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Expectativas

Expectativas. Um manequim diante de um espelho representa essencialmente esse texto. Um alter ego projetado, idealizado e perseguido como objetivo existencial em um universo construído através de um padrão inalcançável.

Mas as respostas não estão fora, na projeção ou na jornada em busca desse efêmero. O exercer de uma existência externa fala muito mais sobre o ser e o estar do que qualquer alter ego.

Nos últimos 30 anos (ou até mais), a maior parte da autoajuda “nos ensinou” que conhecer a si e buscar dentro de nós é a chave para um eu evoluído (odeio essa proposição, passa a conotação e cultura de competição).

Quem é vegano, religioso, medita todos os dias ou faz yoga [insira outras práticas aqui] e se considera mais evoluído do que o próximo, não entendeu nada.

É a mesma coisa para humildade.

Quem se considera humilde, deixou de sê-lo.

Prefiro a busca pelo eu “diferente”.

Outro ponto: como conteúdo de autoajuda e suposta evolução, trata-se basicamente das expectativas de outros que aceitamos para nós como nossas achando que o que deu certo para alguém tem que dar certo para a gente também… e alguns autores dizem justamente que a chave para a felicidade é lidar com as expectativas de maneira adequada.

Uma percepção associada a autorresponsabilidade e a meritocracia, na maioria das vezes acompanhada de lemas como “se alguém já fez, você também pode fazer”, que traz outra questão: a comparação.

Confesso que falar que tudo que um ser humano consegue, eu também consigo, é uma ideia libertadora, apesar de nada realista.

Afirmar isso categoricamente e absolutamente é ignorar o mundo em que vivemos. É ingenuidade, é subjugar injustiças sociais, geo/políticas, culturais, posicionamento social, financeiro e tantas outras coisas.

Não é algo ruim. Só é. Mas é motivador em si.

Passa a ser negativo quando, junto com as expectativas, ignoramos nossas próprias fraquezas e fortalezas. Quando passamos a desejar ser iguais à manada sem considerar todo o resto. Quando projetamos uma idealização de existência inatingível e passamos a alimentar um monstro dentro de nós mesmos.

Proponho uma abordagem diferente.

Nossas limitações são insumo para um potencial danado.

Não que eu tenha idade para ser um atleta olímpico, astronauta ou cientista de foguetes, mas a ausência dessas possibilidades abre uma série de outras.

Somos animais sociais. Pertencer é forte em nós, porque nos ajuda a sobreviver no grande esquema das coisas. Portanto, pode ser necessário olhar para dentro e lidar também com as expectativas dos outros que internalizamos… mas não vejo como podemos dissociar os dois.

Aliás, mesmo em uma sociedade de cooperação, as hierarquias existem… e elas não existiriam sem julgamento e comparação, mesmo que nos remetamos aos primórdios da nossa existência como mamíferos, quando a força e a sobrevivência imediata eram critérios.

Diria até que o pertencimento é influenciado pela percepção de uma hierarquia validada socialmente e, se existe interesse numa movimentação horizontal ou vertical, existem julgamentos, expectativas e comparação fluindo para todos os lados.

Pode parecer que são ideias opostas, mas talvez o ideal esteja entre elas.

Como certa vez disse Bernardo de Chartres (atribuído a Isaac Newton):

“Se eu vi mais longe do que os outros,
é por estar sobre os ombros de gigantes.”

Ao combinar o que aprendemos de diferentes fontes, temos a oportunidade de criar novas ideias. Acho que é basicamente impossível começar do zero. Se levarmos em conta que nossas identidades são um conjunto de crenças, olhar para dentro já é uma busca baseada no passado.

Então, é possível desvincular tudo que nos foi dito para sermos? Isso não destruiria parte das nossas identidades de alguma forma? isso não destruiria nossa singularidade?

Existe uma equação de composição do self, do eu e da identidade em jogo para cada ser humano. Como bem coloca Yuval Harari, a nossa imaginação e a nossa capacidade para criar conceitos abstratos é nosso maior recurso.

Sendo assim, partindo do princípio de que o que criamos hoje só é possível diante de toda a criação anterior e há uma boa dose de expectativas na mesa, seja para empoderar ou limitar, resultados foram obtidos e influenciados a partir daí.

Lembro particularmente de algumas conversas com os meus pais, calçadas em expectativas.

Posso julgar o resultado alcançado, mas invariavelmente, não importando reconhecer se foi limitante ou incentivador, modificaram-me. Fazem parte da mecânica que me tornaram único, mesmo sabendo que expectativas rondando a moral e a ética são compartilhadas.

Aqui, entramos em um conceito mais complexo.

Temos sistemas sociais que transformaram o bem-estar em objetivos. Aquilo que pode ser alcançado através da obtenção do tangível, algo mensurável e que pode ser transacionado, vendido, comprado. Tenho dois vídeos que falam sobre isso, aqui e aqui.

Os objetivos foram massificados. Os ideais pasteurizados, as fôrmas da felicidade, do sucesso e do bem-estar onde todos nós nos moldamos para caber em favor de entender quem somos.

