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Vulnerabilidade e Vergonha São Indissociáveis?

Vulnerabilidade e vergonha são temas profundamente relacionados, em especial frente à percepção de identidade que temos para nós, para os outros e o posicionamento relativo dessas identidades entre si.

Então, será que a nossa percepção de si está incompleta até que não haja à quem recorrer… ou o contrário… será que só existimos se validados pela percepção do outro?

As possibilidades de à quem recorrer são determinadas pela oferta ou pela percepção de quem está ao nosso lado?

Se a construção da percepção de si exige solitude, solidão e a percepção do outro de nós, temos uma situação curiosa.

Imagine: só sabemos como reagimos, o quanto desesperados ou confortáveis seremos sozinhos ao passar pela experiência.

Sim, essa é a proposição do argumento de hoje. O exercício da relação com o outro de certa forma nos define.

Este texto começou a surgir anos atrás quando, em 2017, li pela primeira vez o livro de maior sucesso de uma autora Brené Brown, ficando salvo por aqui no blog em pedaços desde então, carecendo de carinho, cuidado e atenção.

Boa parte da pesquisa dela foi dedicada à questões como vulnerabilidade e vergonha.

Ela relata que, em uma de suas palestras, um homem aproximou-se e argumentou que havia um potencial viés.

Enquanto pregava vulnerabilidade (inicialmente em suas pesquisas apenas para mulheres), esse marido abordou-a, apontou para sua mulher e filha e afirmou:

[paráfrase minha]: “Elas podem exercer vulnerabilidades, mas quando olham para mim, querem um porto seguro. Eu não tenho a chance de demonstrar vulnerabilidade”.

Onde entra a suposta falácia machista ao contrário?

Onde entra a falácia do alfa, desmentida pelo próprio autor?

O que eu busco, incluindo aqui, é a compreensão da dinâmica social para além das caixinhas estereotípicas, muito mais complexa e hipócrita do que queremos ou desejamos.

A hipocrisia mora na não aceitação de indivíduos alçados à solidão da referência ou liderança, seja homem ou mulher que não tem a quem recorrer.

Pessoas que, quando a merda vira boné, farão a limpeza e enterrarão o que precisa ser enterrado porque não podem contar verdadeiramente com ninguém.

E as mensagens rasas no celular, nas redes sociais, afirmando genericamente coisas como “pode contar comigo!”

Creia, a grande maioria absoluta não passa da primeira ligação.

Múltiplos ensaios e danças no sentido de preservar o azeite social.

A realidade é dura.

O que sobra?

Talvez o que realmente importa.

E, despido das minhas identidades atribuídas, das expectativas alheias e das ofertas vazias, redescobrimo-nos.

Tem gente que afirma que, quando a dificuldade aperta, conhecemos os verdadeiros amigos.

Passei 3 vezes por situações dessa natureza e não sobraram muitos.

Revolta?

Não. É a vida. A natureza humana e tá tudo bem.

Sim, talvez revolta mesmo. É a vida. A natureza humana e não tá tudo bem.

Percebo por fim que a concepção de mim mesmo está incompleta, mesmo sabendo que ela pode ser contraditória, barroca até, permitindo as duas respostas.

Mas não importa.

Se por um lado os argumentos e a pesquisa de Brené Brown colocam que dissociar a vulnerabilidade da vergonha traz saúde mental e relacionamentos mais saudáveis, enquanto houver alguém usando isso como arma, o desafio de baixar a guarda talvez ainda seja grande demais.

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Seja Curioso e Não Julgador

Ser curioso e julgador, em certa medida, são comportamentos antagônicos.

Essa frase, atribuída a Walter Whitman, tem dois núcleos de sentido muito importantes.

Um conceito abre as portas ao aprendizado; o outro, fecha.

O primeiro que quero explorar é o julgamento.

Dependendo da conotação dada, é impossível não julgar.

Faz parte do nosso mecanismo de sobrevivência e meu entendimento da frase é de que estamos falando de outra coisa.

