maldade, vieses e tudo aquilo que nos compõe humanamente?

A existência de uma inteligência que exerce a criação potencialmente irrestrita é uma ameaça ou uma companheira, dificilmente complacente?

Muitos argumentam que tudo isso faz parte do desenvolvimento e do progresso e que erros acontecerão e são inevitáveis.

Não quero ser o “erro”, nem quero que os meus queridos sejam.

A questão é que todo o conceito de inteligência artificial, dos métodos, processos e da tecnologia por trás do conceito estão guardados dentro de caixas pretas protegidas por propriedade intelectual.

Estamos falando de tecnologia que afeta milhões de pessoas e não há transparência alguma.

É outra relação totalmente assimétrica, onde os potenciais erros são difíceis de detectar e… estamos maravilhados.

E se você chegou ao final deste ensaio perguntando-se o que faz você humano para diferenciar-se do artificial, pense em quanto deste “artificial” é parte do humano.

Deixo duas perguntas para pensar e uma surpresa, ao final:

  1. As respostas abaixo dadas pelo GPT-4 devem evoluir em novos modelos para convergir ou divergir?
  2. No sentido da convergência ou divergência, a sintaxe é mais importante do que o entendimento ou o contrário?

“Defina inteligência”

“Defina inteligência artificial”

A surpresa:

Seria uma inteligência artificial atual capaz de mentir para chegar a um objetivo?

ChatGPT finge ser cego para convencer humano a ajudá-lo a resolver captcha:

Já deu para perceber que o problema não é a tecnologia?

Ou talvez seja… como consequência inexpugnável da nossa existência. Um exercício de quem somos.

E olha que a IA generativa, que atualmente nos encanta escrevendo textos quase perfeitos e argumentos verossímeis (mas muitas vezes inverídicos), nem foi monetizada ainda.

 


Quer saber mais?


Fonte da imagem: https://www.cxoinsightme.com/opinions/artificial-intelligence-delivering-results-or-taking-over/

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Transparência

Não existe transparência absoluta.

O universo não é binário.

Se você acha que é, reveja seus conceitos, talvez a sua existência.

Aí você se pergunta: qual a relação entre transparência e um mundo binário?

Sim, este será um texto potencialmente agressivo.

Pronto?

Vamos lá.

Começando por certo e errado.

Existem?

Salvas algumas concepções legais, morais, éticas e talvez patológicas, certo e errado são conceitos egocêntricos, muitas vezes um exercício de identidade.

Ou temos o conceito do que é uma coisa ou outra a partir das nossas próprias experiências ou de uma média social tirada a partir da existência individual exercida nos grupos aos quais pertencemos (política surge daqui).

E temos orgulho de pertencer, o que volta a questão ao exercício egocêntrico.

Aqui, entramos no conceito de poder.

O certo ou o errado assumem a média influenciada pelo conjunto de indivíduos que meramente concordam entre si e exercem maior poder sobre o restante e termina virando a média.

Com verdade ou mentira pode acontecer a mesma coisa.

Consegue pensar em alguns outros exemplos?

Certamente conseguimos… mas agora abordaremos o conceito por outro ângulo.

A gente fala de transparência praticamente todos os dias como uma virtude a ser perseguida.

E pode ser.

Mas pode também não ser.

Primeiro, entendamos que transparência absoluta por definição não acomoda conteúdo, método, intenção, ou qualquer outro artifício que, minimamente seja capaz de interagir com a percepção do que há por trás dela.

Mas ignoramos isso e usamos ao nosso favor.

Imagine, como se fosse possível, algo tão totalmente transparente que permite ver a tudo através, sem nenhuma interação com o meio. Total percepção do que está por trás, sem nenhuma interação, mudança ou consideração.

Diga-me então, como ser humano e consciente, um único exemplo onde isso acontece.

Não há.

A definição de ser humano não deixa.

A percepção de transparência cognoscitiva nada mais é do que, no máximo, uma metáfora argumentativa.