Mas o conceito de “todos” fomenta também expectativas igualmente pasteurizadas, incompatíveis com o que representamos: unicidade, individualidade, diferenças.

A força inexorável de quem está no topo da hierarquia propõe uma padronização de comportamentos que não explora a riqueza da unicidade, mas a força da massa para si.

Há um conjunto de expectativas de comportamentos que forçam o indivíduo e suas maiores atribuições ao conforme. O conforme é um reservatório potencial de energia e poder.

Vivemos em tempos de polarização absoluta, o que reduz tudo a dois lados, aumentando ainda mais esse reservatório de poder e perdendo autonomia sem percebermos.

Não somos assim… estamos sendo levados a uma realidade que não traduz a natureza humana.

E ela é poderosa juntamente por causa das diferenças… e não pela capacidade de sermos manipulados a seguir fórmulas de ideais de felicidade, sucesso e bem-estar, seja com expectativas ou não.

Eu acredito com todo o meu ser que a força advinda da manipulação das massas é bem inferior ao resultado da interação do diverso. A diversidade como fonte de criatividade, inovação e evolução é um reservatório de energia e poder muito maior.

A história está repleta de exemplos dessa natureza, quando pessoas exerceram a sua diversidade de forma cooperativa, permitindo essa interação e troca sem precedentes. Foram os episódios da nossa história onde houve maior evolução tecnológica, social e intelectual.

Mas para que isso ocorra, é necessário outro elemento fundamental: aceitação das mesmas diferenças, respeitadas as leis, a moral e a ética.

Quando a compreensão faz parte da equação, não temos limites.

Como humanidade, quando não só compreendermos isso, mas conseguirmos usar essa fonte gigantesca de energia, chegaremos a uma época de quase infinita prosperidade.

Essa é uma expectativa legal (talvez utópica) de ser ter.


Leitura adicional:

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Inteligência Emocional… Ao Contrário?

Desde 2017 que escrevo direta ou indiretamente sobre inteligência emocional e até virou um capítulo de livro.

Trata-se de um tema na moda há quase 30 anos que foi explorado à exaustão, colocado por muitos como solução para todos os problemas da humanidade, até a fome (contém ironia).

Outros especialistas na área trazem a inteligência emocional clássica como uma grande falácia.

Nem tanto, nem tão pouco.

O conceito foi esticado e resumido de formas inimagináveis ao longo dos anos.

Penso imediatamente e (quase) involuntariamente no trabalho de Myers-Briggs, que tomou por base Carl Jung.

Ele certamente ficaria surpreso com as conotações extraídas do seu trabalho, para dizer o mínimo. Hoje, estes testes são usados mundialmente em diversos cenários, mas também para rotular pessoas e em processos de seleção, algo inaceitável.

Voltando, analogamente, parece haver um consenso (principalmente em conteúdo de autoajuda) de que inteligência emocional é:

  1. Reconhecer as emoções;
  2. “Controlar” as emoções;
  3. Usá-las adequadamente, para si e socialmente (o que já leva a outro conceito criado ao longo do tempo: inteligência social).

Aqui, chamo especial atenção à palavra “controlar“. Uma rápida pesquisa no seu mecanismo de busca preferido e perceberá como o “gerenciamento das emoções” e a “autorregulação” surgem com frequência e, tristemente, acabam sendo interpretados como “controle”.

Mas antes de abordar esse tema em específico, falemos um pouco da meta-origem do conceito (comento a origem propriamente dita no post original).

Por trás do surgimento da ideia de inteligência emocional, há um processo de reconhecimento das diferenças individuais, diversidade (exemplificado pela multiplicação das inteligências, notadamente sobre as mãos de Howard Gardner) e, principalmente, uma busca por medir o sucesso.

O próprio surgimento da concepção de QI (Quociente de Inteligência) no início do século passado tinha a intenção de prever o sucesso (dentre outras), apesar de florescer em meio a profundos vieses comportamentais.

Isso mesmo, o QI tinha uma pitada de segregação e beneficiava uma parcela populacional, promovendo estereótipos e até o preconceito.

Nada bonito, diga-se de passagem – apesar de ser uma outra época com um contexto completamente diferente do atual. É mais fácil reconhecer tais características, hoje, mais de cem anos depois.

Contudo, se por um lado o QI é algo pragmático, supostamente fácil de medir e beneficia o raciocínio lógico e matemático, por outro, a inteligência emocional não só é difícil de medir como está sujeita à múltiplas interpretações. São habilidades importantes, mas dificilmente preveem o sucesso em todas as ocasiões.

O argumento original de Daniel Goleman (responsável pela popularização do conceito e não por sua criação) é de que a inteligência emocional é um indicador muito mais preciso e fácil de sucesso, ao contrário do QI.

Só que, aí, entramos em um loop: o QI é “mais fácil” de avaliar e o QE (Quociente Emocional), o oposto.