Ao sair do campo instintivo, sobrevivencialista e irmos para o cognitivo, medimos as pessoas com uma régua individual e criada após medirmos a nós mesmos.

Há então a promoção da comparação e, como efeito colateral, caso ocorra a comunicação do julgamento, a comunicação também das nossas próprias limitações.

Sim, o julgamento é um exercício muito maior da nossa fronteira do que algo que seja remotamente uma característica do outro.

A identidade do outro é uma criação própria, nossa, baseada na nossa interpretação do que percebemos como ação do outro.

Já a ideia de curiosidade está intimamente ligada à fragilidade da própria identidade. Diria até que são inversamente proporcionais.

Questionar, como resultado da curiosidade, exige muita coragem.

Exige a realização de que o que encontraremos pode mudar quem somos.

Essas flechas aí representam um exercício dessa curiosidade.

Existe um sem número de afirmações e ensinamentos sobre como produzir flechas para cada finalidade. Existe todo um arcabouço de conhecimento relacionado…

… E qualquer um interessado no tema pode escolher o caminho de reverenciar o consenso, adotando ele sem questionamentos, supostamente economizando tempo.

Pode-se, contudo, testar… é possível que se chegue às mesmas conclusões… mas o PROCESSO ensina muito.

Se eu for agraciado com um novo conhecimento, ótimo.

Mas o objetivo nunca foi esse.

O objetivo é o exercício do processo, aprender com ele.

Hoje eu sei o que é colar os dedos com supercola e melar a sala inteira; sei o que é enflechamento helicoidal, clocking, shafts paralelos e em barril. Sei o que é spine, grains, spin wings, nocks, pins, a diferença entre nocks 1/s e 2/l… sei o que é FOC, AMO e como deixar uma flecha dinamicamente com spine mais duro ou mole… ou até queimar os dedos trocando as pontas das flechas.

Para pessoas que não são da turma do tiro com arco, verão uma provável sopa de letrinhas… e era assim que eu via 5 meses atrás.

Provavelmente estaria vendo do mesmo jeito, se não me colocasse no caminho do processo estimulado pela curiosidade.

Ao invés de julgar, permita-se a curiosidade de aprender.


Foto: de própria autoria.
Inspiração para o post: frase dita pelo personagem Ted Lasso no episódio “The Diamond Dogs“. Ela é incorretamente atribuída a Walter Whitman.

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O Sucesso Como Propriedade

Nenhum sucesso é precedido impreterivelmente de sucesso.

Exceto se sucesso para você é, metaforicamente, o exercício de uma subida de escada.

Somos seres de contrastes e percebemos algo como vitória diante de uma experiência anterior de derrota.

Será?

Não quero associar esse contraste em específico com uma batalha ou competição.

Tem tropeço, tem degrau, tem erro aqui e acolá, tem falha, condição essencial de uma existência imperfeita e nada disso é competição por definição. A gente cria muitas dessas competições em nossa mente através da comparação.

Não obstante, o sucesso engloba o fracasso.

Cada algo percebido como tal é um empurrãozinho na direção adequada de uma percepção muitas vezes volátil.

Sim, porque sucesso é uma definição pessoal. Você tem essa liberdade e não deve explicações a ninguém. Esse é um direito seu do qual abre mão.

Cabe um arrazoado neste sentido. Vejamos.

Se o seu sucesso depende de plateia, está a caminho da infelicidade.

Mas cada superação é no mínimo uma insatisfação com o estado anterior.

Cada superação é uma análise comparativa, específica e pontual. Plateia e aplausos podem ser potencialmente evidências para uma avaliação.

Só que essa inquietação e insatisfação são um dos maiores artifícios de motivação que podem existir em nossas vidas e…

Tenho plena certeza, motivo pelo qual muitos superam-se.

Não tem coisa mais linda na existência humana do que olhar para trás, perceber cada momento de dúvida de si, de suposto fracasso… hesitar, respirar fundo…

Abrir os olhos… olhar para frente, para o futuro e pensar consigo: subi um degrau.

Contextualizada a questão, “subir um degrau” já é um “sucesso”. Percebem?

