Desde 2017 que escrevo direta ou indiretamente sobre inteligência emocional e até virou um capítulo de livro.
Trata-se de um tema na moda há quase 30 anos que foi explorado à exaustão, colocado por muitos como solução para todos os problemas da humanidade, até a fome (contém ironia).
Outros especialistas na área trazem a inteligência emocional clássica como uma grande falácia.
Nem tanto, nem tão pouco.
O conceito foi esticado e resumido de formas inimagináveis ao longo dos anos.
Penso imediatamente e (quase) involuntariamente no trabalho de Myers-Briggs, que tomou por base Carl Jung.
Ele certamente ficaria surpreso com as conotações extraídas do seu trabalho, para dizer o mínimo. Hoje, estes testes são usados mundialmente em diversos cenários, mas também para rotular pessoas e em processos de seleção, algo inaceitável.
Voltando, analogamente, parece haver um consenso (principalmente em conteúdo de autoajuda) de que inteligência emocional é:
- Reconhecer as emoções;
- “Controlar” as emoções;
- Usá-las adequadamente, para si e socialmente (o que já leva a outro conceito criado ao longo do tempo: inteligência social).
Aqui, chamo especial atenção à palavra “controlar“. Uma rápida pesquisa no seu mecanismo de busca preferido e perceberá como o “gerenciamento das emoções” e a “autorregulação” surgem com frequência e, tristemente, acabam sendo interpretados como “controle”.
Mas antes de abordar esse tema em específico, falemos um pouco da meta-origem do conceito (comento a origem propriamente dita no post original).
Por trás do surgimento da ideia de inteligência emocional, há um processo de reconhecimento das diferenças individuais, diversidade (exemplificado pela multiplicação das inteligências, notadamente sobre as mãos de Howard Gardner) e, principalmente, uma busca por medir o sucesso.
O próprio surgimento da concepção de QI (Quociente de Inteligência) no início do século passado tinha a intenção de prever o sucesso (dentre outras), apesar de florescer em meio a profundos vieses comportamentais.
Isso mesmo, o QI tinha uma pitada de segregação e beneficiava uma parcela populacional, promovendo estereótipos e até o preconceito.
Nada bonito, diga-se de passagem – apesar de ser uma outra época com um contexto completamente diferente do atual. É mais fácil reconhecer tais características, hoje, mais de cem anos depois.
Contudo, se por um lado o QI é algo pragmático, supostamente fácil de medir e beneficia o raciocínio lógico e matemático, por outro, a inteligência emocional não só é difícil de medir como está sujeita à múltiplas interpretações. São habilidades importantes, mas dificilmente preveem o sucesso em todas as ocasiões.
O argumento original de Daniel Goleman (responsável pela popularização do conceito e não por sua criação) é de que a inteligência emocional é um indicador muito mais preciso e fácil de sucesso, ao contrário do QI.
Só que, aí, entramos em um loop: o QI é “mais fácil” de avaliar e o QE (Quociente Emocional), o oposto.
Tá. Eu sei que existem inúmeras tentativas de medir, testes e abordagens diferentes. Mas pense comigo: testes de QI são matemáticos, lógicos e mais precisos por definição (apesar de medirem conhecimento em alguma extensão – o que, perdoem-me, invalida o teste). Testes de QE são situacionais e sofrem profunda influência cultural.
Ao longo dos anos, surgiram várias potenciais metodologias propondo calcular o segundo, enquanto a metodologia para o primeiro sofreu inúmeras revisões (até para apagar um pouco dos vieses iniciais).
Uma pergunta válida: testes assim medem algo que pode ser efetivamente útil? Depende inteiramente do contexto e o contexto tem sido jogado fora.
Em ambos os casos, temos uma visão individualista de sucesso e a ausência completa de uma percepção sistêmica, apesar da inteligência emocional estar frequentemente associada à inteligência social. Mesmo assim, ela analisa o indivíduo, como se uma pessoa, sozinha, fosse capaz de ser qualificada como tendo ou não a “qualidade” desejada e suficiente e que só depende dela. A bandeira do “protagonismo” segurada ao alto.
Chegamos à um ponto deste texto onde temos três conceitos a explorar: o controle, como prever o sucesso (incluo aqui a questão sobre o individualismo) e porque inteligência emocional “ao contrário”, concedendo-me a liberdade de, quem sabe, mudar de opinião sobre o tema.
Controle
As emoções são reações neurofisiológicas do corpo a estímulos. Primitivamente, emoções agradáveis nos aproximam daquilo que traz bem-estar e emoções negativas nos afastam do que pode potencialmente causar problemas ou ser uma ameaça. É assim com o medo, a raiva, a tristeza, a felicidade, o nojo e o desprezo… exceto com a surpresa, que precede outras emoções. (Ekman, 1971).