Tá. Eu sei que existem inúmeras tentativas de medir, testes e abordagens diferentes. Mas pense comigo: testes de QI são matemáticos, lógicos e mais precisos por definição (apesar de medirem conhecimento em alguma extensão – o que, perdoem-me, invalida o teste). Testes de QE são situacionais e sofrem profunda influência cultural.

Ao longo dos anos, surgiram várias potenciais metodologias propondo calcular o segundo, enquanto a metodologia para o primeiro sofreu inúmeras revisões (até para apagar um pouco dos vieses iniciais).

Uma pergunta válida: testes assim medem algo que pode ser efetivamente útil? Depende inteiramente do contexto e o contexto tem sido jogado fora.

Em ambos os casos, temos uma visão individualista de sucesso e a ausência completa de uma percepção sistêmica, apesar da inteligência emocional estar frequentemente associada à inteligência social. Mesmo assim, ela analisa o indivíduo, como se uma pessoa, sozinha, fosse capaz de ser qualificada como tendo ou  não a “qualidade” desejada e suficiente e que só depende dela. A bandeira do “protagonismo” segurada ao alto.

Chegamos à um ponto deste texto onde temos três conceitos a explorar: o controle, como prever o sucesso (incluo aqui a questão sobre o individualismo) e porque inteligência emocional “ao contrário”, concedendo-me a liberdade de, quem sabe, mudar de opinião sobre o tema.

Controle

As emoções são reações neurofisiológicas do corpo a estímulos. Primitivamente, emoções agradáveis nos aproximam daquilo que traz bem-estar e emoções negativas nos afastam do que pode potencialmente causar problemas ou ser uma ameaça. É assim com o medo, a raiva, a tristeza, a felicidade, o nojo e o desprezo… exceto com a surpresa, que precede outras emoções. (Ekman, 1971).

Para o ser humano, controle, dentre outras coisas, é praticamente um sinônimo de neutralizar ameaças. Colocando de outra forma, o desconhecido causa desconforto justamente pela falta de controle e é interpretado na maioria das vezes como uma ameaça.

Aquilo que é controlado, é conhecido (mas não necessariamente o contrário).

Frequentemente assumimos que uma situação ou estímulo já vivenciado anteriormente trará a mesma emoção. A experiência prévia é conhecida e isso pode dar a falsa sensação de controle emocional por saber o que eventualmente sentirá. Como não controlamos o desconhecido, achamos que controlamos as emoções diante de situações conhecidas, mas na verdade, estamos apenas recuperando uma memória relacionada à emoção presenciada (e talvez as ações decorrentes).

Agora, exploremos alguns conceitos essenciais.

Conhecimento e controle são conscientes.

A emoção surge de um mecanismo cerebral muito mais antigo e primitivo do que a nossa consciência e, muitas vezes, surge incontrolável de meio até um segundo e meio antes sequer de tomarmos consciência do que aconteceu (Nørretranders, 1998).

Começa a perceber aonde eu quero chegar?

Não controlamos as emoções. Podemos, no máximo, tentar gerar condicionamentos para reagirmos de forma intencionada e planejada. Veja a imagem abaixo:

Parece complexo? Não, é simples até.

  1. O estímulo acontece;
  2. A emoção surge em um nível inconsciente;
  3. Parte do nosso cérebro avalia se é necessária uma reação instintiva de autoproteção (lutar? Fugir? Paralisar para economizar energia?)
    Essa fase pode levar de meio segundo à um segundo e meio, mais ou menos;
  4. Nosso consciente começa a perceber o que está acontecendo. A emoção que tomou conta da gente começa a se dissipar e a ser interpretada
    Com a passagem dos segundos, ganhamos mais forças para interagir com as nossas reações, ao ponto das sensações atingirem um nível suficientemente baixo para permitir ponderarmos a situação. O tempo que leva para chegar nesse estágio varia com o estímulo e de pessoa para pessoa.

Ao longo do tempo, a emoção vai amadurecendo, assim como a nossa percepção da situação. Darei dois exemplos extremos.

  1. Extremo 1 – Alguém está em uma rua escura, tarde da noite e sente-se já ameaçado. Uma pessoa se aproxima e nosso alguém foge, instintivamente. Algum tempo depois, não sabe se de fato seria assaltado, mas a “decisão” de fugir tomou conta dele e foi incontrolável. Quando isso acontece, o que segue é a sensação: “nossa, simplesmente agi e não me dei conta”;
  2. Extremo 2 – Nosso alguém agora está em uma situação distinta e diante de uma perda. Pode ser a perda de um emprego, de um ente querido, de um relacionamento ou tantas outras. No momento inicial, ele é tomado pela tristeza e eventualmente pela raiva e medo. Os dias passam, as semanas também e o “luto” dessa perda transforma-se lentamente em saudades, memórias agradáveis e em aprendizado, um processo que pode durar meses.

Qual controle foi efetivamente exercido? Conseguimos escolher, deixar de sentir medo, tristeza e raiva em situações assim? No primeiro exemplo, reagimos antes até de arbitrar. No segundo, houve uma transformação (e como gosto de chamar), um amadurecimento emocional. Falei um pouco sobre isso neste outro post.