Fracasso sem mudança de estado é morte existencial.
Mas fracasso seguido de mudança de estado é sucesso por definição.
Só, talvez, você não perceba.

Eu falo disso com conhecimento de causa, ensinado por 22 anos de vitória sobre a depressão.

Este texto não é sobre a minha experiência com a depressão diretamente, mas como a concepção de “vitória” na frase acima, como definição de sucesso, é própria, um conceito para o qual tenho a propriedade.

E, aqui, evidencio o ponto mais importante: tomar para si através do autoconhecimento a propriedade de definições como vitória, fracasso, sucesso.

Já parou pra pensar que, de certo modo, todo ser humano é um ratinho correndo em um vídeo do genial Steve Cutts?

O que nos motiva a correr são as definições externas como no vídeo.

Estamos falando de uma indústria de 50 bilhões de dólares no mundo. Isto se consideramos apenas o lado da autoajuda.

Se tornarmos a questão mais abrangente e considerarmos todas as situações onde perseguimos uma definição externa de sucesso em um contexto de terceiros, temos 99% de todas as situações motivacionais do mundo que envolvem trabalho e falo isso só para provocar.

Sim, eu acho que aquilo que consideramos ser sucesso tem influência máxima em nossa felicidade.

Se eu abro mão de definir sucesso em favor daquilo que definem para mim, estou abrindo mão de um poder enorme.

Caramba… como fiz isso ao longo dos anos e como isso influenciou meu bem-estar.

Percebe o poder abnegado em favor do reconhecimento?

Se o sucesso é definido por um terceiro, entidade, organização, grupo ou pessoa e isso faz você ir na direção planejada (por eles) ou comportar-se de uma forma determinada, por que você acha que chegará e manterá um dia o “sucesso”, se isso mantém você sendo manipulado na direção desejada pelos outros? Pode acontecer? É claro! E certamente mudará.

Surpreso como a definição de sucesso externa é alterada à medida em que alcança seus objetivos?

Um alvo móvel e inalcancável.

Se a sua definição de sucesso é continuar a subir a escada dos outros, tá tudo bem. Se é um destino específico dos outros, não tá tudo bem assim.

Sim, chegamos ao cerne da questão: permitimos o sucesso como definição externa para também permitirmos o eventual julgamento social de nós mesmos como seres de potencial sucesso terceirizado.

Isso é insano.

Só reconhecemos como sucesso aquilo exercido pelo agente que julga, usando critérios externos de sucesso.

Só gostamos do sucesso quando há aplauso?

Eu acabei com essa concepção na época em que gravei esse vídeo para o YouTube mais de 2 anos atrás.

Colocar definições de sucesso, fracasso, vitória ou derrota no exercício  potencial de aplausos coloca todo o poder sobre nossa felicidade nas mãos dos outros.

Não permito mais essa terceirização. Não permito mais a propriedade do *meu* sucesso nas mãos de quem nem me conhece.

Quer me julgar?

Fod@-s3.

Ser aplaudido é bom. Mas acordar pela manhã sentindo-se bem sem depender de ninguém, não tem preço.

E, se para isso, precisar revisitar minhas próprias definições existenciais, respeitadas algumas convenções sociais e culturais importantes, que seja.

Se eu precisar criar uma régua para medir minha própria existência no sentido de ser mais feliz, criarei.

Só não deixarei mais essa régua nas mãos de ninguém.

Apropriei-me.

Convido-o a apropriar-se.

Como seres sociais que somos, quer saber o que traz mais realização?

Reconhecer as réguas alheias. Compartilhá-las com aceitação e respeito.

Mas isso é tema para outro ensaio.


Fonte da imagem: https://www.appalachianaxeworksshop.com/listing/738468854/vintage-folding-ruler-stanley-sweetheart

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Se a Existência É um Exercício de Ações, O que Vem Antes?

Ao olhar, escolha a beleza;
Ao sentir, escolha a compreensão;
Ao tocar, escolha o carinho;
Ao agir, escolha a responsabilidade.