Para o ser humano, controle, dentre outras coisas, é praticamente um sinônimo de neutralizar ameaças. Colocando de outra forma, o desconhecido causa desconforto justamente pela falta de controle e é interpretado na maioria das vezes como uma ameaça.
Aquilo que é controlado, é conhecido (mas não necessariamente o contrário).
Frequentemente assumimos que uma situação ou estímulo já vivenciado anteriormente trará a mesma emoção. A experiência prévia é conhecida e isso pode dar a falsa sensação de controle emocional por saber o que eventualmente sentirá. Como não controlamos o desconhecido, achamos que controlamos as emoções diante de situações conhecidas, mas na verdade, estamos apenas recuperando uma memória relacionada à emoção presenciada (e talvez as ações decorrentes).
Agora, exploremos alguns conceitos essenciais.
Conhecimento e controle são conscientes.
A emoção surge de um mecanismo cerebral muito mais antigo e primitivo do que a nossa consciência e, muitas vezes, surge incontrolável de meio até um segundo e meio antes sequer de tomarmos consciência do que aconteceu (Nørretranders, 1998).
Começa a perceber aonde eu quero chegar?
Não controlamos as emoções. Podemos, no máximo, tentar gerar condicionamentos para reagirmos de forma intencionada e planejada. Veja a imagem abaixo:
Parece complexo? Não, é simples até.
- O estímulo acontece;
- A emoção surge em um nível inconsciente;
- Parte do nosso cérebro avalia se é necessária uma reação instintiva de autoproteção (lutar? Fugir? Paralisar para economizar energia?)
Essa fase pode levar de meio segundo à um segundo e meio, mais ou menos; - Nosso consciente começa a perceber o que está acontecendo. A emoção que tomou conta da gente começa a se dissipar e a ser interpretada
Com a passagem dos segundos, ganhamos mais forças para interagir com as nossas reações, ao ponto das sensações atingirem um nível suficientemente baixo para permitir ponderarmos a situação. O tempo que leva para chegar nesse estágio varia com o estímulo e de pessoa para pessoa.
Ao longo do tempo, a emoção vai amadurecendo, assim como a nossa percepção da situação. Darei dois exemplos extremos.
- Extremo 1 – Alguém está em uma rua escura, tarde da noite e sente-se já ameaçado. Uma pessoa se aproxima e nosso alguém foge, instintivamente. Algum tempo depois, não sabe se de fato seria assaltado, mas a “decisão” de fugir tomou conta dele e foi incontrolável. Quando isso acontece, o que segue é a sensação: “nossa, simplesmente agi e não me dei conta”;
- Extremo 2 – Nosso alguém agora está em uma situação distinta e diante de uma perda. Pode ser a perda de um emprego, de um ente querido, de um relacionamento ou tantas outras. No momento inicial, ele é tomado pela tristeza e eventualmente pela raiva e medo. Os dias passam, as semanas também e o “luto” dessa perda transforma-se lentamente em saudades, memórias agradáveis e em aprendizado, um processo que pode durar meses.
Qual controle foi efetivamente exercido? Conseguimos escolher, deixar de sentir medo, tristeza e raiva em situações assim? No primeiro exemplo, reagimos antes até de arbitrar. No segundo, houve uma transformação (e como gosto de chamar), um amadurecimento emocional. Falei um pouco sobre isso neste outro post.
É importante registrar que há um debate acerca do tema.
Enquanto acredito não ser possível controlar diretamente e especificamente as emoções, podemos treinar, condicionar reações diante de determinadas situações.
Algumas profissões como a medicina, forças-tarefa de resposta à incidentes e as forças armadas são apenas alguns dos vários exemplos (definitivamente não limitado à esses). Entretanto, não há nada que possa ser feito no intuito de controlar as emoções em si, principalmente em situações novas e desconhecidas.
Aqui, faço uma reconsideração: se eu pudesse escolher aquilo que é mais importante no tocante à inteligência emocional, eu escolheria o aumento do repertório emocional ao invés da metodologia clássica. Talvez os dois em conjunto.
A “Necessidade” de Prever o Sucesso
Vivemos em uma sociedade que venera o sucesso e a percepção dele.
De fato, ao longo das décadas e séculos criamos diversos mecanismos para medi-lo, recompensá-lo e punir os fracassos.
Nesse contexto, o QI teve uma aplicação histórica, inclusive nas guerras mundiais. O conceito de inteligência emocional é promovido desde a década de 90 como fator preponderante em prever sucesso. A ideia é até comercializada assim (e como!).