É importante registrar que há um debate acerca do tema.

Enquanto acredito não ser possível controlar diretamente e especificamente as emoções, podemos treinar, condicionar reações diante de determinadas situações.

Algumas profissões como a medicina, forças-tarefa de resposta à incidentes e as forças armadas são apenas alguns dos vários exemplos (definitivamente não limitado à esses). Entretanto, não há nada que possa ser feito no intuito de controlar as emoções em si, principalmente em situações novas e desconhecidas.

Aqui, faço uma reconsideração: se eu pudesse escolher aquilo que é mais importante no tocante à inteligência emocional, eu escolheria o aumento do repertório emocional ao invés da metodologia clássica. Talvez os dois em conjunto.

A “Necessidade” de Prever o Sucesso

Vivemos em uma sociedade que venera o sucesso e a percepção dele.

De fato, ao longo das décadas e séculos criamos diversos mecanismos para medi-lo, recompensá-lo e punir os fracassos.

Nesse contexto, o QI teve uma aplicação histórica, inclusive nas guerras mundiais. O conceito de inteligência emocional é promovido desde a década de 90 como fator preponderante em prever sucesso. A ideia é até comercializada assim (e como!).

Existe uma necessidade social e a argumentação em torno da inteligência emocional tenta fornecer a solução, posicionando-se como a saída universal para um problema que não deveria existir.

Se analisarmos a autoajuda dos últimos 20 anos, talvez o que mais tenha sido escrito em milhares de livros e guias são as fórmulas para o sucesso direta ou indiretamente e a inteligência emocional é citada frequentemente nesse contexto.

Não há fórmula para o sucesso. Não há modelo; há um conjunto de indivíduos fazendo o melhor que podem com os seus recursos únicos.

Usando uma percepção mais abrangente, dificilmente a inteligência emocional é o único argumento sobre o sucesso.

Vivemos uma atualidade cheia de métodos, processos e testes dos mais diversos que tentam estereotipar quem tem mais chances ou não. Reforço o termo “estereotipar”, porque é exatamente isso que acontece.

Temos definições de pessoas racionais, emocionais, introvertidas, extrovertidas, julgadoras, sensitivas, intuitivas, bagunçadas, criativas, executoras, sonhadoras… todas concepções realçadas por metodologias de testagem que supostamente apontam quais características têm mais “sucesso” em determinadas funções.

Mas a questão é bem mais complexa.

O resultado dessas metodologias é a classificação dos seres humanos em caixinhas (como escrevi aqui), ignorando a nossa maior característica: a capacidade de mudar, da adaptabilidade e do próprio cérebro de se reconectar.

Reunir indivíduos em conjuntos de pessoas com potenciais características supostamente semelhantes (importante registrar – altamente subjetivas) e arbitrar eliminar ou escolhê-los baseado nessas características não é tão diferente da mentalidade da eugenia do século passado.

E tudo em nome da ciência (não entrarei nem no mérito de outros artifícios que usamos diariamente, pseudocientíficos e bastante populares acerca de uma estereotipação semelhante).

É negar a oportunidade de evolução e mudança (que sabemos que existe) a qualquer um.

Afinal, na sociedade contemporânea e individualista, o que não faltam são exemplos de pessoas que proclamam suas próprias evoluções (irônico e contraditório), ao mesmo tempo em que fazem uso de métricas arbitrárias porque o sentido por si atribuído afaga o ego.

Falar de evolução sem admitir a mudança, através de uma classificação comportamental arbitrária é uma contradição. Aceita que dói menos.

Será que estou advogando contra o uso dessas ferramentas?

Não. Pelo menos não, totalmente.

Advogo contra o uso irrestrito e indiscriminado de aplicá-las para classificar seres humanos. São processos (falo dos que pelo menos tentam ser científicos) que podem ser eventualmente usados por profissionais qualificados para, por exemplo, reunir um grupo de pessoas com características favoráveis.

Mas nunca e eu repito, nunca em processos de seleção, eliminação e escolha ou que podem levar à segregação sob nenhuma forma, algo feito comumente.

Sucesso não é apenas uma questão de escolher as pessoas remotamente adequadas para uma tarefa específica.

Sucesso é muito mais uma questão de dar as condições para que as pessoas cooperem, aprendam e evoluam.

Sucesso é permitir que a diversidade interaja, fomentando a criatividade.

Inteligência Emocional ao Contrário?

Quando mencionei no parágrafo anterior a cooperação, lembro-me de algo que repito à exaustão em meus textos: nós somos em conjunto muito mais do que a soma das individualidades, um quebra-cabeças de peças completamente diferentes que, reunidas, formam uma imagem belíssima.

Somos seres sociais antes de tudo e é por causa disso que estamos vivos como espécie, hoje.

Não é porque alguém descobriu como manipular o fogo e usou isso para aquecer-se: é sobre o compartilhamento da habilidade para a sobrevivência do grupo e talvez a própria definição de civilização passe por isso.