O olhar é uma idealização.
Por mais que reconheça o ambiente à volta, quando o consciente sequer se dá conta do que aconteceu, houve julgamento, inclusive da beleza. Houve interpretação. Há o consciente. Isso te conforta ou te reprime?

O sentir é uma revelação.
Das reações mais rápidas que temos, precedendo até a consciência, as emoções podem ser colocadas como interpretações neurofisiológicas do corpo… aproximando-nos daquilo que nos agrada e nos afastando daquilo que nos ameaça. A questão é que raramente sabemos quando é uma coisa ou outra, simplesmente porque falta compreensão. Algo é sempre exposto, raramente compreendido e quase nunca aceito. Nada de controle. Aliás, há um sem número de interpretações que nos são entregues. Cadê as SUAS?

O tocar é uma troca.
Se é troca com qualquer outro ser, que seja uma acomodação e não um afastamento. Que seja acolhimento ao invés de repreensão. Que seja comunhão e não negociação.

O agir é uma consequência.
O agir é um exercício de um instantâneo de quem somos, de uma identidade congelada momentaneamente no espaço versus tempo. Mas a identidade é um acúmulo de aprendizados, de experiências, de formas de olhar, sentir e tocar, SEMPRE um olhar para o passado. Portanto, por mais que a bagagem leve a um desfiladeiro ou ao outro, que o movimento seja entendido de forma sistêmica, exercido considerando a existência do próximo.

Eu escrevi uma versão das proposições do início desse texto exatamente 3 anos atrás.

Fiz uma pequena correção.

Vamos à segunda parte, 3 anos depois:

Achava que o sentir era passível de controle.

Enganei-me categoricamente.

Aprendi que ele ensina.

Aprendi outra coisa também: que o “escolher” não determina a nossa existência.

Leia novamente, é isso mesmo.

Quem dera ser tão simples. Quem dera os rumos do Universo dependerem daquilo colocado à nossa frente e da nossa egóica escolha.

O Universo depende muito mais daquilo que criamos, dos rumos não idealizados e que passam a ser, como criação. Criamos o que nos cerca incluindo o Universo e sequer entendemos isso.

O Universo não quer isso de nós. Ele nada quer apesar do conforto da ideia; ele desenvolve-se a partir da interação daquilo que é passível de existir.

O Universo, como a maioria das pessoas idealiza, é um conceito completamente egocêntrico: um exercício de si próprio para confortar a si mesmo. é uma projeção.

O novo, a adaptação, o inconveniente, a habilidade única dos seres humanos de moldar o caos são as nossas “Dádivas”.

Mas e o propósito, o destino e tantas outas crenças que carrego comigo de que há um caminho que traz um conforto tão agradável?

É meu caro… é exatamente esse o ponto.

A cada passo dado com os pés, as mãos criam o tijolo e a nossa existência o põe à nossa frente… talvez irremediavelmente aonde o pé quer repousar, mas isso nos arbitra.

Que atire o tijolo em alguém à frente, que faça uma morada, que mastigue-o, guarde-o ou venda-o.

Não ansiaste por liberdade?

Então, quando depara-te com ela, questiona-te ser responsabilidade demais?

Ah, o conforto do futuro revelado. O conforto da existência determinada.

Cuidado com a idealização entregue a ti e… eventuais consequências do que deseja a partir daí.

Aliás, pensando bem… abraça-te.

E, ao fazê-lo, senta-te comigo para este banquete de consequências.

Mas até isso será diferente.

Não uma analogia de opostos ou relatos, de plantar e colher, uma relação previsível de erva daninha e morte ou de fruto e colheita. Isso é tão ingênuo.

Não.

Senta-te comigo no banquete do imprevisível, no banquete da ausência de ingenuidade, do vitimismo ou da falácia meritocrática.

Senta-te e saboreia.

Isso te conforta ou te condena?

Quero o sabor; não o conforto ou a condenação do meu próprio julgamento.

E você?


Imagem retirada da fonte a seguir: https://www.depotbassam.com/2012/04/wall-mounted-double-pendulum-for.html
Motivação: movimento caótico de pêndulos duplos.