Existe uma necessidade social e a argumentação em torno da inteligência emocional tenta fornecer a solução, posicionando-se como a saída universal para um problema que não deveria existir.
Se analisarmos a autoajuda dos últimos 20 anos, talvez o que mais tenha sido escrito em milhares de livros e guias são as fórmulas para o sucesso direta ou indiretamente e a inteligência emocional é citada frequentemente nesse contexto.
Não há fórmula para o sucesso. Não há modelo; há um conjunto de indivíduos fazendo o melhor que podem com os seus recursos únicos.
Usando uma percepção mais abrangente, dificilmente a inteligência emocional é o único argumento sobre o sucesso.
Vivemos uma atualidade cheia de métodos, processos e testes dos mais diversos que tentam estereotipar quem tem mais chances ou não. Reforço o termo “estereotipar”, porque é exatamente isso que acontece.
Temos definições de pessoas racionais, emocionais, introvertidas, extrovertidas, julgadoras, sensitivas, intuitivas, bagunçadas, criativas, executoras, sonhadoras… todas concepções realçadas por metodologias de testagem que supostamente apontam quais características têm mais “sucesso” em determinadas funções.
Mas a questão é bem mais complexa.
O resultado dessas metodologias é a classificação dos seres humanos em caixinhas (como escrevi aqui), ignorando a nossa maior característica: a capacidade de mudar, da adaptabilidade e do próprio cérebro de se reconectar.
Reunir indivíduos em conjuntos de pessoas com potenciais características supostamente semelhantes (importante registrar – altamente subjetivas) e arbitrar eliminar ou escolhê-los baseado nessas características não é tão diferente da mentalidade da eugenia do século passado.
E tudo em nome da ciência (não entrarei nem no mérito de outros artifícios que usamos diariamente, pseudocientíficos e bastante populares acerca de uma estereotipação semelhante).
É negar a oportunidade de evolução e mudança (que sabemos que existe) a qualquer um.
Afinal, na sociedade contemporânea e individualista, o que não faltam são exemplos de pessoas que proclamam suas próprias evoluções (irônico e contraditório), ao mesmo tempo em que fazem uso de métricas arbitrárias porque o sentido por si atribuído afaga o ego.
Falar de evolução sem admitir a mudança, através de uma classificação comportamental arbitrária é uma contradição. Aceita que dói menos.
Será que estou advogando contra o uso dessas ferramentas?
Não. Pelo menos não, totalmente.
Advogo contra o uso irrestrito e indiscriminado de aplicá-las para classificar seres humanos. São processos (falo dos que pelo menos tentam ser científicos) que podem ser eventualmente usados por profissionais qualificados para, por exemplo, reunir um grupo de pessoas com características favoráveis.
Mas nunca e eu repito, nunca em processos de seleção, eliminação e escolha ou que podem levar à segregação sob nenhuma forma, algo feito comumente.
Sucesso não é apenas uma questão de escolher as pessoas remotamente adequadas para uma tarefa específica.
Sucesso é permitir que a diversidade interaja, fomentando a criatividade.
Inteligência Emocional ao Contrário?
Quando mencionei no parágrafo anterior a cooperação, lembro-me de algo que repito à exaustão em meus textos: nós somos em conjunto muito mais do que a soma das individualidades, um quebra-cabeças de peças completamente diferentes que, reunidas, formam uma imagem belíssima.
Somos seres sociais antes de tudo e é por causa disso que estamos vivos como espécie, hoje.
Não é porque alguém descobriu como manipular o fogo e usou isso para aquecer-se: é sobre o compartilhamento da habilidade para a sobrevivência do grupo e talvez a própria definição de civilização passe por isso.
Existe um sábio argumento (pelo menos na minha opinião) sobre o surgimento da civilização, contrário à concepções amplamente estabelecidas como a caça e a pesca, o surgimento de instrumentos, agricultura e de artefatos religiosos.
Há dúvidas sobre a origem do pensamento, atribuído à antropóloga Margaret Mead durante uma aula, mas que tem solidez.
Sobre o início da civilização e da cultura, a sua resposta surpreendeu muita gente:
“Qual o sinal mais antigo da civilização? Um pote de barro? Ferro? A agricultura?”
Não.
Para ela, a evidência mais antiga de uma verdadeira civilização é um fêmur curado [um osso enorme da perna, fundamental e de difícil reparo]. Ela explica que uma cura como essa nunca foi encontrada nas reminiscências de culturas competitivas ou sociedades selvagens. Pelo contrário, nestas, pistas de violência são comuns. (…) Mas um fêmur curado mostra que alguém deve ter cuidado da pessoa ferida – caçou em seu lugar, trouxe comida e serviu ela através do seu sacrifício pessoal. Sociedades selvagens não se sujeitavam a essa “pena”.