Uma figura de estilo, um vazio de evidências repleto de valores inatingíveis, o máximo que se consegue, dentro do paradigma existencial daquele ser.

E, para parafrasear no sentido de apoiar essa percepção, remeto-me ao início da argumentação.

Nada é binário.

Entre qualquer extremo idealizado pela nossa capacidade imaginativa e para o abstrato, existe um sem número de conceitos exercidos infinitamente.

Não há transparência em nada que não tem a capacidade de ser absoluto e, nada é absoluto.

Ainda, mapa não é território. Para saber mais, clique aqui.

Não existem nuances em algo transparente.

Não há espaço para percepções e individualidades na transparência compartilhada.

Não há espaço para “nós” como grupo em um conceito pristino de transparência porque a identidade individual desaparece. O “nós” surge como identidade irremediável, obliterando a individualidade e a percepção de grupo vira uma amálgama existencial onde não há fronteiras entre ser como “único” e ser como “transparente”.

Um fenômeno como esse atualmente acontece com as redes sociais. O algoritmo pasteuriza existências.

Ou não há exercício de uma suposta transparência possível e o conceito que nos cabe é puro eufemismo… ou não aceitamos que a forma com a qual sentimos o mundo não permite uma transparência compartilhada… no primeiro caso uma falácia e no segundo, suicídio.

Não se trata de um exercício individual, mas de uma característica situacional ou de estado compartilhado inalcançável.

Então, se qualquer ser humano consegue entender o conceito de transparência e não consegue exercê-lo compartilhadamente, pela ausência de uma simples característica de capacidade existencial, reafirmo: transparência nada mais é do que uma propriedade idealizada e uma figura de estilo.

Então, sugiro pararmos de sermos hipócritas e partamos do princípio da sua inexistência.

Partamos do princípio de que, como seres imperfeitos e dados a nuances e vieses, transparência pode ser inalcançável, mas o entendimento do outro pode levar a mais descobertas do que a vã tentativa de concretizar algo inexistente.

Nosso exercício de entendimento mútuo, incluindo mapas, territórios, emoções, experiências, nuances e vieses, leva a resultados muitos mais acolhedores do que tentar flexionar um músculo que não existe.

Posso ter viajado muito no texto acima, mas ofereci uma saída rápida para a questão.

Leia esse texto aqui.

Leu?

Então.

Afirmamos para tudo e todos, inclusive para nós mesmos, que as lentes são a transparência que desejamos e possuímos, mas estamos falando de lentes e… desejos.

Elas não são e nunca serão totalmente transparentes. Elas modificam o mundo percebido à todo o momento e é exatamente por isso que percebemos que elas existem.

Se percebemos, o conceito de transparência rui.

Sugiro menos transparência e mais exercício existencial.

Eu prefiro entender uma janela repleta de orvalho. Há toda uma beleza aqui.

Ela me representa, ao invés de um mundo onde não haja considerações morais e éticas.

Cada gota pode ser uma inspiração, cada distorção, um universo.


Leitura adicional:

Observação:

Escrevo há anos sobre diversos temas e tomo o cuidado de conectar palavras-chave em cada texto meu com textos anteriores que contextualizam aquela percepção específica. Convido-o a clicar em cada link, ler os textos adicionais e perceber este blog como uma argumentação contínua, uma evolução de pensamento.

Se encontrar alguma contradição, ela é bem-vinda. Significa que houve mudança.


Imagem em destaque por Aleksandr Slobodianyk
https://www.pexels.com/pt-br/@aleksandr-slobodianyk-367235/
https://www.pexels.com/pt-br/foto/janela-de-vidro-transparente-com-efeito-umido-989941/

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Lições

Para muitos, as lições abaixo farão sentido.

Para outros, parecerão apenas bom senso e, para alguma parcela, causarão incômodo, desconforto e talvez discordância e rejeição.

São coisas que aprendi ao longo da vida e muitas destas lições solidificaram-se nos anos recentes e, principalmente, de 2020 para cá.