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Expectativas e Felicidade

Não sou especialmente fã de fórmulas para a felicidade ou para o sucesso.

Mas Mo Gawdat tem um argumento interessante:

A felicidade é igual à percepção dos acontecimentos da vida ao nosso redor menos as expectativas que criamos e aceitamos (Gawdat, 2017).

Ter confiança e autoestima é ter a capacidade de desafiar expectativas.

Libertar-se das expectativas e dos julgamentos dos outros é essencial para a felicidade.

Só você é capaz de avaliar e entender o que é importante para você.

Eu sei, o desafio é grande.

Lembre-se: qualquer expectativa externa é um conteúdo dos outros, não seu.

Sim, a ideia que as pessoas têm de quem somos é uma construção do outro, não nossa.

E como lidamos com as nossas próprias expectativas?

Vivemos em uma sociedade da autonomia, onde somos levados a crer que tudo é possível, basta querer.

Isso gera um efeito colateral terrível: substituímos a aceitação dos pontos fortes pelas expectativas de supostamente melhorar o que consideramos falho.

Atitude louvável… Mas já parou para entender o que você realmente tem de especial, ao invés de focar no que acha ser um defeito através da comparação?

Expectativas e comparação andam juntas, mas separam as pessoas.

Cooperação aproxima.

O Guia Tardio, Romulo Cholewa
(disponível na Amazon: http://oguiatardio.com)

A Fórmula da Felicidade, Mo Gawdat
Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han
Descubra Seus Pontos Fortes, Tom Rath

#OGuiaTardio

#Felicidade #Expectativas #PontosFortes #Sociedade #Autonomia #Responsabilidade #Cooperação

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A Arte de Não Julgar

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Medir. Avaliar. Testar. Comparar.

E, talvez…

Aproximar. Compreender. Aceitar. Ajudar. Abraçar. Amar.

Ao invés de…

Relevar. Ignorar. Segregar. Afastar. Desencorajar. Ameaçar. Punir.

Eu chamaria esse texto de “A Arte de Julgar”, mas estamos falando de um mato tão espinhoso e de um ato a desencorajar que decidi usar uma negação.

Antropologicamente, nuances do ato de julgar são quase tão enraizadas em nós, seres humanos, quanto o instinto de lutar ou fugir.

“A experiência não erra. Apenas seus julgamentos erram por esperar dela o que não está em seu poder.”
Leonardo da Vinci

É, a partir do julgamento, que enxergamos um aliado ou uma ameaça. É, a partir dele, que sentimos se alguém nos quer bem… Ou até se somos os líderes de um grupo.

É julgando que decidimos se devemos participar de uma empreitada ou não.

Fazemos isso o tempo todo, com todos, em quase todas as situações e nossa sobrevivência já dependeu (e talvez ainda dependa) desse mecanismo.

Por outro lado, há um conjunto de reações menos instintivas (e mais racionais) ligadas ao ato de julgar.

Diante de estímulos externos, que são filtrados pelo nosso mapa de mundo, personalidade e experiências anteriores, racionalizamos e concluímos, potencialmente nos levando a sentir e a agir.

Colocamos pessoas e circunstâncias em nossas caixinhas mentais, catalogando tudo e todos, sem nos dar conta. Geralmente, não revisitamos essas caixinhas.

Muitas vezes, temos poucas evidências ou informações para chegar a uma conclusão minimamente coerente.

Como se não bastasse, nem sempre usamos nossos próprios sentidos para julgar.

Frequentemente incluímos a opinião e o julgamento do próximo: concluímos baseados na opinião alheia formada (ou nem tanto) e a pirâmide da incerteza velada começa a crescer.

“O ato mais corajoso ainda é pensar por si mesmo. Em voz alta.”
Coco Channel

Boatos e muitas mentiras surgem assim. Pense, como exemplo, nas fofocas que circulam pelo seu WhatsApp.

E como assunto foi de “julgamento” para “boatos”?

O mecanismo por trás dos dois é basicamente o mesmo e lhe é certamente familiar.

