Vulnerabilidade e vergonha são temas profundamente relacionados, em especial frente à percepção de identidade que temos para nós, para os outros e o posicionamento relativo dessas identidades entre si.
Então, será que a nossa percepção de si está incompleta até que não haja à quem recorrer… ou o contrário… será que só existimos se validados pela percepção do outro?
As possibilidades de à quem recorrer são determinadas pela oferta ou pela percepção de quem está ao nosso lado?
Se a construção da percepção de si exige solitude, solidão e a percepção do outro de nós, temos uma situação curiosa.
Imagine: só sabemos como reagimos, o quanto desesperados ou confortáveis seremos sozinhos ao passar pela experiência.
Sim, essa é a proposição do argumento de hoje. O exercício da relação com o outro de certa forma nos define.
Este texto começou a surgir anos atrás quando, em 2017, li pela primeira vez o livro de maior sucesso de uma autora Brené Brown, ficando salvo por aqui no blog em pedaços desde então, carecendo de carinho, cuidado e atenção.
Boa parte da pesquisa dela foi dedicada à questões como vulnerabilidade e vergonha.
Ela relata que, em uma de suas palestras, um homem aproximou-se e argumentou que havia um potencial viés.
Enquanto pregava vulnerabilidade (inicialmente em suas pesquisas apenas para mulheres), esse marido abordou-a, apontou para sua mulher e filha e afirmou:
[paráfrase minha]: “Elas podem exercer vulnerabilidades, mas quando olham para mim, querem um porto seguro. Eu não tenho a chance de demonstrar vulnerabilidade”.
Onde entra a suposta falácia machista ao contrário?
Onde entra a falácia do alfa, desmentida pelo próprio autor?
O que eu busco, incluindo aqui, é a compreensão da dinâmica social para além das caixinhas estereotípicas, muito mais complexa e hipócrita do que queremos ou desejamos.
A hipocrisia mora na não aceitação de indivíduos alçados à solidão da referência ou liderança, seja homem ou mulher que não tem a quem recorrer.
Pessoas que, quando a merda vira boné, farão a limpeza e enterrarão o que precisa ser enterrado porque não podem contar verdadeiramente com ninguém.
E as mensagens rasas no celular, nas redes sociais, afirmando genericamente coisas como “pode contar comigo!”
Creia, a grande maioria absoluta não passa da primeira ligação.
Múltiplos ensaios e danças no sentido de preservar o azeite social.
A realidade é dura.
O que sobra?
Talvez o que realmente importa.
E, despido das minhas identidades atribuídas, das expectativas alheias e das ofertas vazias, redescobrimo-nos.
Tem gente que afirma que, quando a dificuldade aperta, conhecemos os verdadeiros amigos.
Passei 3 vezes por situações dessa natureza e não sobraram muitos.
Revolta?
Não. É a vida. A natureza humana e tá tudo bem.
Sim, talvez revolta mesmo. É a vida. A natureza humana e não tá tudo bem.
Percebo por fim que a concepção de mim mesmo está incompleta, mesmo sabendo que ela pode ser contraditória, barroca até, permitindo as duas respostas.
Mas não importa.
Se por um lado os argumentos e a pesquisa de Brené Brown colocam que dissociar a vulnerabilidade da vergonha traz saúde mental e relacionamentos mais saudáveis, enquanto houver alguém usando isso como arma, o desafio de baixar a guarda talvez ainda seja grande demais.