Existe um sábio argumento (pelo menos na minha opinião) sobre o surgimento da civilização, contrário à concepções amplamente estabelecidas como a caça e a pesca, o surgimento de instrumentos, agricultura e de artefatos religiosos.

Há dúvidas sobre a origem do pensamento, atribuído à antropóloga Margaret Mead durante uma aula, mas que tem solidez.

Sobre o início da civilização e da cultura, a sua resposta surpreendeu muita gente:

“Qual o sinal mais antigo da civilização? Um pote de barro? Ferro? A agricultura?”

Não.

Para ela, a evidência mais antiga de uma verdadeira civilização é um fêmur curado [um osso enorme da perna, fundamental e de difícil reparo]. Ela explica que uma cura como essa nunca foi encontrada nas reminiscências de culturas competitivas ou sociedades selvagens. Pelo contrário, nestas, pistas de violência são comuns. (…) Mas um fêmur curado mostra que alguém deve ter cuidado da pessoa ferida – caçou em seu lugar, trouxe comida e serviu ela através do seu sacrifício pessoal. Sociedades selvagens não se sujeitavam a essa “pena”.
[Fearfully and Wonderfully Made (Grand Rapids, Mi.: Zondervan, 1980); Pain: The Gift Nobody Wants (Brand, 1993)]
Adicionalmente, https://stacyhackner.wordpress.com/2020/04/21/that-margaret-mead-quote/ e
https://www.patriciarobertsmiller.com/2020/11/30/margaret-meads-definition-of-civilization/

Pensando bem, qual maior ou melhor definição de sucesso do que o conceito por trás dessa afirmação ou ideia?

Confesso, essa percepção me deixa não só confortável, mas traz um senso de pertencimento e bem-estar.

Sim, eu frisei a palavra “competitivas” no texto atribuído a Mead intencionalmente. Parece que favorecemos essa questão sistematicamente na sociedade atual em detrimento da cooperação. Pódios potencialmente gerando violência, algo que vemos todos os dias nas redes sociais, ao contrário da histórica e comprovada comunhão.

E, talvez agora, você comece a perceber o argumento “inteligência emocional… ao contrário“.

O equívoco não está em achar que inteligência emocional não importa ao aplica-se a tudo: está em achar que é uma responsabilidade individual.

Em nossa busca incessante por medir as pessoas, classificá-las, recompensá-las e puni-las, criamos teorias e métodos supostamente precisos para a tarefa, meio que desprezando completamente a subjetividade e o fato de sermos seres únicos, mas que funcionamos melhor em conjunto justamente por isso.

Existem diversos efeitos colaterais dessa cultura e cito dois importantes: a segregação e o preconceito e a individualização de algo intrinsecamente social e sistêmico.

Falei sobre a segregação e as caixinhas estereotípicas neste post e sobre a individualização neste outro.

Com a inteligência emocional aconteceu algo assim.

Uma breve pesquisa em qualquer site de busca revelará milhares de conteúdos falando sobre o que é inteligência emocional, como cultivá-la e porque ela é importante. Mas o conceito é individualizado, na esfera da responsabilidade e da autonomia completa e absoluta, linha da concepção de protagonismo pregado pela autoajuda contemporânea.

Até mesmo quando abordamos o conceito adjacente de inteligência social, ele está preservado em torno de uma potencial capacidade individual de um ser social, uma contradição conceitual na minha opinião.

E isso atende a uma agenda.

O processo de autoconhecimento é uma jornada para dentro de si. Isso é compreensível (e vende).

Mas uma jornada de autoconhecimento não resolve todos os problemas do mundo e está repleta de percalços e dores.

Tem muita coisa que depende da gente como indivíduos e ser protagonista da própria vida tem um lado extremamente positivo. Autorresponsabilidade.

Contudo, é importante reconhecer as fronteiras desse processo, entendendo que também existem diversas coisas que não dependem unicamente da pessoa.

Contextos familiares e educacionais, profissionais, de sistemas aos quais pertencemos, questões estruturais como fome, doenças, pobreza extrema, governamentais e mundiais que vão muito além do indivíduo são apenas alguns exemplos.

Inteligência emocional não é diferente.

Identificar as próprias emoções, reconhecê-las, encontrar causas raiz, reconhecer as emoções dos outros e usar tudo isso adequadamente reagindo da melhor forma possível contextualmente parece ser uma estratégia de sucesso. Mas se focarmos apenas no indivíduo, a estratégia tem um grande potencial de falhar.

Muita gente tem uma dificuldade enorme de reconhecer as próprias emoções.

Quem dirá reconhecer e aceitar as emoções dos outros.

E quando mencionei no título “inteligência emocional ao contrário” foi neste sentido.

Como seres sociais totalmente interligados, talvez o aspecto mais importante de todos seja permitir a interação das nossas emoções com as dos outros.