É o construir conclusões e julgamentos em cima da opinião dos outros ou sem evidências suficientes.

O melhor termômetro de que a sociedade funciona assim é a rapidez e a ingenuidade (na maioria das vezes) com as quais os boatos se propagam em mensagens e nas redes sociais.

De repente, você lê que trigo é bom pra queimaduras, que cebolas são venenosas, que o governo está devolvendo impostos aos cidadãos, que redes sociais doarão para uma criança necessitada se você compartilhar a mensagem mil vezes ou que enfermeiros estão infectando pacientes com HIV.

“As pessoas adoram fofocas. É a maior contribuição para manter a indústria do entretenimento funcionando”.
Ellen DeGeneres

Vá além, pense nas mensagens que você mesmo(a) repassou sem checar a fonte, porque julgou ser verdade, ao confiar na opinião de alguém que lhe enviou.

Olhe à sua volta e perceba quem recorre nessa prática. Adiante, se esforce para detectar o que essa pessoa valoriza e como se posiciona diante dos mais diversos assuntos. Não se surpreenda se encontrar toda uma coerência.

Não é intenção destas palavras fazer você se sentir desconfortável. Mas é uma possibilidade, até o fim do texto.

Todos fazem ou já fizeram isso. Exercemos a prática de forma quase inconsciente e a ideia aqui é trazê-la à luz, ao consciente, para que possamos intervir.

É fazer cada um pensar que, da mesma forma que propagamos inverdades, julgamos frequentemente baseados no que os outros acham.

“É melhor arriscar salvar uma pessoa culpada do que condenar uma inocente”.
Voltaire

Perceba que em nenhum momento estou tocando no mérito da conclusão do julgamento ser certa ou errada. Isso é “conteúdo” e irrelevante, diante do processo, da forma em si.

Se chegamos à alguma conclusão em cima das opiniões dos outros, o resultado será deturpado, longe da realidade objetiva e isso não tem nada a ver com maldade de nenhuma das partes – tem a ver com o fato de que cada indivíduo enxerga uma realidade diferente.

Sabemos desde criança as consequências do telefone sem fio mas resolvemos ignorar esse aprendizado rapidamente.

Agora que coloquei os pontos que considero importantes em perspectiva, abordemos o assunto principal: o ato de julgarmos as pessoas ou, melhor, a arte de não julgá-las.

Se julgamos tão mal mensagens que vemos nas redes sociais (e agimos, por consequência, pior ainda), será que fazemos isso coerentemente em relação ao próximo?

Partamos do princípio de que o ser humano é extremamente complexo.

Somos frutos de incontáveis variáveis, como nossos pais e família, experiências, traumas, relações sociais e interpessoais e até da genética.

“Se você não cresceu como eu, então você não sabe, e se você não sabe, é melhor você não julgar.”
Junot Diaz

Para qualquer ser humano já é impossível, para si próprio, determinar todos os fatores que o levaram a um pensamento, sentimento ou ação. Podemos ter uma boa ideia, mas ninguém se conhece tão bem assim.

Levando isso em consideração, como qualquer indivíduo, além de a si mesmo, pode julgar quem quer que seja?

Colocando em outras palavras, se mal nos conhecemos, como podemos sequer pensar em julgar o próximo?

Diante da nossa própria bagagem, considere este pressuposto da Programação Neurolinguística:

“As pessoas fazem a melhor escolha com os recursos que possuem no momento.”

Temos mais de sete bilhões de pessoas morando nesse pontinho azul chamado Terra.

Como mencionei anteriormente, existem inúmeros fatores que influenciam quem somos, como enxergamos o mundo e como respondemos aos estímulos externos. Se multiplicarmos esses fatores por sete bilhões, teremos incontáveis combinações.

Cada indivíduo, para cada especto de sua vida em um dado momento, possui uma quantidade determinada de recursos, que foram sendo “instalados” ao longo da jornada, através do aprendizado, das experiências, evolução, das situações e de tantas outras lições que a vida dá.

Julgar o próximo baseado na opinião dos outros é imoral.