[Fearfully and Wonderfully Made (Grand Rapids, Mi.: Zondervan, 1980); Pain: The Gift Nobody Wants (Brand, 1993)]
Adicionalmente, https://stacyhackner.wordpress.com/2020/04/21/that-margaret-mead-quote/ e
https://www.patriciarobertsmiller.com/2020/11/30/margaret-meads-definition-of-civilization/
Pensando bem, qual maior ou melhor definição de sucesso do que o conceito por trás dessa afirmação ou ideia?
Confesso, essa percepção me deixa não só confortável, mas traz um senso de pertencimento e bem-estar.
Sim, eu frisei a palavra “competitivas” no texto atribuído a Mead intencionalmente. Parece que favorecemos essa questão sistematicamente na sociedade atual em detrimento da cooperação. Pódios potencialmente gerando violência, algo que vemos todos os dias nas redes sociais, ao contrário da histórica e comprovada comunhão.
E, talvez agora, você comece a perceber o argumento “inteligência emocional… ao contrário“.
O equívoco não está em achar que inteligência emocional não importa ao aplica-se a tudo: está em achar que é uma responsabilidade individual.
Em nossa busca incessante por medir as pessoas, classificá-las, recompensá-las e puni-las, criamos teorias e métodos supostamente precisos para a tarefa, meio que desprezando completamente a subjetividade e o fato de sermos seres únicos, mas que funcionamos melhor em conjunto justamente por isso.
Existem diversos efeitos colaterais dessa cultura e cito dois importantes: a segregação e o preconceito e a individualização de algo intrinsecamente social e sistêmico.
Falei sobre a segregação e as caixinhas estereotípicas neste post e sobre a individualização neste outro.
Com a inteligência emocional aconteceu algo assim.
Uma breve pesquisa em qualquer site de busca revelará milhares de conteúdos falando sobre o que é inteligência emocional, como cultivá-la e porque ela é importante. Mas o conceito é individualizado, na esfera da responsabilidade e da autonomia completa e absoluta, linha da concepção de protagonismo pregado pela autoajuda contemporânea.
Até mesmo quando abordamos o conceito adjacente de inteligência social, ele está preservado em torno de uma potencial capacidade individual de um ser social, uma contradição conceitual na minha opinião.
O processo de autoconhecimento é uma jornada para dentro de si. Isso é compreensível (e vende).
Mas uma jornada de autoconhecimento não resolve todos os problemas do mundo e está repleta de percalços e dores.
Tem muita coisa que depende da gente como indivíduos e ser protagonista da própria vida tem um lado extremamente positivo. Autorresponsabilidade.
Contudo, é importante reconhecer as fronteiras desse processo, entendendo que também existem diversas coisas que não dependem unicamente da pessoa.
Contextos familiares e educacionais, profissionais, de sistemas aos quais pertencemos, questões estruturais como fome, doenças, pobreza extrema, governamentais e mundiais que vão muito além do indivíduo são apenas alguns exemplos.
Inteligência emocional não é diferente.
Identificar as próprias emoções, reconhecê-las, encontrar causas raiz, reconhecer as emoções dos outros e usar tudo isso adequadamente reagindo da melhor forma possível contextualmente parece ser uma estratégia de sucesso. Mas se focarmos apenas no indivíduo, a estratégia tem um grande potencial de falhar.
Muita gente tem uma dificuldade enorme de reconhecer as próprias emoções.
Quem dirá reconhecer e aceitar as emoções dos outros.
E quando mencionei no título “inteligência emocional ao contrário” foi neste sentido.
Como seres sociais totalmente interligados, talvez o aspecto mais importante de todos seja permitir a interação das nossas emoções com as dos outros.
Lembrando o que disse alguns parágrafos acima, é impossível para um ser humano não sentir emoções e podemos até condicionar reações favoráveis a intenções de comportamento previamente planejadas, mas sem considerar que todo ser humano da face da terra tem emoções, dizer ao próximo “eu enxergo você” ou “eu percebo você” em um nível emocional não gera apenas empatia.
Coloca-nos no mesmo patamar de existência, fazendo o possível e o melhor dentro das possibilidades de cada um, sem esquecer as emoções.
Precisamos remover essa conversa do debate da validade dos testes emocionais e estereotípicos. Precisamos renunciar ao protagonismo cego, puro e simples e entender que a emoção do outro, por mais que seja conteúdo do próximo, é algo que nos interliga, enlaça-nos em uma existência social que é muito mais natural diante de dezenas de milhares de anos de evolução do que apenas querer controlar o que sentimos.