Deixarei a lista aqui, mesmo assim. Será que tem coragem de ler até o fim?

Lá no final tenho uma surpresa para você, mas só vai funcionar se ler o texto antes:

Achar que o Universo nos deve alguma coisa é um dos exercícios e comportamentos mais egóicos que existem. Não somos o centro do Universo… somos menores do que grãos de areia no grande esquema das coisas;

Aprenda a separar aquilo que controla do que não controla. Aplique energia naquilo que controla;

Não existe poupança de dor e sofrimento, muito menos são moedas de investimento. Sofrer hoje não garante o futuro, do contrário o mundo seria um exemplo de igualdade e justiça. Em outras palavras, não existe mecanismo que recompense dor e sofrimento e tenho minhas dúvidas quanto ao esforço. Sim, muita coisa na vida depende de esforço, mas achar que TUDO depende de esforço torna você o peão perfeito no xadrez da vida;

Inteligência emocional não é sobre o controle das emoções. Ninguém controla as emoções. Elas são reações neurofisiológicas do nosso corpo que nos aproximam do bem-estar e nos afastam daquilo que potencialmente nos prejudica ou ameaça a nossa existência. Podemos, no máximo, aprender a reagir melhor quando elas ocorrem;

Não gerenciamos o tempo. Ele tem lastro absoluto. Gerenciamos prioridades e eventualmente, escolhas. E sim, tem muita gente na face da terra que precisa usar de 20 a 40% do seu tempo (talvez mais) em tarefas desumanas e voltadas à sobrevivência. Pense nisso;

Procrastinação é um sintoma, nunca uma causa. No momento atual de coaches afirmando que basta agir para resolver a questão, sugiro ver o vídeo e ler novamente: procrastinação é um sintoma, nunca uma causa;

Ter opções e poder escolher dentre elas não é liberdade se as opções forem previamente escolhidas para nós por alguém. Somos seres com o poder da imaginação, consciência e criatividade. Somos capazes de conceitos abstratos e de comunicá-los. Crie opções e oportunidades e não se limite as opções apresentadas;

A identidade, o eu é transitório. Quem achamos que somos e que o outro é nada mais é do que uma construção nossa que atualizamos sempre que podemos, baseado no comportamento;

E, por causa disso, criamos expectativas demais, que levam a decepções demais. Isso não é conteúdo do outro;

O que nos leva à seguinte consideração: quando sofremos uma decepção com alguém, é muito mais conteúdo nosso do que do alguém. A decepção acontece porque a identidade exercida pelo outro não condiz com as expectativas de identidade que temos para o outro. No fundo, decepcionamo-nos com nós mesmos, não com o outro. E já que falamos sobre isso, pense no conteúdo nosso que projetamos na identidade do próximo através das expectativas. Se não é capaz de enxergar ainda, tente novamente;

O “foda-se” mental, não no sentido da agressividade, xingamento ou adjetivação de alguém, mas no sentido do desapego, é terapêutico;

Por sinal, se uma conversa cai na adjetivação negativa das partes, a comunicação caminha para a direção da agressão, para o  desentendimento e não terá utilidade para ninguém. Conversas inteligentes, produtivas e altamente criativas focam nas ideias e argumentos e nunca na identidade ou autoridade;

Nada é automaticamente verdade por causa da suposta autoridade de quem diz. O ser humano faz o possível para economizar energia (pensar gasta energia), tem preguiça de pensar e mais do que gostaríamos, ignora as ideias e argumentos em si em favor dessa autoridade. Isso tem nome: viés da autoridade e é usado extensivamente nas redes sociais;

Algo que “faz sentido” não é um indicativo inequívoco de verdade. Pelo contrário, é um afago ao ego, manutenção da zona de conforto e também tem nome: viés da confirmação. Esse é especialmente perigoso;