Além disso, o que a vida ensina pode sofrer ou não uma grande influência dos nossos valores.

De acordo com Richard Bandler, Psicólogo e um dos pais da PNL, nascemos com medo de cair e medo de barulho. Todo o resto é aprendido.

Eu posso escrever bem e você ser um ás da matemática.

Eu posso dirigir carros extraordinariamente e você ser um excelente piloto de avião. Eu sei fazer uma Paella fantástica e você uma excelente feijoada.

Eu posso ter medo do escuro e você, não.

Eu posso lidar bem com as pressões do trabalho e você ser um excelente líder

“Você consegue olhar sem a voz na sua cabeça comentando, tirando conclusões, comparando ou tentando descobrir alguma coisa?”
Eckhart Tolle

Para um determinado assunto, eu posso ter mais recursos ou menos recursos do que você e gerar um comportamento ou reação que, aos seus olhos, seja inexplicavelmente eficaz ou absurdamente limitante (ou algo entre os dois).

Considere por um momento que ninguém é um comportamento. Somos seres em constante mudança (evoluindo ou involuindo) todos os dias, a cada passo, a cada banho, a cada conversa, a cada livro, a cada carinho, a cada tropeço… E isso é fabuloso!

Como qualquer recurso, você pode aprender mais. Isto significa que o que hoje é limitante, amanhã pode deixar de ser. E como tudo aquilo que não é usado atrofia, podemos perder recursos também.

Ao julgar alguém, você usará a sua base de recursos e seu mapa de mundo no momento.

“(…) Já julgou muitas pessoas durante a vida. Julgou os atos e até mesmo as motivações dos outros, como se soubesse quais eram. Julgou a cor da pele ,a linguagem corporal e o odor pessoal.(…) Até julgou o valor da vida de uma pessoa segundo seu conceito de beleza.”
William P. Young em “A Cabana”

Pouco (ou nada) você conhece sobre a realidade, as experiências, as lições, os livros, a escola, os relacionamentos e até a genética desse “alguém”… Apenas que aquela ação foi realizada com os melhores recursos que o “alguém” tem naquele exato momento.

Percebe como isso muda tudo?

Claro, enxergar o mundo dessa forma não significa necessariamente que você tem que concordar com as ações de um assassino ou de um político corrupto que, certamente, tem recursos bastante limitados.

Significa que, para entender a situação e poder concluir algo, é necessário enxergar os recursos que a pessoa tem no momento da ação… E isso pode mudar em algumas horas, dias, semanas, meses ou anos… Porque somos seres que se adaptam.

“Não podemos definir as pessoas pelas suas piores ações.”
Paula Stokes

Ao analisar o posicionamento ou a ação de alguém, imagine também o mundo sobre as limitações ou recursos deste alguém.

Aquele posicionamento, que pode parecer para você inexplicavelmente incoerente ou pobre, notadamente é o máximo que o indivíduo consegue. O melhor? Certamente você já esteve do outro lado da mesa e foi enxergado por uma pessoa da mesma forma, como fonte de sentimentos, pensamentos ou ações limitadas.

Mas não para por aí. Se ainda não percebeu, a questão é muito mais profunda.

Somos seres únicos, infinitos em nossa própria diversidade!

Você se considera extrovertido? Quantas vezes julgou um introvertido, achando seu comportamento incompreensível, anti-social, antipático ou chato? Parou para considerar que esse pode ser o “normal” de uma pessoa introvertida e tímida? Pode ser o “normal” daquele indivíduo em específico?

Você é introvertido? Quantas vezes achou alguém “espalhado” demais, amostrado, convencido ou cheio de si? Julgou-o, baseado em sua referência de realdade? Seria essa pessoa falsa porque “ninguém pode ser tão exibido ou positivo assim”?

Quantas vezes olhou para alguém chorando em um filme e pensou: “nossa, que pessoa frágil!“?

“Se me julgas te julgas por julgares.”
Agostinho da Silva

Já julgou alguém com depressão, pensando algo como “nossa, que pessoa fraca!”?