Lembrando o que disse alguns parágrafos acima, é impossível para um ser humano não sentir emoções e podemos até condicionar reações favoráveis a intenções de comportamento previamente planejadas, mas sem considerar que todo ser humano da face da terra tem emoções, dizer ao próximo “eu enxergo você” ou “eu percebo você” em um nível emocional não gera apenas empatia.

Coloca-nos no mesmo patamar de existência, fazendo o possível e o melhor dentro das possibilidades de cada um, sem esquecer as emoções.

Precisamos remover essa conversa do debate da validade dos testes emocionais e estereotípicos. Precisamos renunciar ao protagonismo cego, puro e simples e entender que a emoção do outro, por mais que seja conteúdo do próximo, é algo que nos interliga, enlaça-nos em uma existência social que é muito mais natural diante de dezenas de milhares de anos de evolução do que apenas querer controlar o que sentimos.

Eu darei um exemplo prático agora.

Imagine que você leu todo o conteúdo disponível sobre o assunto e chegou à conclusão de seguir à risca as orientações.

Conta até 10, respira fundo… identifica as emoções despertadas, faz o possível para controlar as suas reações momentâneas e intempestivas buscando o melhor resultado esperado.

Essa frase parte do princípio de que temos que moldar o que quer que seja, atuando para chegar a um objetivo.

E isso é um absurdo.

Em um ambiente com pessoas que aceitam-se mutualmente emocionalmente, não há a necessidade de moldar comportamentos além do bom senso.

Há a compreensão.

Diga-me, usar as orientações clássicas ligadas ao tema, que incluem reprimir emoções, traz segurança para você?

Ou o que realmente traz segurança é saber que expor as emoções não será o motivo de julgamento por parte do próximo?

Que tal começar por não julgar as reações alheias?

Não devemos ferir a liberdade dos outros. Mas podemos aceitar que, se todo e qualquer ser humano tem emoções, que elas são incontroláveis (apesar das tentativas) e talvez o que falte aqui é compreensão e aceitação.

É aceitar que, assim como nós, aquele ser diante de você tem seus desafios, seus problemas, sua experiência única e suas formas de exercer tudo isso com ações influenciadas completamente por algo praticamente incontrolável.

Demonstrar emoção é tido como um critério de julgamento para a vulnerabilidade e a vergonha.

O problema está aí.

Falamos tanto do assunto como regulação, controle e manipulação, esquecendo que qualquer um de nós está sujeito às mesmas condições, fisiológicas até.

Reservamo-nos o direito de explodir emocionalmente, mas condenamos todos os outros à vergonha se o fizerem.

Então… apenas então, talvez a compreensão de começar a falar sobre inteligência emocional não seja sobre a gente. Não seja sobre mim ou você separadamente. Seja sobre aquele indivíduo que está a nossa frente, funcionando em conjunto conosco.

Onde se sente seguro?

Em um ambiente onde precisa usar a cartilha da identificação, reconhecimento, controle e atuação, ou em um ambiente onde pode mostrar o que sente, sendo você mesmo sem subterfúgios?

Tem vergonha de chorar em público?

Eu tive, por muito tempo. Talvez ainda tenha.

Tem vergonha de sentir-se triste na atual ditadura da felicidade, permeada por gratidão, positividade, #gratiluz e termos do gênero, conduzindo-nos a construir uma imagem social de perfeição impossível de manter em longo prazo?

Pense um pouco: tem coisa mais absurda do que isso? Negar nossa natureza humana em favor de uma imagem plasticamente perfeita de uma existência mentirosa, construindo um alvo ideal inatingível?

Isso não traz bem-estar. Traz depressão em escala.

Nada disso é remotamente compatível com a inteligência emocional.

Isso é reprimir algo que faz parte de cada ser humano e, nossa, como existe literatura sobre o assunto há séculos!

Somos portadores de momentos de altos e baixos, de tristezas, felicidades, paciência e raiva. Somos agraciados com pensamentos contendo os mais puros sonhos e os mais execráveis desejos. E não há nada de errado com isso, respeitadas as leis, a ética e as patologias (afinal, o limite da compreensão e da aceitação é uma média social salutar que existe, nos protege e há 7 bilhões e meio de razões para, pelo menos, considerar esse fator).

Enquanto não nos sentimos seguros para exercer uma parte de nós que está presente em cada humano que sequer aparece por medo de ser, não há inteligência emocional de nenhuma parte envolvida.

Talvez o assunto seja mais sobre essa compreensão do que versar sobre o que podemos fazer como indivíduos supostamente autônomos, protagonistas e totalmente responsáveis, porque não somos nenhum dos três, completamente.

Talvez inteligência emocional seja sobre o exemplo do fêmur quebrado de Mead e a sua cura, sobre o surgimento da civilização. Talvez seja sobre altruísmo.

Chego à conclusão de que qualquer tentativa de manutenção da inteligência emocional clássica, considerando apenas as nossas reações mais adequadas ao momento é apenas manipulação e atuação. Goleman chega a mencionar a questão através dos camaleões emocionais, mas na década de 90 ele não tinha ideia do que se tornaria a sociedade com o advento das redes sociais.