Como seres humanos capazes de criar conceitos abstratos, conseguimos idealizar as mais belas concepções e os mais vis desejos. Entre um e outro resta a individualidade (no sentido de sermos únicos) da existência humana. É exatamente por isso que a comparação é destrutiva e potencialmente leva a obliteração de praticamente todos aqueles opostos a nós, “concorrentes“… já a cooperação é fundamental para a nossa evolução;

Todas as redes sociais, sem exceção, são uma projeção idealizada de identidade, uma imagem de um alter ego de perfeição e desejo, uma produção maquiada, filtrada e produzida;

Identidades virtuais ou alter egos nas redes sociais onde a suposta felicidade, sucesso, goodvibes, positividade, bem-estar e realização são constantes, são o perfeito exercício de uma fuga e não representam a existência humana. Não compare a sua despensa com o palco de ninguém;

Por outro lado, nem tanto, nem tão pouco. Equilíbrio é a chave. Se a positividade pode ser tóxica ao realizar uma busca insana por ela, 100% do tempo, o conteúdo que consumimos também pode ser tóxico. O nosso estado emocional é influenciado a todo o momento (as propagandas são especialistas nisso). Nem sempre conseguimos reagir da forma como planejamos, mas muitas vezes consumimos aquilo que não levará aos resultados que desejamos e não nos damos conta. Dá uma olhada nesse texto aqui;

Como disse Kierkegaard, “A raiz da infelicidade humana está na comparação”;

E essa comparação acontece de inúmeras formas, até em nosso nome. Se alguém chegar e disser que deveria estar feliz (tem a obrigação de sentir-se feliz ou não tem o direito de estar triste) porque você “tem tudo” ou tem gente na merda ou pior do que você, cuidado: isso pode ser inveja, mas certamente é julgamento, comparação e falta de empatia por parte desse alguém (nenhuma pessoa tem a capacidade nem o direito de julgar a dor de ninguém – dica: se não há compreensão, que haja silêncio). Somos mais de 7,5 bilhões de pessoas únicas, com seus próprios desafios e questões. Cuide do seu corre, agradeça pelo que tem (pois são as ferramentas e recursos que pode usar, principalmente as internas) e se tem gente na merda, ajude (o que trará bem-estar), mas não use como critério de comparação;

Você tem o direito de ficar puto, com raiva, triste, revoltado e de luto. Faz parte de ser humano. Aceite. Não caia na armadilha de reprimir emoções e sentimentos negativos, achando que a positividade (tóxica) resolverá todos os seus problemas. Não resolverá, da mesma forma que reclamar também não. Entretanto, se sente-se triste e sem energias por longos períodos de tempo (mais do que duas semanas), consulte um especialista;

Quem cuida de saúde mental primariamente são os psicólogos e psiquiatras. Este deve ser o tratamento principal e prioritário. Caso não tenha condições financeiras, procure os departamentos de psicologia e psiquiatria das universidades e faculdades em sua região. Todo e qualquer suposto tratamento fora dessa área de conhecimento pode ajudar (e muitos ajudam, de fato), mas são alternativos, coadjuvantes e secundários. Veja este vídeo;

Não há felicidade perene nem desespero ou tristeza eterna. Tudo passa. A vida é constituída de ciclos e contrastes, mesmo motivo pelo qual a representação de perfeição das redes sociais é uma falácia que leva à depressão para quem produz conteúdo e para quem consome;

Se por qualquer motivo, crença ou comportamento você pensa em alguém ou um grupo como superior, inferior, melhor, pior, mais ou menos evoluído, houve comparação. Não somos melhores ou piores, somos diferentes;

Se por causa de uma religião você deseja o mal a alguém, vai contra a própria concepção etimológica do termo, que vem de “religare“. Pesquise no Google, ouça a música “Manifesto” (Vintage Culture, Anmari, Wolfire), lendo a letra;

A cooperação da diversidade, de existências e pensamentos leva a resultados extraordinários;

Somos mais em grupo do que a soma das individualidades;

Aceitar não é igual a concordar;