Já julgou alguém por ser frio e calculista? Pergunte-se: você conhece a pessoa ao ponto de determinar se esse comportamento é ou não compatível com o perfil psicológico dela? Quem sabe, com as experiências que ela teve ou deixou de ter, decepções amorosas, traições e com os amores correspondidos?

Você conhece uma pessoa que está sempre atrasada? Você consegue compreender o que há por trás desse comportamento? Seria essa pessoa mais criativa e adaptável do que a média ou você?

Você não compreende como uma pessoa pode ser tão inflexível com horários? “Nossa, odeio gente certinha demais…”

Sente como a ausência de um recurso em você pode ser responsável até pela falta de compreensão do comportamento do outro?

“Ninguém é mais injusto ao julgar o próximo do que aqueles que têm uma opinião elevada sobre si mesmos.”
Charles Spurgeon

E nem usarei o argumento de que o julgamento é um reflexo das questões, aflições e aspirações de quem julga.

Com tudo isso em mente, talvez a ação de julgar o próximo tenha ganhado uma nova perspectiva e conotação para você.

Entenda, as pessoas são diferentes e ainda bem que é assim. A diversidade nos permite cooperar e montar o quebra-cabeça complexo da nossa existência conjunta sem faltar nenhuma peça.

Não serei ingênuo ao ponto de afirmar que não devemos julgar nunca. Julgar faz parte da nossa natureza e estamos aqui vivos por causa disso. Julgar é necessário para nos protegermos de uma ameaça.

Contudo, é fundamental que:

  • Revisitemos os julgamentos que fazemos e corrijamos a partir da coleta de novas evidências;
  • Que não julguemos a partir das opiniões alheias;
  • Que gerenciemos o nosso ego, fonte das maiores injustiças, no que diz respeito ao ato de julgar alguém;
  • Que aceitemos as pessoas a partir da mera possibilidade da existência de diferenças, antes de julgar.

Sim, possibilidade!

É através do processo de empatia e relacionamento com o próximo que começamos a desvendar o mistério que cada indivíduo representa e guarda dentro de si.

Não quer se aproximar? Não há coerência em você para concluir nada.

Ao conhecer alguém, não temos nenhuma experiência em primeira mão que sirva de base para quaisquer conclusões, apenas as opiniões dos outros.

Precisamos ser humildes para reconhecer a nossa ignorância e permitir que uma relação se estabeleça, antes de estragar tudo com o preconceito alheio. Não esqueça: preconceito é contagiante.

Já se perguntou qual a diferença entre julgar o próximo e recorrer ao preconceito? É simples: Se o julgamento usou como referência algum estereótipo, você está sendo preconceituoso.

Até meados da adolescência eu sofri bullying por ser diferente. Tinha uma saúde frágil, era gordinho, muito branco e cheguei a apanhar por causa disso. As ameaças foram se dissipando quando comecei a ficar maior (e fiquei bem maior).

Já fui julgado por ter enfrentado a depressão.

Já fui julgado por meus posts sorridentes, minhas caretas e minha irreverência nas mídias sociais.

Já fui julgado por apoiar causas como voluntário, ao ponto do meu comprometimento profissional ser questionado.

Já fui julgado por estar em forma na minha idade, cuidar da minha saúde e não comer o que considero lixo, em comunhão com outras pessoas.

Já fui julgado por não aceitar beber semanalmente, vários dias.

Já fui julgado por ter tatuagens.

Já fui julgado quando usava brinco.

Já fui julgado por causa do meu corte de cabelo (e ainda sou).

Já fui julgado por defender uma opinião. E você?

As pessoas julgam por tão pouco… Sem dar a chance de conhecer quem está ao seu lado. Sem se dar a chance de aceitar e aprender, ao não ter ferramentas para compreender.

Se você pensa como eu, fique à vontade para passar essas ideias adiante. Se fizer pelo menos uma pessoa refletir sobre como se comporta, terá valido à pena.

“Quando as pessoas fazem julgamentos, elas se fecham para todas as possibilidades em torno delas.”
Jeff Koons