Não podemos gerenciar as reações dos outros. Podemos apenas deixar o próximo à vontade em expressar as suas emoções, criando um ambiente de confiança e segurança.

E esse perece ser um bom começo.

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Estímulos, Motivação e Autoajuda

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Tenho uma passagem emblemática na mente: a de um treinador, no topo dos seus pulmões, berrando para um atleta: “vaaaaai, você consegue! Você é capaz! Vaaaaamos! Assim!!! Mais um passo!! Agoooora! Issssoooo!!!!”

Nos últimos quatro anos, mais próximo da indústria da autoajuda, do coaching, das imersões e de várias outras experiências do gênero, algumas até mais espirituais, eu presenciei a mudança chegar na vida de centenas, talvez milhares de pessoas.

É uma indústria que causa transformação: a estratégia muitas vezes consiste em alterar o estado do indivíduo através de estímulos sensoriais, emoções fortes e situações de alto impacto e, aí, permitir percepções valiosas.

O caminho usado é amplamente estudado na psicologia e certamente traz mudanças. Algumas vezes positivas, outras vezes negativas… uma percepção que depende de um enorme número de fatores, como o tempo e o momento analisado, o passado, as experiências e o mapa da pessoa.

Os estímulos são apresentados em múltiplos níveis. Vão desde condições ambientais, passando por experiências comportamentais, novas habilidades, interposição de crenças e valores (ou questionamento de ambos), mudança da própria percepção de ser e de identidade e, em alguns casos, indo até o nível de pertencimento, conexões, social ou espiritual.

Nestes quatro anos, muitos continuam a me perguntar se vale a pena experimentar situações assim.

Só existe uma forma de responder a essa pergunta: para mim, valeu.

Mas a situação é mais complexa e quero fornecer elementos para uma avaliação pessoal.

Vamos por partes.

Talvez o mais importante seja a disposição de olhar para dentro.

Dores crônicas antigas são confortáveis. Se acha que não, examine-as: fortes o suficiente para serem percebidas mas fracas demais para provocar mudança. Nos acostumamos e aprendemos a lidar com elas, exatamente de onde vem o conforto.

Nossa própria identidade já conhecida é muitas vezes um desejo comum: não mexe no que tá quieto; sou assim mesmo e que me aceitem. O corpo humano tende à conservação de energia e mudar gasta energia.

Melhor dizendo, olhar para si e escavar exige coragem. Não se preocupe, apenas a coragem necessária para começar.

Em segundo lugar, temos a confusão frequente de estímulo com motivação.

E, sejamos francos, não são poucos os estímulos.

Eles alteram o estado emocional do indivíduo, fazendo-o crer que tudo é possível, está ao alcance do esforço e do trabalho, basta empenhar-se. Fazendo crer que nada pode parar uma pessoa determinada.

Pode. Ah e como pode! A vida é cheia de surpresas.

A maior força do ser humano não é determinação; é a capacidade de adaptar-se.

Portanto, estímulo que leva a uma suposta e aparente motivação momentânea apenas, é a mesma coisa que potência sem controle.

Gasto de energia.

Alguém berrando frases motivacionais no seu ouvido ou seguir perfis motivacionais nas redes sociais pode até gerar movimento, mas mudança e evolução são outras coisas.

Muito da autoajuda é essa provocação na nossa cara que causa movimento… então, você sai do lugar, age, levanta do sofá e se cadastra na academia, começa a dieta, para de fumar, para de beber, começar a ler, estudar…  mas a iniciativa, o movimento encerra-se dias depois… e nada de verdade muda. Nada em longo prazo e a maioria das pessoas nem percebe, porque nunca avaliou.

Se você já passou pela experiência e acha que estou exagerando, faça uma análise do que alcançou concretamente: você agradecerá a si por ir mais fundo, além do jargão motivacional.

Investigue quais o resultados de fato conseguiu. Isso sim é um excelente exercício para avaliar se o estímulo levou a melhoras e, olha, as emoções exacerbadas podem ocultar os reais resultados: quando estamos excitados, acreditamos que as meras possibilidades já estão realizadas.

Isso leva à motivação propriamente dita.

Os estímulos são externos, a motivação vem de dentro.

Um estímulo pode acordar uma motivação sem precendentes dentro de alguém, mas apenas ele não leva muito longe. Falei sobre isso em outro texto, sobre procrastinação.

Então, se o estímulo serve para uma busca interna, para o aprendizado e para o autoconhecimento, a motivação tão desejada será encontrada ou criada. Mas se ele estiver só, volta-se para o ponto inicial.

Pior, pode-se retornar para o início com a sensação de que muito esforço foi desprendido mas que não se chegou a lugar algum.

Em terceiro lugar, não há garantia alguma de que o estímulo levará à realização, transformação, compreensão ou mudança positiva imediata.

Eu creio que a mudança é eventualmente positiva, mas olhar para dentro pode revelar faces do nosso ser há muito ocultas, conscientemente ou não.