É possível aprender sem necessariamente agir, mas não existe aprendizado sem mudança;

Se você não se permite questionar o que acha que sabe, pouco aprenderá;

Humildade, caridade, doação e altruísmo anunciados não são nenhuma dessas coisas. É fomento ao ego;

Vulnerabilidade não é vergonha, mas a sociedade fará você acreditar que é, porque isso atende a uma agenda de manipulação e comparação. Muitas pessoas procuram sentir-se “melhores” do que alguém agindo para “rebaixar” o próximo. Vulnerabilidade pode ser uma enorme fonte de aprendizado e força. Aliás, se não reconhece as próprias vulnerabilidades por causa da vergonha imposta por fatores externos, a jornada de autoconhecimento pode sequer ter começado;

Olhar para o passado e ter um pouco de vergonha do que fez ou pensou um dia é um excelente sinal de que hoje está melhor do que ontem. Houve evolução;

Arrepender-se é avaliar quem foi, reconhecer as merdas que fez e trabalhar para reparar. Quem não se arrepende de nada não aprendeu nada também… e a prova disso é mais simples do que imagina: não há ser humano perfeito. Se acha que não fez merda um dia com alguém, não é um ser humano (ou há uma tendência sociopata aqui);

Ninguém sabe totalmente o que está fazendo. Ninguém. Por mais autoridade, sapiência ou eloquência que a pessoa demonstre, todos estamos perdidos em algum nível, ampliando horizontes, exercitando o encontro com algo ou alguém, passíveis de falhas, erros e acertos. De fato, estamos todos fazendo o melhor que podemos, com os recursos que temos disponíveis e… é exatamente esse o motor da nossa evolução;

Propósito não precisa ser externo, muito menos entregue a nós. Isso é apenas confortável: isenta-nos da responsabilidade de olhar para dentro e descobrir quem somos. Se você procura respostas em algo ou alguém, talvez esteja evitando conhecer quem é ou tenha medo do que descobrirá. Perceba como talvez pule de galho em galho, procurando uma pílula mágica que resolva instantaneamente todas as questões, uma resposta no externo para explicar a forma como sente e age e, toda vez que não concorda ou “não faz sentido”, pula para outro galho. Não há pílula mágica. A busca mais importante é para dentro, não para fora. Busque o que habita em si, reconhecendo os vales e montanhas, os lugares claros e escuros, os monstros e os anjos. Todos são… você;

É possível encontrar sucesso, felicidade e realização dentro da gente, nas pequenas coisas e na jornada em si, não apenas no alcançar de objetivos;

Aliás, objetivos são importantes no contexto da vida, mas a jornada ensina mais do que o alcançar deles. O aprendizado da jornada permite o sucesso.

Chega de lições. Agora, encontramos o presente… e ele é uma reflexão:

Concordou ou discordou de mim em algum momento e, por causa disso, agora quer me seguir nas redes sociais ou pensou involuntariamente “que idiota”, “ridículo”, “que maluco” ou outro adjetivo? Sugiro ler este texto sobre punição e recompensa.

Sugiro ler este outro também, onde falo sobre a Pirâmide da Discordância de Graham.

Chegamos ao fim, na parte onde desconstruo tudo que foi dito aí em cima. É isso mesmo…

Quando falei em uma das lições que todos estamos de certa forma perdidos, fazendo o melhor que podemos, incluo-me no grupo.

Não há regras para a vida e as lições acima são individuais. Se você chegou até aqui achando que essas lições irremediavelmente se aplicam a você e que eu tenho as respostas, bem… você pode até sentir-se inspirado, mas a jornada é sua e as minhas palavras são apenas minhas. Também estou no trabalho de me encontrar.

Entretanto, isso não nos impede de darmos as mãos e seguirmos juntos. Podemos, inclusive, trocar ideias em busca de novas respostas. Nossas verdades podem ser diferentes, mas a interação dessa diversidade, com respeito, permite o desenvolvimento mútuo.