Eu darei um exemplo prático agora.
Imagine que você leu todo o conteúdo disponível sobre o assunto e chegou à conclusão de seguir à risca as orientações.
Conta até 10, respira fundo… identifica as emoções despertadas, faz o possível para controlar as suas reações momentâneas e intempestivas buscando o melhor resultado esperado.
Essa frase parte do princípio de que temos que moldar o que quer que seja, atuando para chegar a um objetivo.
E isso é um absurdo.
Em um ambiente com pessoas que aceitam-se mutualmente emocionalmente, não há a necessidade de moldar comportamentos além do bom senso.
Há a compreensão.
Diga-me, usar as orientações clássicas ligadas ao tema, que incluem reprimir emoções, traz segurança para você?
Ou o que realmente traz segurança é saber que expor as emoções não será o motivo de julgamento por parte do próximo?
Que tal começar por não julgar as reações alheias?
Não devemos ferir a liberdade dos outros. Mas podemos aceitar que, se todo e qualquer ser humano tem emoções, que elas são incontroláveis (apesar das tentativas) e talvez o que falte aqui é compreensão e aceitação.
É aceitar que, assim como nós, aquele ser diante de você tem seus desafios, seus problemas, sua experiência única e suas formas de exercer tudo isso com ações influenciadas completamente por algo praticamente incontrolável.
Demonstrar emoção é tido como um critério de julgamento para a vulnerabilidade e a vergonha.
O problema está aí.
Falamos tanto do assunto como regulação, controle e manipulação, esquecendo que qualquer um de nós está sujeito às mesmas condições, fisiológicas até.
Reservamo-nos o direito de explodir emocionalmente, mas condenamos todos os outros à vergonha se o fizerem.
Então… apenas então, talvez a compreensão de começar a falar sobre inteligência emocional não seja sobre a gente. Não seja sobre mim ou você separadamente. Seja sobre aquele indivíduo que está a nossa frente, funcionando em conjunto conosco.
Em um ambiente onde precisa usar a cartilha da identificação, reconhecimento, controle e atuação, ou em um ambiente onde pode mostrar o que sente, sendo você mesmo sem subterfúgios?
Tem vergonha de chorar em público?
Eu tive, por muito tempo. Talvez ainda tenha.
Tem vergonha de sentir-se triste na atual ditadura da felicidade, permeada por gratidão, positividade, #gratiluz e termos do gênero, conduzindo-nos a construir uma imagem social de perfeição impossível de manter em longo prazo?
Pense um pouco: tem coisa mais absurda do que isso? Negar nossa natureza humana em favor de uma imagem plasticamente perfeita de uma existência mentirosa, construindo um alvo ideal inatingível?
Isso não traz bem-estar. Traz depressão em escala.
Nada disso é remotamente compatível com a inteligência emocional.
Isso é reprimir algo que faz parte de cada ser humano e, nossa, como existe literatura sobre o assunto há séculos!
Somos portadores de momentos de altos e baixos, de tristezas, felicidades, paciência e raiva. Somos agraciados com pensamentos contendo os mais puros sonhos e os mais execráveis desejos. E não há nada de errado com isso, respeitadas as leis, a ética e as patologias (afinal, o limite da compreensão e da aceitação é uma média social salutar que existe, nos protege e há 7 bilhões e meio de razões para, pelo menos, considerar esse fator).
Enquanto não nos sentimos seguros para exercer uma parte de nós que está presente em cada humano que sequer aparece por medo de ser, não há inteligência emocional de nenhuma parte envolvida.
Talvez o assunto seja mais sobre essa compreensão do que versar sobre o que podemos fazer como indivíduos supostamente autônomos, protagonistas e totalmente responsáveis, porque não somos nenhum dos três, completamente.
Talvez inteligência emocional seja sobre o exemplo do fêmur quebrado de Mead e a sua cura, sobre o surgimento da civilização. Talvez seja sobre altruísmo.
Chego à conclusão de que qualquer tentativa de manutenção da inteligência emocional clássica, considerando apenas as nossas reações mais adequadas ao momento é apenas manipulação e atuação. Goleman chega a mencionar a questão através dos camaleões emocionais, mas na década de 90 ele não tinha ideia do que se tornaria a sociedade com o advento das redes sociais.
Não podemos gerenciar as reações dos outros. Podemos apenas deixar o próximo à vontade em expressar as suas emoções, criando um ambiente de confiança e segurança.
E esse perece ser um bom começo.