Trata-se de um caminho. Um caminho com algumas estradas perfeitas; outras estradas um pouco esburacadas, à beira de abismos e campos floridos. Uma jornada muitas vezes de lucidez, de tristeza, de raiva, de felicidade… de prazer e de realização.  E tudo bem, faz parte da natureza humana.

Portanto, entenda que não há nada de imediato na evolução e no crescimento.

Percebeu a implicação dessa afirmação?

Os estímulos são momentâneos.

Se eles nos colocam no caminho da evolução, ótimo. De fato, só saberemos ao avaliar os resultados obtidos. Só através deles que saberemos se houve ou não evolução. Eu particularmente não me canso de trazer a minha e a sua atenção à este ponto: quais os resultados conquistados, de curto, médio e longo prazo?

Não vale afirmar que sente-se bem somente.

Pro seu próprio bem e correndo o risco de ser qualificado como racional, meça.

O que considera um bom objetivo ou conjunto de objetivos a ser alcançado?

Emocionais? Materiais? Existenciais? Espirituais?

Chegou lá? Está chegando?

Como ouvi Sri Sri Ravi Shankar[1] falar uma vez… pergunte-se: eu estou mais feliz? Eu estou mais calmo? Quando meu humor se altera por causa das inúmeras coisas desagradáveis da vida, ele retorna à calma e à felicidade mais rápido do que antes? A sensação de pertencer a algo maior e de querer contribuir têm aumentado? A necessidade do material tem diminuído e ter saúde financeira apenas para comprar coisas e momentos se distancia?

Eu acho que muita gente menospreza tudo que é entitulado “autoajuda” justamente por isso.

Por um lado, há um número enorme de gurus vendendo estímulos e, por outro, muitos clientes achando que vão comprar a pílula da felicidade. A tal da modernidade líquida de Bauman[2].

A tão desejada solução externa.

Uma equação lucrativa e, por muitos, considerada exploratória. Junta-se a oferta perfeita para o querer desesperado.

Aqui, há uma consideração importante a ser feita.

Os que procuram as pílulas mágicas, as fórmulas encantadas e os métodos supostamente infalíveis das peças de marketing de treinamentos de autoajuda e das capas dos livros… potencialmente encontrarão decepção.

O sórdido é que a decepção não vem rápido. Demora a perceber que não se sai do lugar e o argumento do marketing vigente é que… se não funcionou, foi porque você não se esforçou o suficiente.

Clóvis de Barros Filho coloca isso muito bem.

  • Os dez passos para a felicidade…
  • A fórmula do sucesso…
  • As cinco maneiras de ser produtivo…
  • As quarenta leis da persuasão…
  • A fórmula de lançamento perfeita…
  • Os sete mandamentos da inteligência emocional…
  • O método infalível para ser rico…
  • Os doze hábitos da venda…
  • O segredo da mente produtiva…
  • Os 48 ensinamentos do poder…

Soam familiares as colocações acima?

Todos elementos externos de uma suposta mudança indolente. Todos argumentos de persuasão e manipulação emocional para vender a solução absoluta (tão absoluta quanto a peça de marketing seguinte).

Pare por um momento e me diga: qual mudança é realmente passiva?

Não se percebe uma incongruência fundamental aí?

Não adianta olhar apenas para fora. Há de se olhar para dentro. Há de se cavar. Autoconhecimento é mudar a partir de si. É enfrentar dores conhecidas, demônios pessoais, esqueletos no armário da alma…

Todas as fórmulas, métodos, passos, segredos, leis, mandamentos e maneiras têm o seu sucesso inteiramente dependente da gente.

Aqueles que procuram tais recursos no intuito de conhecer quem são, mudam de vida.

São os que estão dispostos a mudar verdadeiramente.

São os que estão dispostos a encontrar em si a motivação. A razão, o propósito e… Como já disse Viktor Frankl[3], propósitos podem ser criados. Está TUDO dentro de nós.

Mas Romulo, eu li um livro de autoajuda que mudou a minha vida! Eu fiz um treinamento que me transformou em outra pessoa!

Foi?

Certeza?

Foi o livro que mudou a sua vida?

Foi o treinamento responsável pela transformação?

Conveniente quando fazem isso com a gente, não é mesmo?

O nome “autoajuda” é extremamente apropriado, percebe?

Ajudar a si.

Permita-me entregar-lhe uma nova percepção.

Aliás, mudando de ideia, permitirei que você conclua.

Eu concluirei com parabéns, por ter se permitido e por ajudar-se.

Deixo uma reflexão, correndo o risco mais uma vez de retornar ao tema da motivação:

Diante de tudo que foi dito… se o estímulo é externo e se ele nos leva a agir, estaremos abdicando da nossa capacidade de escolha? Estaremos sendo manipulados ao permitir que estímulos externos guiem nossas ações puramente no emocional?

Será que… conseguimos usar os estímulos ao nosso favor e guiar a nossa evolução de acordo com quem somos, no fundo? Será que, com isso, mudamos quem somos?